CARTA AO MEU PAI – Conversamos muito e era pouco um ou dois dias
corridos quase insones, diuturnos. Contamos estrelas, soltamos lorotas e nos
embriagamos de ver o Sol nascer ou lembrar os cochilos nas urnas funerárias de
Bilaro, a mesa grande e lá tia Arlinda, Nadeje, Lourdes, Conça e a outra que esqueci
o nome (ah, lembrei, Angelita! Não podia esquecer os Gilsons...), de uma rua perto da casa de vovó, a bodega de Água Preta. Aprendi
muitas e úteis lições, a velhice é sábia, eu sei, vô Arlindo era ele. A gente
sempre teve uma relação de igual para igual. Na infância, o meu herói. Eu era o
brinquedo de Emanoel, Paulo e Carlos, parceiro de Zito. Também premiado por Pai
Lula e Carma, outra mesa enorme para minhas folganças, apreços muitos. Ainda menino,
atendeu meu pedido para a responsabilidade laboral e me entregou, aos dez anos,
para que eu vivesse sobre o bigodinho ralo como David de Dickens nas mãos do meu
Uriah Heep. Foi tudo muito difícil, irrespirável. Fiz o que pude, inescapável. Tanto
que no auge da adolescência, escolhas irreversíveis: saí do berço e da asa,
assumi a vida e fui pro mundo, carregando o seu jeito no canto do lábio: a
reprovação. Diferentemente de Kafka, eu o temia e perdi o medo: era como eu,
talqualmente, cara a cara. Coisas que abomino, o fez. Ele lá, eu cá, Gonzagão
& Gonzaguinha. Nas horas mais prementes, me dizia: seja o que for, se não
tiver coragem, me chame que vou na frente. Não, era a disputa e eu queria ser
tão quanto ele: não sou o filho, sou eu – assumia e fiz meu destino, outras
escolhas. Perdi a pele, só agora tenho o que contar: tive que mentir e muito
para sobreviver às bocarras inexoráveis. Quantas máscaras, todas, eu mesmo: o
alter ego. Desde menino permeável às coisas do mundo, curiosíssimo. Não era eu
o primogênito – uma irmã outra, antes, morrera eletrocutada. Outras três vieram
depois de mim. A chatura da adolescência nos afastou. Só nos reencontramos
maduros e aos poucos – afetos além da conta. Eu vivi a parte boa, minhas irmãs
que tiveram paciência para aguentar a senilidade: Aninha, empoderada e de beiço
virado: o meu apego, efígie, o outro lado que sou; Anginha, na viuvez, a
companhia e o meu gesto infantil; e Georgia, a caçula, da mesma idade da minha
filha, outra era e minha. Na estrada, desaprendi a família – quase para mim
como o visto por Foucault ou as feridas e ausência presente da selva interior de
Trevisan, me reduzi à solidão: o espermatozoide e o perdão interior. Só mais de
vinte anos depois, nos reencontramos e fui, confesso, a contragosto. Para meu
espanto, o ídolo do menino e o amigo se incorporaram e eu plantei minhas raízes
perdidas: a vez de renovada interlocução, a verdadeira. Apartados, íntimos. Hoje
meu pai se foi com meu filho morto, fiquei só e não seria a primeira vez. É a
vida: um dia a gente ri; outro, chora; seguimos nesse tobogã. Abdiquei de
títulos e homenagens, nem comemoro aniversário. Todos têm ou tiveram um pai, eu
não: o meu pai era meu filho desamparado, telúrico, confirmava a minha
predileção pela mãe. Mais conversamos e viramos outras tantas e enluaradas ou
chuvosas noites, até me deixar como o Pê de pai de Isabel Martins, o Adios nonino de Piazzolla. O que comove
é que esta carta nunca será entregue. Talvez seja covardia, sei que não; nem
acerto de contas, não deixei nada sem lhe dizer: nos dissemos tudo e muito mais.
Talvez este seja o texto mais frágil do que proponho, é possível, admito. A minha
voz é a coragem de amar, me destruam ou não. Não tenho defuntos, vivo com os
vivos e todos que se foram também vivem em mim. Morreu menino o meu pai, eu o
sou eternamente vivo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais abaixo & aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Hoje, é
possível dizer que o mundo inteiro é um "espaço em crise". Uma crise
se estabelece de fato quando transformações de caráter brutal — mesmo se
preparadas há tempos —, ou ainda uma violência permanente e generalizada,
tornam extensamente inoperantes os modos de regulamentação, sociais e
psíquicos, que até então estavam sendo praticados. Ora, a aceleração das
transformações, o crescimento das desigualdades, das disparidades, a extensão
das migrações alteraram ou fizeram desaparecer os parâmetros nos quais a vida
se desenvolvia, vulnerabilizando homens, mulheres e crianças, de maneira
obviamente bastante distinta, de acordo com os recursos materiais, culturais,
afetivos de que dispõem e segundo o lugar onde vivem. Para boa parte deles, no
entanto, tais crises se manifestam em transtornos semelhantes. [...] Em tais contextos, crianças, adolescentes e adultos poderiam
redescobrir o papel dessa atividade na reconstrução de si mesmos e, além disso,
a contribuição única da literatura e da arte para a atividade psíquica. Para a
vida, em suma. A hipótese parecerá paradoxal em uma época de mutações
tecnológicas na qual é a eventual diminuição da prática da leitura o que
preocupa. Parecerá mais audaciosa, até mesmo incoerente, visto que o gosto pela
leitura e a sua prática são, em grande medida, socialmente construídos [...]
Se chegaram a ler, foi sempre graças a
mediações específicas, ao acompanhamento afetuoso e discreto de um mediador com
gosto pelos livros, que fez com que a apropriação deles fosse almejada. [...].
Trechos de Qual o poder da leitura nestes tempos
difíceis?, extraído da obra Arte de Ler ou como resistir a adversidade (34, 2009), da antropóloga francesa Michèle
Petit. Veja mais aqui.
A MÚSICA
DE ALEXANDRA WHITIGHAM
Comecei a tocar quando tinha 7 anos,
apenas fazendo barulhos aleatórios no violão. Eu estava tocando músicas de rock
e pop que eu gostava (e ainda estou!). Algumas pessoas se aproximaram de mim
para tocar em shows depois de ver alguns dos vídeos. Ao longo de tudo isso, realizar shows solo e de câmara e
continuar gravando e gravando vídeos está no topo da minha lista de prioridades.
ALEXANDRA WHITIGHAM – A arte da premiada violonista britânica Alexandra Whitigham, que depois de estudar violão
clássico, piano, jazz e composição na Escola de Música de Chetham, estudou na
Royal Academy of Music em Londres.
&
AS MÚLTIPLAS FACES DE AMANDA
LEAR
Eu sou uma mulher como outra qualquer.
AMANDA LEAR – A arte da cantora, compositora, pintora, atriz e
escritora francesa, Amanda Lear, que começou sua carreira como
modelo de moda nos anos 1960 e tornou-se a musa de Salvador Dalí. Uma curiosidade
a seu respeito é encontrada no livro, Odyssey,
de April Ashley, em que ela se lembra de um homem chamado Alain Tapp, cujo nome
artístico foi Peki d'Oslo, e que possivelmente mais tarde se tornou Amanda
Lear. Veja mais aqui.
A ARTE DE GEÓRGIA
CREIMER
A arte
da artista Geórgia Creimer, que hoje
vive na Áustria e atua com esculturas, objetos, pinturas e fotografias. Veja
mais aqui.
A OBRA DE ARUNDHATI ROY
Eu acho que fui uma criança bastante crescida e tenho sido um adulto
muito infantil.
&
A POESIA DE RUBEM DE LIMA MACHADO
Nota de falecimento, por Marcos Alexandre Martins Palmeira.
RUBEM DE LIMA MACHADO (1936-2019) - Com sentimentos de tristeza, pesar e solidariedade ao amigo, poeta e
escritor Luiz Alberto Machado, bem como aos familiares, informamos o
falecimento do seu pai, o senhor Rubem, mais conhecido como Rubinho do Cartório,
ocorrido nesta sexta-feira. Nem sempre os verdadeiros irmãos moram abaixo do
mesmo teto, Lula dos Palmares, professor numa sociedade de poetas mortos (Robin
Williams). Lula, um grande amigo que me presenteou o hino da minha mãe Manguaba
Lagoa. O senhor Rubinho à distância abraçou os amigos e irmãos de seu filho.
"O velho", assim chamava o poeta Lula, velho esse que, moldado numa
sociedade cão e na poeira chão, precisou seguir sem tempo de chorar a dor do
irmão que partiu. O homem e o tempo no tempo de um interior, seguiu a vida
mergulhado numa política de coronelistas no ranço dos engenhos de açúcar na
cana moeda, no lombo dos burros e na chibata dos açoites, que caracterizam os
burros racionais e irracionais. Rubinho desassombrado para o tempo no templo do
Grande Arquiteto do Universo, foi estigmatizado pelos homens das casacas pretas
numa trilogia: Liberdade, igualdade e fraternidade. Anos após, sua cria Lula
escreveu nas Alagoas "O bode" rejeitado numa situação acontecida na maçonaria
com decretos internos que foram aos Tribunais da Justiça das Alagoas. Rubinho,
meu irmão maçom que aprendemos na ordem a entender a morte do mestre Hiran Abif
e andar de luto todo dia e o dia todo. Choro como eterno aprendiz a morte do
mestre Rubinho, pai do poeta Lula do Quilombo de meus momentos com essa turma
de Lula no meu Pernambuco de outrora. Tive a oportunidade de andar com Luiz nas
madrugadas de Palmares, além da companhia de músicos, intelectuais, poetas e
essa turma de Lula de Rubinho. Hoje, choro a dor do meu mestre Professor Luiz
Alberto Machado. Lula meu irmão... Ao nosso companheiro e grande amigo,
transmito sentimentos de solidariedade e que Deus conforte e dê força a você e
toda a família nesse momento difícil que deixará saudades eternas. Veja
mais aqui e aqui.