FRANCESCA, AVIS
RARA - Ela nasceu em Denver e cresceu em Boulder, pais artistas – ele fotógrafo-pintor,
ela ceramista, a arte por religião. Foi para a escola pública e interrompeu os
estudos para seguir com a família para a Itália. A partir de então os verões em
Antella. Aos treze anos, no ensino médio do internato de Massachusettes, a
câmera à tiracolo, presente do pai e o seu autorretrato desfocado desafiando o
usual: os cabelos cobriam-lhe o rosto e ao seu redor fragmentos – uma atmosfera
mística, uma porta, uma cadeira vazia, o jogo de luz e a escuridão. Mudou-se
para Providence estudando na Rhode Island School of Design, morando num estúdio
industrial. Era leal e intensa, já protestava contra os limites opressivos de
sua vida. A estudante se formou e foi morar em Roma. Como uma egocêntrica
teimosa se insinuava extremamente motivada pela abertura da nudez: encostada à
parede na Space2, entre duas janelas de um prédio abandonado, aprisionada
em sua desintegração na sala vazia: Quem sou eu? O retorno e On Being
an Angel – Providence, e ela flutuava e expondo o peito e os ombros nus, olhando
pra mim, uma frustração agressiva como se fosse uma condenada que perdera o céu
para sempre. Dizia o indizível ao desenvolver diazótipos em papel e teve então
um relacionamento romântico fracassado, mantinha-se ativa com seu incrível
carisma: uma mariposa a voar ao redor da chama de uma vela. E lá estava ela entrelaçada
com as raízes de uma árvore na frente de lápides, seu corpo nu imerso na água
fazia contraste com as sombras, suas pernas serpenteavam porque ela era Eva que
se fez Daphne para ser Ophelia perseguindo o fruto proibido entre a vida e a
morte. Depois saltava no ar com suas asas feitas de lençóis brancos suspensos,
tentava levantar voo surrealista por uma Roma barroca para encontrar-se a si
própria. Ou mesmo puxando os cabelos para desafiar a gravidade, uma torre que
se fez do seu longo vestido preto, encostada à parede de um salão vazio para
sua força engrandecedora. Quando não os braços levantados, o rosto virado e suspensa
no batente de uma porta para sua crucificação e o limiar entre a vida e a morte,
o que era e não. Ela olhava timidamente para baixo, com seus braços envolvidos
pelos punhos de bétula e vestida com casca de árvore, expondo a sua alma. Na primavera
era a vez do Blueprint for a Temple e ela protegia
o rosto envolta por um pano e as mãos cruzadas, tornava-se uma cariátide
viva. Trouxe-me o volume do Some Disordered Interior Geometries,
inspirado na Nadja de Breton: Essas coisas chegaram da minha avó...
me fazem pensar onde me encaixo na estranha geometria do tempo... A frase entre
as gravuras e ela nua da cintura para baixo com roupas espalhadas ao redor. Logo
o Portrait of a Reputation, que começava vestida com uma única luva e se
desnudava contornando uma das mãos aos seios. Depois apenas as impressões de
suas mãos na parede, a solidão... É questão de conveniência, estou sempre
disponível... As tendências depressivas, malsucedidos, a profundeza
emotiva, mais de 800 fotografias, muito vídeos, um olhar atento e aquela jovem
prodígio prolífico, estava imersa pela arte com sua sofisticada compreensão e
maturidade artística: o seu corpo nu e a realidade circundante. Eram os
capítulos da autodestruição definitiva, a vítima trágica da transição entre a
infância e o adulto, a aura enigmática: Portraits, Friends, Equations.
Os 8 cadernos e sua própria hestória. O talento fatal e a mítica atravessaram seus
próprios infernos: sobreviveu a uma tentativa de suicídio e voltou a morar com
os pais. Terapias e o amor fracassava, depressão e a recusa de um projeto. Naquele
janeiro, era inverno, atirou-se pela janela de um edifício do Lower East Side, Nova
York. Seu corpo atingiu o concreto a ponto de desfigurar sua face. Tinha apenas
22 anos, começava a sua lenda e culto. Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Estou na foto? Estou entrando ou saindo dela? Eu poderia ser um fantasma, um animal ou um corpo morto,
não apenas essa garota parada na esquina... Você não pode
me ver de onde eu me olho... As coisas reais
não me assustam, apenas as que estão em minha mente, sim... As palavras influenciam-me muito mais do que a
política, mas gosto especialmente de frases literárias alusivas e indiretas +
metáforas... Gostaria que as palavras fossem para as minhas fotografias o que
as fotografias são para o texto de 'Nadia' de Andre Breton. Ele seleciona as
alusões e os detalhes enigmáticos de alguns instantâneos bastante comuns e não
misteriosos e os elabora em uma história que eu gostaria que minhas fotografias
condensassem a experiência. Uso nus em parte num sentido irônico, como os nus
da pintura clássica que quero que minhas fotos tenham. uma certa qualidade
atemporal, pessoal, mas alegórica, como acontece, digamos, nas pinturas
históricas de Ingres, mas gosto do aspecto áspero que a fotografia dá ao nu.
Gosto de observar o imediatismo de uma fotografia lutando com 'imagens
atemporais' do jeito que faz. digamos, uma fotografia pictorialista... Finalmente
consegui tentar me livrar de mim mesmo, da maneira mais organizada e concisa
possível. Prefiro morrer jovem deixando várias realizações, algum trabalho,
minha amizade com você e alguns outros artefatos intactos, em vez de apagar
desordenadamente todas essas coisas delicadas... Essa ação que previ, não
tem nada a ver com melodrama. É que a vida que vivo agora é uma série de
exceções. Não fui (sou?) único, mas especial. É por isso que eu era um artista...
Palavras da fotógrafa estadunidense Francesca Woodman (1958-1981), que
ainda escreveu o poema: Sinto como se estivesse flutuando em plasma \ Preciso de um professor ou
amante \ Preciso de alguém que arrisque se envolver comigo.
\ Sou tão vaidosa e sou tão masoquista.
\ Como eles podem coexistir?... Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Uma vez que eu soube que queria ser uma artista,
eu me tornei uma. Eu não entendia que querer nem sempre leva à ação. Muitas das mulheres foram criadas sem a sensação de que
elas poderiam moldar e moldar suas próprias vidas, e então, querer ser uma
artista (mas sem a habilidade de realizar seus desejos) era, para algumas
delas, apenas uma fantasia ociosa, como querer ir à lua. Como
os homens têm uma história, é difícil para eles imaginarem como é crescer sem
uma, ou o senso de expansão pessoal que vem da descoberta de que nós, mulheres,
temos uma herança valiosa. Junto com o orgulho, muitas vezes vem a raiva – raiva de
ter sido privado de um conhecimento tão significativo. As
divindades femininas foram gradualmente ofuscadas ou incorporadas aos atributos
de vários deuses masculinos, depois eclipsadas pela ascensão da única divindade
masculina que domina a tradição judaico-cristã. Pensamento da educadora,
escritora e artista feminista estadunidense Judy Chicago (Judith Sylvia
Cohen), que no seu livro Judy Chicago, Beyond the Flower:
The Autobiography of a Feminist Artist (Penguin, 1997)
expressou: […] Historicamente, as mulheres foram
excluídas do processo de criação das definições do que é considerado arte ou
autorizadas a participar somente se aceitarmos e trabalharmos dentro das
designações tradicionais existentes.
Se
as mulheres não têm um papel real como mulheres no processo de definição da
arte, então somos essencialmente impedidas de ajudar a moldar símbolos
culturais. [...] Fui criada em uma casa moldada
pelo que pode ser chamado de valores éticos judaicos, particularmente o
conceito de tikun, a cura ou reparação do mundo. Fui
ensinado a acreditar que trabalhar para alcançar essa transformação é o que a
vida é e que as posses materiais são totalmente sem importância. Ainda
me lembro do meu pai apontando para todos os livros e registros em nossa casa e
dizendo ¨Veja estes, estas são as únicas riquezas que contam
[...] e também autora do poema: E então tudo o que nos dividiu se fundirá \ E então a
compaixão se casará com o poder \ E então a suavidade chegará a um mundo que é
duro e cruel \ E então tanto homens quanto mulheres serão gentis \ E então
tanto mulheres quanto homens serão fortes \ E então nenhuma pessoa estará
sujeita à vontade de outra \ E então todos serão ricos, livres e variados \ E
então a ganância de alguns dará lugar às necessidades de muitos \ E então todos
compartilharão igualmente a abundância da Terra \ E então todos cuidarão dos
doentes, dos fracos e dos velhos \ E então todos nutrirão os jovens \ E então
todos apreciarão as criaturas da vida \ E então todos viverão em harmonia uns
com os outros e com a Terra \ E então todos serão chamados de Éden novamente.
DEFENSOR - [...] Não é aconselhável espalhar isso de forma tão
espessa sobre toda essa situação. [...] A ignorância matou o gato; a curiosidade foi incriminada! [...]. Trechos da obra Defender (DAW, 2002), da escritora
estadunidense C. J. Cherryh (Carolyn Janice Cherry), que em outra obra
sua, Invader (Daw, 1996), expressa que: [...]
Mas seu senso político
manteve uma coceira persistente que dizia: A, Dada a ignorância na mistura, a
estupidez era pelo menos tão comum na política quanto as manobras astutas; B, A crise sempre atrai insetos; e, C, Inevitavelmente, a parte que tentava resolver um
assunto tinha que lidar com a parte mais disposta a explorá-lo. [...]. Já noutra obra,
Forge of Heaven (Eos, 2005), ela expressa
que: […] Os problemas
não vinham apenas em grupos de três: eles reuniam passageiros à medida que
avançavam e colidiam violentamente com os transeuntes. [...], afora defender que: Nada é impossível, exceto nunca tentar. Meus mundos são complexos e
muitas vezes sugerem mais de uma história. Eu tenho mais medo de pessoas
estúpidas. Pessoas estúpidas farão qualquer coisa. Pessoas verdadeiramente
inteligentes farão apenas o que for lógico para elas. Veja mais aqui.
DOIS POEMAS – COMEÇO - Num
apartamento vazio \ onde o antigo amante não mora mais \ os gatos ficam perto
das paredes \ O novo amante está se mudando hoje \ a luz muda lentamente no
teto\ O novo amante bebe água da torneira \ O novo amante abre a janela \ Sem
cicatrizes, ainda \ Este é o nosso começo. ARQUIVADO - Anna Karenina e Lolita
se encontram em segredo \ comparando suas experiências com homens \ que pedem à
Sra. Dalloway para se juntar a elas\ Vamos beber cerveja preta \ com uma perna
balançando em cima da outra \ em um café escuro\ Vamos compartilhar histórias, \
confiar uns nos outros com tal abandono \ que o remorso toma conta no dia
seguinte, \ uma vontade de rastejar até a estante \ para esquecer o que nunca
foi, \ frases que nunca foram ditas, \ apenas um sussurro tímido, um sonho
delicado, \ um telefonema cortado. Poemas da escritora, jornalista e psicoterapeuta
finlandesa Anja Snellman (Anja Kyllikki Snellman-Orma nascida Kauranen),
autora de obra como Sonja O. kävi täällä (1981), Tushka (1983), Kultasuu
(1985), Pimeää vão meidän silmillemme (1987), Kiinalainen kesä
(1989), Kaipauksen e energian lapset (1991), Ihon Aika (1993), Pelon
Maantiede (1995), Syysprinsi (1996), Lauri Árabe (1997), Lado
(1998), Paratiisin kartta (1999), Aura (2000), entre outros.
SACADOUTRAS
A QUEM INTERESSA A TRAGÉDIA DA SECA? – No ano de 1900, Darcy Ribeiro
registra uma notícia no seu Aos trancos e
barrancos: como o Brasil deu no que deu, a respeito da grande seca que
assola a região nordestina: “Grande seca
– que se reitera em 1903 e 1904 – castiga o Nordeste, matando, imbecilizando e
pondo na estrada multidões de retirantes que, de passagem, roubam cabras e
ovelhas, invadem cidades rezando e esmolando. O governo cria frente de trabalho
para socorrê-los”. Quem leu a obra de Raquel
de Queiroz, O quinze, ficou
sabendo o que se deu desses anos de seca, culminando com a grande seca de 1915.
Sucessivos anos de seca levaram o jornalista e escritor Antonio Callado a denunciar que: “[...] Os “industriais da seca” se utilizam da
calamidade para conseguir mais verbas, incentivos fiscais, concessões de
crédito e perdão de dívidas valendo-se da propaganda de que o povo está
morrendo de fome. Enquanto isso, o pouco dos recursos que realmente são
empregados na construção de açudes e projetos de irrigação, torna-se inútil
quando estes são construídos em propriedades privadas de grandes latifundiários
que os usam para fortalecer seu poder ou então, quando por falta de
planejamento adequado, se tornam imensas obras ineficazes”. A partir disso
procurou-se levantar uma bibliografia acerca do tema, encontrando em Renato Duarte um farto material, incluindo
Durval Albuquerque Junior, no seu
artigo “Palavras que calcinam, palavras
que dominam: a invenção da seca do Nordeste” que engrossa o caldo das
denúncias acerca das ações dessa indústria nefasta que toma conta do
desenvolvimento nordestino. Essa indústria, para Caroline Faria e Conceição Filgueira, é uma herança que aprisiona o Nordeste oriunda
da sociedade patriarcal, escravocrata, monocultora, latifundiária e
aristocrática do passado colonial, envolvendo fatores econômicos, sociais,
raciais e diversas discriminações sérias das desigualdades entre as regiões.
Acrescenta Roberto Alves Silva
que o drama da calamidade pública ainda se repete nos períodos prolongados de
estiagem e das chuvas irregulares: “Os
meios de comunicação tratam de dar maior visibilidade aos problemas regionais e
de recolocar para a população algumas soluções que poderiam mudar esse quadro.
[...] As políticas emergenciais, no
entanto, continuaram ocorrendo concomitantes às ações hídricas de combate à
seca, sem promover modificações significativas nos determinantes estruturais
das calamidades sociais nas secas; [...] Verifica-se que a proposta do “combate à seca e aos seus efeitos”,
atualmente em crise, não participa ativamente da disputa tendo em vista que os
seus fundamentos negam, explicitamente, os princípios da sustentabilidade”.
Afinal, a quem interessa o drama de todo nordestino promovido pela indústria da
seca? Vamos aprumar a conversa & tataritaritatá. Veja mais aqui, aqui e aqui.
O REDONDO UNIVERSO DO POETA E DA POESIA – Abordando
sobre a poesia do poeta alemão Rainer
Maria Rilke (1875-1926), o filósofo, crítico literário e epistemólogo
francês Gaston Bachelard
(1884-1962), na sua obra A poética do espaço (Abril, 1978), expressa que: [...] Às vezes existe uma forma que guia e que
enfeixa os primeiros sonhos. Para um pintor, a árvore se compõe em sua
redondeza. Mas o poeta retoma o sonho mais alto. Sabe que o que se isola se
arredonda, toma a figura do ser que se concentra em si. Nos Poemas Franceses de
Rilke, isso acontece. Em torno de uma árvore sozinha, meio de um mundo a cúpula
do céu vai arredondar-se seguindo a regra da poesia cósmica. [...] É certo que o poeta só tem sob os olhos uma
árvore da planície: ele não pensa em nenhuma árvore lendária que fosse só para
ele todo o cosmos unindo a terra e o céu. Mas a imaginação de ser redondo segue
sua lei; já que a nogueira é, como diz o poeta, orgulhosamente redonda, ele
pode saborear a abobada dos céus. O mundo é redondo em torno do ser redondo. E
de verso em verso, o poema vai crescendo, aumenta seu ser. A ávore está viva,
pensando, voltada para Deus. [...] Aqui,
o devir tem mil formas, mil folhas, mas o ser não suporta nenhuma dispersão: se
eu jamais pudesse numa vasta coleção reunir todas as imagens do ser, todas as
imagens múltiplas, cambiantes que, da mesma forma, ilustram a permanência do
ser, a árvore rilkiana abriria um grande capítulo em meu álbum de metafísica
concreta. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
A ENCANTADORA BELEZA LUSITANA DE MARIA – Desde que a vi como Anais Nin no Henry & June do Philip Kaufman, a Yvonne de La Tentation de Vénus de Istvan Szabo, a
Marta no Huevos de oro de
Bigas Luna, no Pulp Fiction de
Quentin Tarantino, mais no Porto
da Minha Infância, Paraíso Perdido, Retrato de Família, entre outros filmes em
que ela desfilou a sua beleza encantadora, que me tornei fã da atriz, cineasta
e cantora portuguesa Maria de Medeiros Esteves Victorino de Almeida, ou
simplesmente, Maria de Medeiros.
Nada mais justo que aqui homenageá-la na campanha Todo dia é dia da mulher.
Veja mais aqui e aqui.









