sexta-feira, abril 03, 2015

KAREN HORNEY, GRAÇA MACHEL, YAEL DAYAN & OUTRA DE DUAS






OUTRA DE DUAS (OU A DOR DA MÃE & O FILHO PRESO) – Finalmente sua vida parecia ter entrado nos eixos. Depois de três arrastados anos de litígios com a separação do marido, a respiração voltara ao normal. Restara apenas o filho superprotegido e a sensação de eternamente desamparada. Felizmente amealhara com a dissensão escandalosa uma boa fortuna para dar conforto ainda mais ao seu primogênito: comprou-lhe logo um possante veículo esportivo, arrancharam-se numa espetacular casa de praia e, não demorou muito com tanto glamour, logo apareceu-lhe, como se caísse do céu, a sua tão sonhada remissão definitiva: o furtivo e, por que não, oportuno Mozão. Ah, clareou-se seus dias umbrosos e animou-se suas noites solitárias. O filho só de soslaio, mas com o mutismo indiferente de sempre pelo paparicado excessivo da mãe que, agora, se duplicara para fazer a vez paterna ausente. É certo que ela cuidava daquele que, pra ela, era um santo em carne e osso. Pudera, o menino era um tanto insosso, uma vez que os pais logo se adiantavam em satisfazer todas os seus possíveis e inimagináveis desejos jamais satisfeitos, porque fora sempre presentado sem ao menos ser consultado. Era isso. Agora não, a mãe deixava um pouco mais de mão, largando do pé dele que já se sentia livre da exagerada possessão materna e se esgueirava mundo afora. Aproveitava-se agora da estadia repentina e diuturna de Mozão para ocupá-la e, por consequência, ser contemplado com um maior gozo na libertinagem. Ocupou-se e muito, dividida entre o filho e Mozão – mas era o namorado que não saía de casa, aboletado como o dono do pedaço. Ela nem dava conta da ausência do filho cada vez mais longa, vendo-o, quando muito, manhã já tarde, quando ele se levantava para, supostamente, ir pra escola. Ao vê-lo não poupava mimo afetuoso e já não se importava com o sumiço por todos os finais de semana, vendo-o três a quatro dias depois, às vezes semanas inteiras. Ela só caiu na real certa noite com um telefonema assustador: realmente dera por falta do filho há semanas – não seria meses? E cadê ele? Está preso. Onde? Na cadeia de Alagoinhanduba! Que lugar é esse? Longe pra dedéu. Vôte! Vou agora mesmo soltar meu filho! Às duas da madrugada? Foi contida, segurada, não cedia a qualquer admoestação. Vamos, Mozão! Oxe, o filho não é meu, o problema é seu! Ela aquietou-se um pouco desolada e aguardou o dia raiar. Pegou uma bolsa, ligou pra sua inseparável amiga Neydinha e, do jeito que estava, correu atrás. Pendurada ao telefone ela pegou a primeira condução que levava às proximidades do lugar. Combinou todos os passos com a parceira até o ponto de parada. Desceu aflita, encaminhou-se para outro ponto e consultou uma outra passageira que estava ali e onde mesmo ficava aquele lugar. Ah, entenderam-se logo, a outra pessoa também iria pro mesmo destino. Ela então desligou o telefone e encetou uma conversa com a estranha que, a partir de agora, seria seu muro de lamentações, uma amiga do peito – dessas que caem do céu a mando de Jesus. Graças! Elas logo tiveram empatia, uma ajudando a outra, desabafando aos choros mútuos, cada qual a sua sina, o sofrimento de ambas era similar: era ela com o filho inadmissivelmente preso – como pode um anjo daquele trancafiado numa cela infecta? Um vitupério! A outra com a irmã em coma, vítima de estupro e espancamento. O mundo está perdido! A condução estacionou no ponto e uma ajudou a outra no embarque. A conversa prosseguiu até a chegada ao local desejado. Abraçaram-se, choraram juntas, juraram amizade eterna e já marcavam o reencontro. Cada uma das desesperadas foi pro seu lado. O reencontro jamais ocorreria, outra foi a moral da hestória. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - O meu Israel foi traído... Como israelense, passei a entender: não há como amar Israel e rejeitar uma paz de dois Estados, não há como amar Israel e rejeitar a Palestina... Isso está muito além da traição. Este é o assassinato político do partido que fundou o Estado de Israel... Não é usando a força que Israel se tornará um país normal. Não há e não pode haver uma paz real e duradoura que possa ser reconciliada com a colonização massiva dos Territórios Palestinos Ocupados... Uma paz de dois estados é um "presente" que Israel ofereceria a si mesmo e a única maneira de não trair os valores e princípios que são os fundamentos do nascimento do estado de Israel. Pensamento da escritora israelense Yael Dayan (1939-2024).

 

ALGUÉM FALOU: Prevenir os conflitos de amanhã significa mudar a mentalidade dos jovens de hoje... Devemos ser respeitosos, mas também devemos ter a coragem de impedir práticas prejudiciais que empobrecem meninas, mulheres e suas comunidades. Em um mundo tão diferente, as crianças são uma força unificadora capaz de nos unir em apoio a uma ética comum. O impacto do conflito armado nas crianças é responsabilidade de todos. E deve ser preocupação de todos. Pensamento da ativista moçambicana dos direitos humanos, Graça Machel (Graça Simbine Machel Mandela), foi a única pessoa no mundo a ser primeira-dama de mais de uma nação, uma vez que ela se casou tanto com o primeiro presidente de Moçambique e, ao enviuvar, depois, casou-se com Nelson Mandela.


A NECESSIDADE NEURÓTICA DO AMOR - A psiquiatra e psicanalista alemã Karen Horney (1885-1952) sofreu na infância com o conservadorismo e ortodoxia luterana do pai que não admitia que ela estudasse para cuidar das lides domésticas, dedicando amor à mãe. Como todas as mulheres de sua geração, teve de enfrentar uma luta violenta para ter acesso à liberdade de fazer suas próprias escolhas. Apoiada pela mãe, conseguiu matricular-se na faculdade de medicina de Freiburg. Marcada pelo desentendimento parental e preocupada em escapar ao destino que lhe reservavam, manifestou sua revolta tendo muitas relações amorosas, escapando de uma depressão latente. Ao contrário das mulheres da época que preferiam liberdade à maternidade, ela demonstrou interesse em ter vários filhos. Casou-se com um rico industrial em Berlin, Oskar Horney. Numa análise feita com Karl Abraham descobriu nela sintomas de depressão à atração que ela sentia pelos homens fortes e uma admiração recalcada por seu pai, aplicando ao seu caso a tese da inveja do pênis. Desenvolveu uma tese em congresso, afirmando que as mulheres desejam inconscientemente ser homens porque, na sua infância, tivera inveja do pênis e desejavam ter um filho de seus pais. Essa interpretação simplista teve um efeito desastroso no seu treinamento, temendo ser submetida a uma transferência paterna, ela interrompeu a análise passou a desenvolver a autoanálise, considerando um insulto às mulheres a teoria da sexualidade feminina. Seu pai morreu quando ela estava grávida da primeira filha, atravessando um período de depressão acentuada. Perdeu a mãe logo depois do parto, para em 1912, apresentar um trabalho sobre a educação das crianças. Integrou-se ao movimento psicanalítico, sendo a primeira mulher a se tornar professora do Instituto Psicanalítico Berlinense e a primeira a criticar a tese freudiana, razão pela qual ela desenvolveu uma reformulação teórica completa no pensamento de Freud, redefinindo o materno, o feminino e uma critica do que era sentido como um poder masculino. Deixou o terreno do freudismo e migrou para o culturalismo, procurando fundamentar a psicologia da mulher sobre uma identidade própria, rompendo com a noção de universalismo da espécie humana. Para ela a sociedade masculina recalcava a inveja da maternidade dos homens, aproximando-se do pensamento de Wilhelm Reich e Erich Formm. Migrou, então, para os Estados Unidos obtendo a cidadania estadunidense, começando uma vida nova com novas ligações amorosas, até tornar-se companheira de Erich Fromm para escrever A necessidade neurótica do amor e começou a transgredir as regras do tratamento, tendo uma ligação com um de seus analisandos. Invejada pelos colegas, foi impedida de fazer a formação e obrigada a deixar a NYPS, fundando a Association for the Advancement of Psychoanalysis (AAP), admitindo dissidentes freudistas. A partir de então ela desenvolveu uma nova teoria, a autorrealização de si, que não deixava de ter relação com outras correntes do neofreudismo norte-americano, fundada na reconstrução do self ou na autonomia do eu. Veja mais aqui, aqui e aqui.

Imagem: Kneeling Nude, do pinto Larry Vincent Garrison (1923 – 2007).

Ouvindo o álbum Chico Buarque ao vivo – Le Zenith, Paris (RCA, 1990). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


OS EMBRULHOS – A peça teatro em um ato Os embrulhos (1970), da escritora e dramaturga Maria Clara Machado (1921-2001), fundadora da escola de teatro O Tablado, acontece num cenário que envolve um casal de velhos, uma criada jovem, um homem e figurantes-maquinistas. Do texto destaco o trecho: (Ouve-se o som de uma Caixinha de música. A Velha procura com rapidez no meio dos pacotes. Acha-a. Coloca-a dentro de outra caixa e embrulha com muito jornal até abafar a música.) VELHA - Tem ainda barbante branco, Neguinho? (O Velho entrega uma cesta cheia de barbantes.) Quanto barbante eu colecionei, santo Deus! Também, tantos anos! VELHO (sai e"volta com os álbuns de fotografias) - Como estão cheios de poeira, veja, Neguinha, os álbuns. VELHA - Ah, os "álbuns! Os álbuns! (Folheando.) Você tinha um cabelo preto... Ah! aquela cadelinha chamada Zefa. .. morreu... eu acho, não éNeguinho? VELHO - Morreu. Que retrato bem tirado! (Apanha na estante uma máquina fotográfica antiga.) Com esta máquina aqui, lembra? (O Velho sobe na cadeira, faz que vai bater uma foto. Há um segundo de imobilidade, enquanto a Velha cobriu o rosto, rindo, atrás do álbum.) VELHA - Embrulha bem ela, senão estraga a lente. (O Velho embrulha a máquina, enquanto a Velha folheia o álbum. Subitamente, arranca uma foto do álbum e joga no chão:) VELHA (mexe a cabeça como se dissesse não) Você deixou isto aqui de propósito,·só para me fazer maldade. VELHO (apanha a fotografia) Ele ainda era um menino, Neguinha! VELHA - Não quero levar ele, não quero VELHO Então a gente não leva. VELHA - Não quero ... (Pausa.). Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.

A FILOSOFIA NA ALCOVA – O romance Filosofia na alcova (La Philosophia. dans le boudoir – Companhia das Letras, 1992), do escritor libertino francês Donatien Alphonse François de Sade, mais conhecido como Marquês de Sade (1740-1814), trata da história de um debate filosófico entre a Madame de Saint Ange, a jovem Eugenia, o cavalheiro de Mirvel e Dolmancé, com narrativas filosóficas e eróticas. Destaco do livro o prefácio do autor denominado Aos libertinos: Voluptuosos de todas as idades e de todos os sexos, é a vós somente que dedico esta obra; alimentai-vos de seus princípios que favorecem vossas paixões; essas paixões que horrorizam os frios e tolos moralistas, são apenas os meios que a natureza emprega para submeter os homens aos fins que se propõe. Não resistais a essas paixões deliciosas: seus órgãos são os únicos que vos devem conduzir à felicidade. Mulheres lúbricas, que a voluptuosa Saint-Ange seja vosso modelo; segui seu exemplo, desprezando tudo quanto contraria as leis divinas do prazer, que dominaram toda sua vida. Jovens, há tanto tempo abafadas pelo liames absurdos e perigosos duma virtude fantástica, duma religião nojenta, imitai a ardente Eugênia; destruí, desprezai, com tanta rapidez quanto ela, todos os preceitos ridículos inculcados por pais imbecis. E vós, amáveis devassos, vós que desde a juventude não tendes outros freios senão vossos desejos, outras leis senão os vossos caprichos, que o cínico Dolmancé vos sirva de exemplo; ide tão longe quanto ele, se como ele desejais percorrer todas as estradas floridas que a lubricidade vos prepara; convencei-vos, imitando-o, de que só alargando a esfera de seus gostos e suas fantasias, e, sacrificando tudo ã volúpia, o infeliz indivíduo, conhecido sob o nome de homem e atirado a contragosto neste triste universo, pode conseguir entremear de rosas os espinhos da vida. Veja mais aqui, aqui, aqui, aquiaqui e aqui.

ZUNS ZUM ZOOM – O livro Zuns zum zoom (Anome, 2012), do poeta, editor, videomaker e psicólogo baiano-mineiro, Luiz Edmundo Alves, reúne uma série de seus poemas resultantes de atividades com a sua poesia, incluindo performer e palestrante. Após publicar em 2010 a biografia do grande artista plástico mineiro Rui Mineiro, ele nos premia com esse excelente livro, no qual destaco: um poema se faz com ideias / um poema se faz com palavras / um poema se faz com um / brilho repentino de / suor / e / sal / um poema se faz com paixão / um poema se faz sem paixão / um poemas se faz com coisas / esquisitas, coisas esquisitas tão / bonitas que não confortam / um poema se faz pelo prazer / em fazer poemas e depois chorar. E também este poema: [...] escrevi silêncio saliência sal só sol solstício. / escrevi no muro no namoro namorada na morada normalmente. Ih foi / assim que me repeti, na moral, assim que me deslumbrei com / palavras incomuns, com paisagens incomuns, com pessoas incomuns, / com viagens incomuns, com batidas incomuns: pra buscar o incomum / reescrevi expectativas, redesenhei linhas desalinhei conteúdos, / extrapolei. Ei, ei eu sei onde extrapolei, ei eu senti ei eu falei o que / escrevi, recitei, murmurei, escrevi tudo bem. Não! Não quero mais. / quero mais! Não! Não quero mais assim / eu quero mais por aí, é meu álibi, ali meu alivio / escrevi, é assim que estou aqui: escrito e finito... Veja mais aqui.


ROCK AND ROLL & DESENHOS – O belíssimo blog das irmãs Monica & Monique Justino traz sempre muitas novidades como poemas de Fernando Pessoa e de Manuel Bandeira, também músicas e desenhos, a exemplo da excelente banda One Republic, entre outras. Nesse blog fui agraciado com um lindo poema, Meu Corvo, da Monique Justino: Um corvo me chama / Num sonho sombrio / Minha alma descansa, / Na eternidade de meus sonhos / Quando te vejo, e vou te ver para sempre. / Eu sou um corvo em busca da escuridão da noite fria / A brisa bate no meu rosto que se mistura com minhas lágrimas vazias. / Queria poder despertar de um pesadelo, mas tenho que tentar viver assim, Enxergando tudo através da escuridão de minha alma, num pesadelo sem fim. Veja mais aqui.

O TAMBOR – O romance de critica social O tambor (Die Blechtrommel, 1959 – Círculo do Livro, 1986), do escritor, dramaturgo, artista plástico alemão e ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1999, Günter Grass, conta a história de Oskar, um menino que se recusa a crescer criticando o mundo dos adultos e da burguesia da época, com sua voz vitrícida bate no tambor para quebrar vidraças e derrubar objetos. Da obra destaco o trecho: [...] Desde sempre tinha estado ai, inclusive no pó efervescente de aspérula, por muito inocente que fosse sua verde espuma; em todos os guarda-roupas em que então me acocorava, ela também se acocorava. Mais tarde tomou emprestada a cara triangular de raposa de Luzie Rennwand e devorava cachorros-quentes e levou os Espanadores ao trampolim – restou apenas Oskar, que contemplava as formigas porque sabia: esta é a sua sombra, que se multiplicou em insetos negros e procura o açúcar. E todas aquelas palavras: bendita, dolorosa, bem-aventurada, virgem entre as virgens... e todas aquelas pedras: basalto, tufo, diábase, ninhos em calcário conchífero, alabastro tão brando... e todo o vidro partido com a voz, vidro transparente, vidro fino como o hálito... e os gêneros alimentícios: farinha e açúcar em saquinhos azuis de uma libra e meia. Mais tarde, quatro gatos, um dos quais se chamava Bismark, o muro que teve de ser caiado de novo, os poloneses na exaltação da morte, e os comunicados especiais, quem afundava o quê, quando, as batatas que caiam rolando da balança, o que se estreita em direção ao pé, os cemitérios em que estive, as lajes sobre as quais me ajoelhei, as fibras de coco sobre as quais me estendi... tudo misturado ao cimento, o suco das cebolas que arranca lágrimas dos olhos, o anel no dedo e a vaca que me lambeu... Não perguntem a Oskar quem ela é? Já não lhe restam palavras. Porque o que outrora se sentava na minhas costas e beijos minha corcunda está agora, agora e para sempre, diante de mim e vem se aproximando: Negra, a Bruxa Negra sempre esteve atrás de mim. / Agora também está me encarando de frente, negra! / Vira pelo avesso a capa e a palavra, negra! / Pague-me com dinheiro negro, negra! / Enquanto as crianças cantam e deixam de cantar: / A Bruxa Negra está aí? Sim, sim, sim! A obra foi adaptada para o cinema em 1979, com direção de Volker Schlöndorff e música de Maurice Jarre, destacando-se a interpretação da atriz alemã Angela Winkler. Veja mais aqui.



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O Brasil na festa do Fecamepa, a música de Marlos Nobre, a literatura de Anna Bolecka, a arte de Adriana Varejão & Sophia Monte Alegre aqui.

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