sexta-feira, abril 26, 2019

WITTGENSTEIN, PEDRO NAVA, MICHELINY VERUNSCHK, ANA PAULA HOPPE & REVELAÇÃO ANAGRAMÁTICA.


REVELAÇÃO ANAGRAMÁTICA - Na cidade vizinha de Malrepas descobriram um livro que tomaram por mágico e que estava enterrado nos fundos do cemitério. Nada demais, evidentemente. Foi mão-de-obra para transportar a coisa, sem saber o que fazer com ela. Livro, nem deram bolas; antes fosse uma botija com muito ouro, isso sim, valeria. Mas livro, nenhuma serventia. Como parecia uma Bíblia, deram de início certa atenção, porém, como não era, caiu no desdém. Afinal, era só uma dessas coisas que aparecem do inopinado e, depois de matar a curiosidade, tornam-se banal. E tudo voltaria ao normal, não fosse o fato de, repentinamente, alguém enlouquecer. Como? Foi, birutou. Ninguém sabia o motivo. Como é que pode? É normal. Logo outro endoideceu assim do nada. De novo? Mais outro e outros tantos, muitos. Peraí, o que é que está havendo? Quem sabe! Ué, deram de desassisar, foi? Pois é. Por que será? Não se tinha a menor ideia. Investigações foram diligenciadas. Todos queriam saber por que, de um tempo para cá, as pessoas deram de amalucar sem qualquer motivo aparente. E foram juntando as pedras, montaram o quebra-cabeça e só deu uma por resultado: o tal do livro desenterrado. Vamos ver! O mistério se mantinha. Ué, mas fulano num foi com beltrano ver isso? Foram, endoidaram juntos. Como é que pode? E sicrano e outro mano também foram e piraram, outranos também. Vixe! Um a um na fila, encangados. O título, em letras de ouro: Revelação Anagramática. Com a ponta dos dedos, de um lado a outro, de cabeça pra baixo, a lombada, nada mais, só o título gravado em caligrafia artística numa capa dura de camurça escura, dumas mil páginas, 40x60 centímetros, difícil de apalpar e segurar de tão pesado e grosso. Quem abrisse em qualquer página, findava ruim da bola! Atenção redobrada. Receio, precaução. Ah, tem coisa. Tem. Que danado de livro é esse? Só vendo. Uma comitiva topou desvendar o mistério. Abriram. O primeiro: Oxe, isso sou eu? Como? Eita! Que foi? A minha vida! Como assim? O que estava lendo, fechou de repente e saiu sem falar. O que estava do lado, curioso, abriu: Ave, Maria! Depois de pregar as vistas na leitura, também saiu todo desequilibrado. Até alguém dizer: Ninguém abre, esse livro, é amaldiçoado. Já havia mais de duas centenas de hospedados no manicômio. Estava líquido e certo: quem abriu, acabou no hospício. E agora? O que havia de gente bisbilhoteira para saber detalhes do caso, não findava de chegar. Logo a notícia chegou à Alagoinhanduba, justo para saber do doutor Zé Gulu, o único que parou para pensar a respeito e deu uma resposta razoável para os incrédulos: Ah, deve de ser o fabuloso Livro de Areia que encontraram! O quê? Um livro diabólico que foi narrado por um escritor argentino chamado Borges. Hem? É um livro estranho, sem começo nem fim, carregado de fábulas! Mas fica pinel quem lê-lo? Sei não. Então, vamos lá! Ah, eu já li. E o que tem de tão apavorante de desaprumar a cachola do leitor? Só narrativas fabulosas. E por que quem bota o olho nele funde a cuca? Ué, eu li e não fiquei louco, vou lá saber por que estão perdendo a sanidade mental, ora! Ah, então vamos lá! Nada demais. Vamos, homem! Nada. Fizeram tudo para ele ir, não teve jeito. Ele amuou-se e não cedeu nem a rogos da população. Então, tá. Quem correu para saber detalhes de tudo foi o bispo que, aos cochichos, quis saber o que se sucedia. Padre Quiba que tinha visto o piripaque do padre novato, ficou na dele, nem chegou perto da suposta danação e narrou tintim por tintim ao superior. Pois, então, vamos abri-lo! Deus me livre! É uma ordem! Nem amarrado. Vamos os dois! Vou nada! Que é que tem no livro? Não sei, só sei que tem um monte de gente aí que abilolou só de ler a primeira página. Hummmmm. Só está salvo desse estrupício quem não leu, quem não abriu uma página sequer daquilo, só dizendo quem lia que era ele que estava lá escrito, a vida dele e saía todo desgovernado fazendo bilu-bilu. Ah, quero ver esse livro. Arrepara. Ao chegarem diante daquele volume ainda todo empoeirado, logo deram de cara com os juízes e delegados das duas cidades e doutras, confabulavam. Quem é maluco de abrir uma praga dessa? Procuraram voluntários, nenhuma iniciativa. Convocaram a polícia e elegeram um condenado a abrir na marra e dizer o que tinha escrito. Assim feito, amarrado, o sujeito dizia: Eita, sou eu! Vixe! E o cara abria um boticão de quase os olhos pularem fora. Fale! Ficou hipnotizado. Fale! Ele não tirava as vistas daquela página. O que está vendo, responda, é uma ordem! Nem batia as pálpebras, de boca aberta. Pronto, já era. O sujeito começou a gritar, espernear, tiveram de levá-lo pro sanatório. Logo estavam todos os prefeitos da região, deputados, senadores, pais de santo, fuxiqueiros, autoridades de todo tipo arrodeando a obra esquisita, sacudindo um pro outro a responsabilidade de abri-la e dizer o que é que tem nessa maldita publicação. Depois de muito puxa-encolhe, resolveram colocá-la numa redoma indestrutível e transparente, colocaram num altar para exploração turística, rendendo altas receitas até hoje. Pronto, resolvido. O que não querem saber é de leitura, tem feitiço no livro, dito e feito: quem lê perde o juízo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Abolida a escravidão e não se podendo mais comprar negro, as senhoras de Minas tomavam para criar negrinhas e mulatinhas sem pai e sem mãe ou dadas pelos pais e pelas mães. Começava para as desgraçadas o dormir vestidas em esteiras postas em qualquer canto da casa, as noites de frio, a roupa velha, o nenhum direito, o pixaim rapado, o pé descalço, o tapa na boca, o bolo, a férula, o correão, a vara, a solidão. Apesar disso, íntimas das sinhás, ajudando nos fuxicos, nas intrigas – servis, bajuladoras, vendo tudo, alcovitando namoros, sabendo dos podres e integradas em cheio nos complexos sexuais dos meninos da família. Em casa de minha avó materna, funcionava o sistema. Ela era mesmo tida como grande disciplinadora de negrinhas, disputando a palma dessa primazia, em Juiz de Fora, com D. Guilhermina do Dr. Rosa da Costa e a D. Clementina do Dr. Feliciano Pena. Para o arbítrio de Inhá Luisa, nem o batismo tinha barreiras. Ela revogava o sacramento quando a graça das negrinhas parecia de moça branca. O quê? Evangelina Berta? Absolutamente. Fica sendo Catita, que isto que é nome de negro! [...]
Trecho extraído da premiada obra Baú de Ossos (José Olympio, 1978), do escritor e médico brasileiro Pedro Nava (1903-1984), primeiro volume das memórias do autor. Veja mais aqui e aqui.

A POESIA DE MICHELINY VERUNSCHK
PROPÓSITO: ela se abre / pétala a pétala / e branca é a sua carne / ela se abre / pétala a pétala / e exala a doce abacaxi. / ele duro e brilhante / mal sabe o que o traz aqui / mal sabe do pólen / que traz nas patas / no abdome / ele só sabe do que sente / do que o consome / a noite vem e ela se fecha / de novo / pétala por pétala / ele guardado dentro dela / ele luz e calor / quando ao dia mais uma vez chegar / ela será vermelha / ela será ele / ela será amor.
O CORPO AMOROSO DO DESERTO: Teu corpo / branco e morno / (que eu deveria dizer sereno) / é para mim / suave e doloroso / como as areias cortantes / dos desertos. / Que importa / que ignores minha sede / se tua miragem / é água cristalina. / E a miragem eu firo com mil línguas / e cada uma é um pássaro / a bebê-la. / Ferroam a minha pele / escorpiões de fogo e sol / com seu veneno / e vejo, / magoada de desejo, / os grãos tão leves / indo embora ao vento.
RÁPIDO MONÓLOGO DO CAÇADOR COM SUA CAÇA: Trago / Pardos / Os olhos / De cobiça / Que atiro / Sobre ti, / Teu verbo/teu sexo: / Tua presa / de / marfim.
Poemas da poeta e historiadora Micheliny Verunschk, autora dos livros Geografia Íntima do Deserto (Landy 2003), O Observador e o Nada (Bagaço, 2003), A Cartografia da Noite (Lumme, 2010), Nossa Teresa - vida e morte de uma santa suicida (Patuá/Petrobras Cultural, 2014) e b de bruxa (Mariposa Cartonera, 2014). Ela é mestre em Literatura e Crítica Literária, doutora em Comunicação e Semiótica e doutoranda em Letras pela PUC-SP. Veja mais aqui.

A ARTE DE ANA PAULA HOPPE
A arte da escritora e artista visual Ana Paula Hoppe, co-autora da obra interativa Baleia Rosa: você está espalhando o bem? (Buzz,2017), em parceria com Rafael Tiltscher, construído com desafios lúdicos e práticos a partir de frases como: Seja você a mudança que deseja ver no mundo ou Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem para você, direcionadas para a alegria de viver, a autoestima e o sentimento de pertencimento. Veja mais aqui.
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A OBRA DE LUDWIG WITTGENSTEIN
Os problemas filosóficos surgem quando a linguagem sai de férias.
A obra do filósofo austríaco naturalizado britânico Ludwig Wittgenstein (1889-1951) aqui, aqui e aqui.