domingo, novembro 05, 2017

LAFCADIO HEARN, JOAN DIDION, FEDERICO FELLINI, ERNST BLOCH, BERTRAND TAVERNIER, CIDADE, CULTURA, LITERÓTICA & ARTERÓTICA

A arte da fotógrafa francesa Laure Albin Guillot (1879-1962). Veja mais aqui.

LITERÓTICA: NOSSA FESTA - Toda sexta-feira, meio-dia em ponto, eu bato meu ponto pro que der e vier. Meio dia em ponto, toda sexta-feira eu chego já pronto e o que é o que é. E ela vem de viés com toda surpresa, rompendo a represa de querer mais. É tudo demais e ela só me fascina, jóia excepcional, uma real mina, bailarina de Degas. Ou nua vestal, dançarina de fuá. E eu sentimental com toda destreza arrasto essa presa, astuta indefesa do pito voar. E para empenar tomo a pele e o pulso, a deixo em soluço a gemer de manhar. A se espernear no corpo rendido, eu domino o seu urânio enriquecido pronto pra explodir e eu só pra acudir num bote certeiro, quando vou de matreiro adornar seus quadris. E se faz bela atriz ensaiando sem medo a me ter entre os dedos, a me lamber num enredo de São Paulo a Paris. O que eu sempre quis e me morde abusada, se entope e se engasga entornando o seu mel. Eu adoço seu fel e vou de gandaia com minha azagaia no seu beleléu. Já sou réu condenado a morrer um bocado no meio do céu. Onde ela faz escarcéu, reluta e se esgana, ela goza sacana no maior pitéu. Ao léu a valer, ela não satisfez. E vem tudo de novo pra glória de um rei, ela sabe e eu não sei, o que importa é viver e venha tudo outra vez. OUTRA VEZ: Toda sexta-feira, meio dia em ponto, ela apronta de tudo comigo e pronto! Ela chega e me olha e toda se desfolha para o bem-me-quer. Ela se abre mulher e eu sorrio, ela se rela e vira cadela no cio e me abraça e me beija, e se faz de puta e princesa quando me quer e eu sou sua passarela onde o sangue dá na canela pro que der e vier. Ela ronda, me cheira e me fela, ela usa e lambuza, se descabela e me acusa de só abusar dela. Ela lambe e abocanha, ela vence e me ganha na melhor de três. Ela me agarra medonha, ela me bate uma bronha na maior maciez. Ela chupa e me suga, ela aponta pra fuga e me faz descortês. Ela agita e me alisa, ela grita e repisa que é a última vez. E nem bem recomeça, ela me prega uma peça e posa sisudez. Ela bole, suspira e rebola, ela delira e quase degola a minha rigidez. E se aninha e engalfinha, ela jura que é minha por mais de um mês. Ela assunta e se enrosca, ela se faz mesa posta e eu seu freguês. Ela ajeita e retruca, ela monta mutuca e diz que não fez. Ela esfrega e renega, ela rega e pula a janela da minha timidez. Ela atiça e se esfola, ela então faz escola pela insensatez. Ela aguça e me inflama, ela me queima na chama da sua nudez. Ela se arrisca de fato, ela fica de quatro na maior viuvez. Ela torce e retorce, ela morde, rejeita e se ajeita e nem se refez. Ela goza e remexe, ela arrocha e debocha na maior altivez. Ela treme e me grita e quer sair muito bem nessa fita com toda malvadez. E quando eu gozo espalhafato de folia de bombo. Ela sorri que de fato fui salvo pela zoada do gongo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


DITOS & DESDITOS - Em vários aspectos, escrever é o ato de dizer Eu, de se impor sobre as outras pessoas, de dizer escute-me, veja pelo meu lado, mude de ideia. É um ato agressivo, até mesmo hostil. Pensamento da escritora e jornalista estadunidense Joan Didion.

ALGUÉM FALOUCinema-verdade? Prefirto o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade. Sempre faço o mesmo filme. Não consigo distinguir um dos outros. Pensamento do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993). Veja mais aqui, aqui e aqui.

HERANÇA DESTE TEMPO – [...] Nem todos estão presentes no mesmo tempo presente. Aparentemente estão porque é possível vê-los aqui e agora. Mas não é só por isso que uns e outros vivem no mesmo tempo. Pelo contrário, alguns possuem um passado que se intromete. [...] Tempos mais antigos que os atuais continuam a viver nas camadas mais antigas [...] “As velhas formas”, dizia ele, colaboram em parte para a novidade, quando elas são bem dispostas. O inimigo viu melhor [...] que essas formas são extremamente eficazes. É tempo de recuperar algumas velhas coisas, a urgência da hora nos ordena. A indolente arrogância com que um Kautsky zombava dos “heróis” ou das “pequenas amostras da mística apocalíptica” e se contentava em ridicularizá-las está ultrapassada, tanto na teoria quanto na prática [...]. Trechos extraídos da obra Herança deste tempo (Payol, 1978), do filósofo alemão Ernst Bloch (1885-1977). Veja mais aqui.

CIDADE: A SEDUÇÃO DO LUGAR – [...] Mesmo com as instituições públicas distanciadas, a sensação da cidade e o seu tecido físico estão sempre presentes para os habitantes e visitantes. Apreciado, visto, tocado, cheirado adentrado, consciente ou inconscientemente, esse tecido é uma representação tangível daquela coisa intangível, a sociedade que ali vive e suas aspirações [...]. Trecho extraído da obra A sedução do lugar (Martins Fontes, 2004), do professor e historiador de arte britânico Joseph Ryckert.

QUANDO TUDO COMEÇA – O filme Quando tudo começa (1999), de Bertrand Tavernier, trata sobre a direção de uma escola pública infantil mutirracional, em uma pequena cidade francesa, com alto índice de desemprego. A situação confronta o cotidiano profissional, refletindo sobre o desempenho e o comportamento dos alunos. Utiliza historias reais relatadas por professores, discutindo problemas de educação, de comunidades excluídas, problemas éticos relacionados à exclusão socioeconômica, participação da comunidade, cidadania e solidariedade.


ARTERÓTICA –A coleção Erótica (Taschen, 2001), reunindo a arte de 17th – 18th Century: from Rembrandt to Fragonard, 19th Century: from Courbet to Gaugin, 20th Century Volume I – From Rodin to Picasso & 20th Volume II – From Dali to Grumb, do historiador e editor de arte francês Giles Néret, reúne a expressão artistica erótica dos séculos XVII ao XX. Veja mais aqui.

PROMESSA QUEBRADA - [...] Nada aconteceu que pudesse perturbar a felicidade da jovem esposa até o sétimo dia após o casamento, quando seu marido foi convocado para executar algumas tarefas que exigiam a presença dele no castelo durante a noite. Na primeira vez que foi obrigado a deixá-la sozinha, ela se sentiu indisposta de um modo que não soube explicar, vagamente assustada sem saber por quê. Quando se deitou, não conseguiu dormir. Podia sentir uma estranha opressão na atmosfera, uma densidade inexplicável, como ocorre algumas vezes nos momentos que precedem uma tempestade. Quase na Hora do Boi, ela ouviu, no lado de fora, um sino tocar, o sino dos peregrinos budistas; e se perguntou que peregrino poderia estar passando pelo bairro do samurai àquelas horas. Logo em seguida, após uma pausa, o sino soou muito mais perto. Com certeza, o peregrino estava se aproximando da casa; mas por que o faria pelos fundos, onde sequer havia uma rua?… De repente, os cães começaram a ganir e uivar de uma maneira incomum e apavorante; e ela sentiu-se tomada pelo medo, como o medo que tinha dos sonhos… Aquele som vinha certamente do jardim… Ela tentou se levantar para acordar um serviçal. No entanto, percebeu que não conseguia se erguer, se mover e nem mesmo falar… E o som do sino mais perto, cada vez mais perto; e, nossa!, como os cães estavam uivando!… Então, ligeira como uma sombra furtiva, uma Mulher entrou no quarto, embora todas as portas estivessem trancadas e todas as janelas fechadas, era uma Mulher vestida numa mortalha , carregando um sino de peregrino. Cega, pois estava morta havia muito tempo, ela se aproximou… e seus cabelos soltos escorriam pelo rosto; e sem visão ela olhou através do emaranhado da sua cabeleira e falou sem a língua: — Você não pode ficar nesta casa! Ainda sou a senhora deste lar. Vá embora; e não diga a ninguém a razão de sua partida. Se contar para ELE, eu te deixarei em pedaços! Dizendo isso, a assombração desapareceu. A nova esposa do samurai ficou entorpecida de medo. E assim permaneceu até o dia raiar. Todavia, com a agradável luz da manhã, ela duvidou da realidade do que tinha visto e ouvido à noite. Entretanto, a lembrança daquela ameaça ainda pesava sobre ela com tanta força, que não ousou falar sobre a visão que tivera, nem com seu marido, nem com ninguém; acabou, porém, quase conseguindo persuadir a si mesma de que tudo havia sido apenas um pesadelo que a deixara indisposta. Na noite seguinte, porém, não teve dúvidas. Novamente, na Hora do Boi, os cães começaram a uivar e ganir; novamente o sino soou, aproximando-se lentamente pelo jardim; novamente ela tentou em vão se levantar e chamar alguém; novamente a falecida entrou no quarto e lhe sussurrou: — Vá embora; e não conte a ninguém o motivo de sua partida! Se você sequer contar para ELE, eu te deixarei em pedaços! Desta vez, a assombração chegou perto da cama, curvou-se sobre ela e murmurou, como se pairasse no ar… Na manhã seguinte, quando o samurai voltou do castelo, sua jovem esposa se prostrou diante dele e suplicou: — Eu imploro — disse ela —, perdoe minha ingratidão e minha extrema rudeza dirigindo-me desta forma a você: mas eu quero voltar para casa; quero ir embora imediatamente. — Você não é feliz aqui? — perguntou ele com sincera surpresa. — Alguém ousou ser indelicado com você na minha ausência? — Não, não é isso — soluçou a moça. — Todos têm sido muito bons co- migo… Mas não posso continuar sendo sua esposa; tenho que ir embora… — Minha querida — exclamou o samurai, incrivelmente espantado —, é muito doloroso saber que alguma coisa nesta casa causou-lhe infelicidade. Mas não posso imaginar um motivo para você ir embora, a menos que alguém tenha sido indelicado contigo… Espero que você não esteja dizendo que pretende se divorciar. Tremendo e chorando, ela respondeu: — Se você não me der o divórcio, morrerei! Ele ficou em silêncio durante um instante, tentando inutilmente descobrir alguma causa para aquela surpreendente declaração. Então, sem demonstrar qualquer emoção, disse: — Deixá-la voltar para sua família, sem nenhuma falha da sua parte, seria um ato vergonhoso. Se você me der uma boa razão para esta sua vontade, qualquer razão que me permita explicar honrosamente o que houve, eu concederei o divórcio. Mas, a menos que me dê uma razão, uma boa razão, você não terá o divórcio, pois a honra deste lar deve ser mantida acima de qualquer opróbrio. E assim ela se sentiu obrigada a falar; e lhe contou tudo, acrescentando, numa agonia de terror: — Agora que contei para você, ela me matará! Ela me matará!… Embora fosse um homem de coragem, e pouco inclinado a crer em fantasmas, o samurai ficou bastante sobressaltado por um instante. Mas uma explicação simples e natural logo veio-lhe ao espírito. — Minha querida __ disse ele —, você está muito nervosa agora; e receio que tenham lhe contado histórias absurdas. Não posso conceder-lhe o divórcio apenas porque você teve um pesadelo nesta casa. Mas lamento realmente que esteja sofrendo de tal modo durante minha ausência. Esta noite, também, tenho que ir ao castelo; mas você não ficará sozinha. Ordenarei a dois serviçais que vigiem seu quarto; e você poderá dormir em paz. São pessoas da minha confiança e cuidarão muito bem de você. Em seguida, falou com ela de um modo tão atencioso e afetuoso que a moça se sentiu quase envergonhada do seu terror, e resolveu permanecer naquela casa. Os dois serviçais encarregados de cuidar da jovem esposa eram homens simples, fortes e corajosos, que tinham experiência em proteger mulheres e crianças. Eles contaram à moça histórias divertidas para alegrá-la. Ela conversou com eles por um bom tempo, riu de suas tiradas bem-humoradas, e quase esqueceu seus receios. Quando finalmente ela se deitou para dormir, os dois guardiões tomaram seus lugares no canto do quarto, atrás da tela, e iniciaram um jogo de go, falando apenas em sussurros, para não incomodá-la. Ela adormeceu feito uma criança. Porém, mais uma vez, na Hora do Boi, ela despertou com um gemido de terror ao ouvir o sino lá fora!… O som já estava perto e cada vez se aproximava mais. Ela teve um sobressalto e gritou; mas não notou nenhum movimento no quarto, havia somente um silêncio sepulcral, um silêncio crescente, cada vez mais denso. Ela correu na direção de seus guardiões: estes estavam sentados diante do tabuleiro, imóveis, miravam-se um ao outro com os olhos fixos. A moça os chamou, os sacudiu: eles permaneceram paralisados, como se estivessem congelados… Mais tarde, eles disseram ter ouvido o sino, e também o grito da jovem esposa, até chegaram a sentir que ela os sacudia para despertá-los; e que, no entanto, não foram capazes de se mover nem de falar. No momento exato em que pararam de ouvir e enxergar, submergiram num sono sinistro. Ao entrar no quarto de casal, de madrugada, o samurai viu, na claridade de uma luz evanescente, o corpo sem cabeça de sua jovem esposa, deitado numa poça de sangue. Ainda agachados diante do jogo inconcluso, os dois serviçais dormiam. Ao ouvirem o grito do senhor eles despertaram, e com uma expressão estúpida, afrontaram o horror no chão… Não encontraram a cabeça; e a ferida horrenda mostrava que ela não havia sido cortada, mas arrancada. Um rastro de sangue se estendia do quarto até um ângulo da varanda, onde as portas que protegem das intempéries pareciam ter sido rachadas. Os três homens seguiram o rastro até o jardim, passando pelo gramado, pelos canteiros de areia, ao longo da margem de um lago iridescente sob a sombra espessa de cedros e bambus. E, repentinamente, num desvão, encontraram-se face a face com uma coisa horripilante que se agitava como um morcego: a figura da mulher há muito enterrada, ereta diante de seu túmulo, numa das mãos o sino, na outra a cabeça ainda gotejante… Por um momento, os três ficaram entorpecidos. Em seguida, um dos serviçais, pronunciando uma prece budista, avançou e desferiu um golpe sobre aquele vulto. Imediatamente o vulto se esfarelou no chão, não passava de um amon- toado de trapos de pano, ossos e cabelos; e o sino rolou retinindo para longe daquele dejeto humano. Mas a mão direita, descarnada, mesmo decepada do pulso, ainda se contorcia; e seus dedos comprimiam a cabeça ensangüentada, dilacerando-a e desfigurando-a, como as tenazes dos caranguejos amarelos estraçalhando uma fruta que caiu da árvore…— Esta é uma história cruel — disse eu ao amigo que acabara de contá-la. — Se a falecida queria se vingar de alguém, deveria ter escolhido o marido. — É assim que os homens pensam — respondeu. — Mas não é desse modo que as mulheres agem… Ele tinha razão. [...]. Trechos da obra do escritor japonês Lafcadio Hearn (1850-1904). Veja mais aqui.


A arte da fotógrafa francesa Laure Albin Guillot (1879-1962). Veja mais aqui.

TODO DIA É DIA DA MULHER
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