segunda-feira, outubro 01, 2018

ÍTALO CALVINO, NIETZSCHE, JOAN BAEZ, GAGNEBIN, JAYME GRIZ & GALINHA D’ÁGUA


GALINHA D’ÁGUA – Imagem: foto de Ed Machado/Folha de Pernambuco - Galinha d’água e a infância na beira do rio do lado de cá, o outro lado distante ao alcance dos olhos: eu sorria o que era triste e nem sabia. Deste lado, a margem é estranha: coisos e coisas pra lá e pra cá, horrível barbárie em plena avenida dias e noites. É do lado de cá que é tudo muitas vezes deprimível, quase sempre tão devastador o veneno letal da estupidez que não diz mais nada além da vigência do atraso: há quem ria de menos, quem chore de mais, dez vezes eu contei os velhos tratados como trapos catingosos e só tivessem que morrer logo para nos deixar em paz, oh não, meus avós, sábios e mausoléus. As praças são lixeiras e o lixo viveiros exaltados das novas mortes nas promoções das vitrines e o glamour dos quinquênios menores que o triz se muito ou não mais que isso, meninos enterrados vivos, meninas que soletram o ganha-pão na condução entupida de lêmures que não sabem da vida no sabor de morrer a cada instante entre mães que adolescem chorosas e parem seus filhos que as guerras engolem com seus escravos insones sem saber o que fazem a cochilar entre a ordem e a punição, esfaqueando os consaguíneos por não terem nenhum afeto, fratricidas quais parricidas genocidas de agora, nenhuma raiz e nem nada: são só mortos de si pros outros que mandam a lei. É tudo duro de murro, cruel demais. Os pais pensam vivos que não sabem o futuro de ontem, hoje só falam ameaças e os temores plantados atrás de uma luz com a voz da escatologia: somos todos quase mortos sobrando nas bordas das calçadas tomadas pela vigilância dos donos dos muros, onde ninguém é de ninguém e sem saber quem seria por nós. Ninguém mais que a pedra e a água a ricochetear poucos metros na força do muque e do pulso, ah como sou falho de tantos fracassos com todos meus erros do lado de cá pro lado lá, porque o lado de lá é tão longe, quase inacessível que se faz, mas tão perto de mim, olhos e mãos a me ensinar da esperança que nunca morreu nem morrerá porque é de lá que aqui as mulheres fazem bonito na praça do Derby de mãos dadas e elas ao meu lado a me levar menino que sempre fui a sonhar tão estrangeiro de sempre vou com seus passos tomando de lá da Boa Vista até a Guararapes do Oiapoque ao Chuí do planeta em ebulição por todas as ruas, em cima da ponte, nos para-choques, retrovisores, janelas, bustos e testas, à margem de nada e ao lado de tudo, lindo demais e em mim, tornando possível o sonho de um país melhor no Recife com todos os cheiros dos sargaços que não esqueci, e elas falavam e me diziam de tudo que são e somos, eu já sou com elas pisando firme tagarelas, a me fazer tão mulher no que sempre soube de mãe e irmãs e tias e todas, como fizeram bonito no meu coração, como se minhas filhas voassem pra mostrar que o sábado será um domingo de toda semana por meses de anos e décadas e séculos e milênios vindouros ao som de batuques da dança de alma nua, descalças guerreiras, peito pras causas que minhas e dos meus que são todos e a me levar adiante, na onda que o frevo faz fora do carnaval, a ferver nas palpitações do peito com outras cantigas no arrepio da pele, o rubor que incendeia as cabeças para acordar o Brasil adormecido em berço nem tão explêndido assim e jamais, mas que é o nosso Brasil que a gente pode fazer muito melhor. Ah, como elas dançam e cantam bonito na minha alegria apaixonada por elas e descem do palco porque a festa seguirá sozinha e não terá mais fim pra me fazer mais menino que sabe que é delas a nossa redenção. Do outro lado que aspiro a lição: pra chegar lá tem de fazer todo dia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da cantora e compositora estadunidense Joan Baez: Concert Live, Norway Live, Fare thee well abschiedstour & Honors and Impersonates & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

DITOS & DESDITOS – [...] Poderíamos também dizer que a luz branca da razão, do esclarecimento, transforma-se na escura luz devorada da onipotência: ao querer se livrar do medo pelo domínio total (e totalitário) sobre o real, a razão do esclarecimento não pode mais tolerar nada que lhe escapa, nem deuses, nem estrelas, nem sonhos. [...] Trechos da obra Sete aulas sobre linguagem, memória e história (Imago, 1997), da professora, filósofa e escritora suíça Jeanne Maria Gagnebin.

SOBRE A VERDADE E A MENTIRA – [...] somente pela teia rígida e regular do conceito o homem acordado tem certeza clara de estar acordado, e justamente por isso, chega às vezes à crença de que sonha, se alguma vez aquela teia conceitual é ragada pela arte [...] então a cada instante, como no sonho, tudo é possível! [...]. Trecho extraído da obra Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral – Obras incompletas (Nova Cultural, 1987), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Veja mais aqui e aqui.

CIDADES INVISÍVEIS – [...] Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma outra coisa: a pegada na areia indica a passagem de um tigre; o pântano anuncia uma veia de água; a flor do hibisco, o fim do inverno. O resto é mudo e intercambiável – árvore e pedra são apenas aquilo que são. Finalmente, a viagem conduz à cidade Tamara. Penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das paredes. Os olhos não vêem coisas mas figuras de coisas que significam outras. [...] Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar – entrar na viela com carroça; urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte. [...] O olhar percorre as ruas como se fossem página escrita: a cidade diz tudo o que você deve penar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes. [...]. Trecho extraído da obra Cidades invisíveis (Companhia das Letras. 1990), do escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985). Veja mais aqui e aqui.

PROGRESSO - Um zum-zum! / Um zum-zum! / Um zum-zum esquisito / que espanta até os bichos nas tocas!/ Um zum-zum que lembra coisas medonhas! / Coisas infernais!/ Coisas diabólicas! / E o zum-zum cresce, / aumenta / e apavora o povaréo enorme! / - Minha Nossa Senhora, é o fim do mundo! / - Misericórdia! Misericórdia! / - Reza, povo, reza! / - Valei-nos! / Nosso padrinho / Padre Cícero / do Joazeiro! / Nada de fim do mundo, meu povo! / Não é o fim do mundo não! / É o bicho homem vencendo a Natureza!/ Corta o espaço azul do céu / rápido, / barulhento, / um fantástico passará de ferro, / o primeiro avião!... Poema do poeta, jornalista, economista e folclorista Jayme Griz (1900-1981), publicado no Jornal A Pilhéria, em 15 de fevereiro de 1930, extraído da obra A imagem e seus labirintos: o cinema clandestino do Recife 1930-1964 (Nektar, 2014), de Paulo Carneiro da Cunha Filho. Veja mais aqui.

AS MULHERES FAZEM BONITO: #ELE NÃO
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