terça-feira, setembro 24, 2019

PARACELSO, VERDI, PAULINE RÉAGE, ARLINDO ROCHA, AMARELO MANGA & VA PENSIERO SUL’ALI DORATE


VA PENSIERO SUL’ALI DORATE – Minha mãe protegeu-me entre seus braços, escondida no campanário. Assim sobrevivi. Outras mulheres em oração, ali perto, foram trucidadas impiedosamente, homens e crianças foram chacinadas. Fui salvo do ódio da guerra. Menino silencioso, logo um acólito. Um dia, enlevado pela música, esqueci entregar a água ao padre no púlpito. Aos pontapés, fui jogado do altar, machucado e cheio de sangue, havia sido tocado pelo desconhecido. Anos mais tarde, um raio atingiu o pároco e uma lenda nasceu entre os aldeões. Não tinha nada em mim de divino, não era isso o que pensavam os meus conterrâneos, tudo por conta do ambulante Bagasset, que me tinha na promessa de gênio. Doutra feita, incapaz de emitir uma nota, martelei o velho instrumento. Danificado, teve conserto de um afinador que me presenteou seus serviços com um bilhete devotado. Adolescente melancólico, na véspera de um tempestuoso natal perdido na memória, caí num fosso quase impossível de me safar da situação. Perdia a fé e a fome fez da vida uma canção trágica: a escola do sofrimento ensinava a arte da piedade. Conheci Margherita no armazém onde era aprendiz e me deixei levar pelas leituras poéticas e duetos. Ah, Ghita, é dela Sei Romanze. Bonita e gentil, a música corria no sangue com faíscas românticas, a nossa paixão secreta. Havia de tomar pé na vida: fui reprovado pelos mestres examinadores. Abalado, ainda restava apoio quase unânime. Oberto foi suficiente para assegurar novas perspectivas e impunham-me uma comédia diante de tantas desventuras. Tornei-me uma presa de padecimentos, dívidas e ataques cardíacos. O filho, depois a filha e, em seguida, a esposa, todos finaram, um atrás do outro, em meio uma vaia desastrosa no teatro. Tudo dolorosamente particular. Doente e só, completamente só, arrasado, coração ardente pela libertação da pátria: era hora de levantar a cabeça, endireitar os ombros, e lançar de si fora a escravidão. Nabucco e o coro dos hebreus cativos: Va pensiero sul’ali dorate. Graças ao desconhecido, veio-me Giuseppina, a soprano atriz e o amor, a ventura e a fortuna no meu ceticismo agnóstico, entre o leme e o percurso. Uma adorável mulher de voz límpida, a Leonora de Oberto, a Abigaille de Nabucco, a Marchesa del Poggio em Un giorno di regno. Amei: fui e sempre serei um campônio, nunca livre dos tropeços. Eram os trabalhos forçados. Deu-se Rigoletto – a nota de comiseração pelos sofrimentos dos meus semelhantes, a rebelião e a tristeza, a dor e a esperança, a vida patética e o malogro: o fracasso humano, a herança das aflições. Aida tornou-se o meu credo, o silêncio. O canto do cisne: tudo na vida é uma enorme farsa – um voo levado pela vazante da vida: Vai, pensamento, em asas de ouro! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Na alcova, elas juntaram e fixaram as duas argolas nos braceletes, nas costas, colocaram-lhe sobre os ombros, presa na coleira, uma longa capa vermelha que a cobria inteiramente, mas que se abria quando ela andava pois não podia segurá-la, já que as mãos estavam presas nas costas [...] As mãos não tinham luvas e uma delas penetrou-a dos dois lados ao mesmo tempo, tão bruscamente que ela gritou. [...] e um dos homens, segurando-a pelos quadris com as duas mãos, penetrou-a. Depois, um segundo. O terceiro quis buscar o caminho mais estreito, forçando bruscamente, e ela berrou. [...] Você está aqui a serviço de seus mestres. [...] ao menor sinal ou palavra você largará o que estiver fazendo para prestar seu único e verdadeiro serviço, que é se entregar. Suas mãos não lhe pertencerão, nem os seios e, principalmente, nenhum orifício de seu corpo, que podemos explorar e penetrar como quisermos [...] As mãos dela, que estavam para trás [...] René lhe atara os punhos juntando a argola dos braceletes, foram tocadas pelo sexo do homem que se acariciava passando-o pelo sulco das ancas. [...]. Era surpreendente que ganhasse dignidade em prostituir, e, no entanto, era de dignidade que se tratava. Era como se tivesse sido iluminada por dentro, e nas suas atitudes via-se a calma, no seu rosto, a serenidade e o imperceptível sorriso interior que se adivinha nos olhos das reclusas [...]. Será que algum dia ela teria coragem de dizer a ele que nenhum prazer, nenhuma alegria, nenhuma imaginação, aproximava-se dessa felicidade proporcionada pela liberdade com a qual ele a usava, vinda do fato de que ele sabia que com ela não havia nenhuma precaução a tomar, nenhum limite à maneira pela qual ele podia buscar o prazer no corpo dela? [...]. Trechos extraídos da obra História de O (Delfos, 1973), de Pauline Réage – pseudônimo da escritora e jornalista francesa Anne Desclos (1907-1998), uma historia de sadomasoquismo onde a protagonista, uma jovem fotógrafa parisiense, é submetida a todo tipo de submissão feminina, tendo a vista vendada, acorrentada, chicoteada, marcada, obrigada a usar máscara e ensinada a estar sempre disponível para todo tipo de relação sexual, seja oral, vaginal ou anal. Em fevereiro de 1955, quando o livro ganhou um prêmio de literatura na França, seu editor foi acusado de obscenidade pelas autoridades. Apesar das acusações serem rejeitadas pelos tribunais, ocorreu um boicote publicitário que durou longos anos. Trata-se de um clássico do gênero erótico. Veja mais aqui.

ALGUÉM FALOU: [...] O médico deve falar do que é invisível. O que é visível deve pertencer ao seu conhecimento, e ele deve reconhecer as doenças, assim como todo mundo, que não é médico, pode reconhecê-las pelos seus sintomas. Mas isto está longe de fazê-lo um médico; ele se torna um médico somente quando ele conhece aquilo que é o inominável, o invisível e imaterial e, todavia, eficaz [...]. O Grande Médico criou o minério, mas não o levou ao seu perfeito estado. Ele encarregou os mineiros da tarefa de refiná-los. Da mesma forma ele encarregou o médico de purificar o corpo de homem... de tal purificação emerge o homem tão indestrutível quanto o ouro... Esta é a ação que – como aquela realizada pelo fogo no ouro – livra o homem de impurezas que ele mesmo não conhece. E é como tal fogo que a medicina deve agir [...]. Trechos extraídos da obra Paracelsus: selected writings (Princeton University Press, 1995), reunindo os escritos do médico, filósofo e místico suíço-alemão Teophrastus Paracelso (1493-1541). Veja mais aqui e aqui.

AMARELO MANGA
O ser humano é estômago e sexo
AMARELO MANGA – O premiado drama Amarelo Manga (2002), dirigido por Claudio Assis, retrata a vida de alguns moradores do centro histórico de Recife, guiados pelas paixões e frustrações do dia a dia. Conta diversas histórias que envolvem cenas com necrofilia, homossexualismo e adultério, expressando a realidade miserável de seus personagens de forma natural e sem protagonistas, umas vez que o personagem principal é o povo brasileiro, personificado nos nativos de Recife. Os personagens povoam o Texas Hotel, envolvendo um homossexual, um cozinheiro faxineiro, um açougueiro que trai a esposa evangélica, um necrófilo que é encantado pela dona de um boteco e por aí vai. Veja mais aqui.

A ARTE DE ARLINDO ROCHA
A arte do escultor português Arlindo Rocha (1921-1999), integrante do grupo Independentes e considerado pioneiro da escultura abstrata e personalidade influente do movimento que emancipou a escultura da vocação estatutária. Veja mais aqui.

A OBRA DE VERDI
Eu estava só, completamente só!... Com a alma torturada pelos infortúnios domésticos e magoada pela insensibilidade do público, eu tinha a certeza de que fora inútil buscar consolo na arte e decidi nunca mais compor. Minha melhor obra foi a dotação que fiz a uma casa para músicos pobres, em Milão.
A obra do compositor italiano Giuseppe Verdi (1813-1901) aqui.
PS: A primeira paixão amorosa na vida de Verdi foi Margherita Barezzi (1814-1840) que foi a sua primeira esposa, deixando-o viúvo e amargurado pela perda anterior de seus dois filhos no mesmo ano: “E no meio de todas essas angustias terríveis eu tinha de escrever uma ópera cômica”. Em seguida apaixonou-se pela soprano operística italiana Giuseppina Strepponi (1815-1897) quando foi contemplado pela ventura e fortuna, que também o deixou viúvo pela segunda vez.