A arte do compositor
finlandês Jean Sibelius (1865-1957). Veja mais
abaixo.
A DOR DO DESAPARECIMENTO – Em memória de Luiza Augusta Garlippe (1941-1974) – Luiza era de Araraquara, órfã de mãe
ainda criança e seguiu para São Paulo para se graduar em Enfermagem na USP. Com
seu trabalho, chegou ao cargo de Enfermeira-chefe no Hospital das Clínicas e
integrante da Associação dos Funcionários do Hospital. Viajava constantemente
para realização de estudos pelo interior do país, percorrendo localidades do
Amapá e Acre. Reencontrou seu irmão em 1971, em frente ao Cine Joia: Vou de vez
pro norte! E tornou-se Tuca combatendo a ditadura militar na região do rio
Gameleira, nas proximidades do Araguaia. Atuava pela saúde, sobretudo como
parteira entre moradores de Xambioá. Em setembro
de 1972, assumiu a função de comandante-médica da guerrilha, quando ocorreu a
intervenção das Formas Armadas, denunciada por informantes secretos. Deu-se
então a Operação Marajoara, de dezembro de 1973, Tuca era sobrevivente e foi
presa ainda viva. Foi vista pela última vez após um tiroteio em torno da região
da Serra das Andorinhas, no dia 25 de dezembro de 1973. Sobreviveu até ser
emboscada por uma patrulha nas margens do rio Sororó, ela estava junto com a
Dina, foram levadas para a Casa Azul, em Marabá. Depois ela foi encaminhada
para Bacabal, sumindo na selva onde foi executada, perto de Xambioá. Era 1974 e
seu corpo nunca foi encontrado, tornando-se desaparecida política desde então.
Veja mais aqui, aqui e aqui.
Curtindo o cd Paixões – Sinfonia nº 2,
op. 43 do compositor finlandês Jean Sibelius (1865-1957) & Enigma op. 36, do compositor inglês
Edward Elgar (1857-1934). Veja mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Toda doença do século
provém de duas causas que provocam no povo duas feridas: tudo que era deixou de
ser, tudo o que será não é ainda. Pensamento do
poeta, novelista e dramaturgo francês Alfred Musset (1810-1857). Veja
mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Não tenho medo de nada nesta
vida. Exceto do ego. Quero aprender, desenvolver, eu quero descobrir tudo o que
está em mim! As recordações são as melhores coisas da vida, eu acho. Você não
deve citar o que eu disse certa vez. Sou mais sábia agora. Eu não sou nada na
vida. Mas tudo na tela. Meu trabalho me deu forças para viver. Pensamento da atriz austríaca Romy
Schneider (1938-1982). Veja mais aqui.
A GULA DO
BEIJA-FLOR – [...] Tratava-se de uma garota cuja
idade não pôde calcular. Usava mariachiquinha e tinha rosto de colegial, corpo
de mulher em botão, uma ligeira vulgaridade no perfil que aumentava sua
atração, mas antes de tudo tinha frescor. Entrou com um passo que a aprumava
graciosamente e o saudou com o manjado protocolo: “Que honra, dom Juan” e “Não
imagina o quanto lhe agradeço”. A flor que essa boca fez lembrou-lhe alguma
boca amada, os gestos, os do otimismo que desejava, e a pele corada lhe contou
que tinha mamilos de maçapão: o lugar exato onde queria colocar a face e
repousar. Essa moça, surgida com a água, era o elo rompido na parte mais tenra
de sua vida. Ela explicava o enigma de sua existência. Seu sangue se animou,
lhe destapou as varizes e fluiu galante de cima a baixo. Dom Juan sorriu
longamente, exibindo sua dentadura – fez como os cavalos, revolvendo o lábio.
Estava apaixonado. Jamais havia sentido tamanha comoção. Ergueu o corpo de
faquir e começou a gesticular com o índice, essa técnica oratória clássica que
decidiu na assembléia de Catavi a libertação dos reféns norte-americanos.
Garantiu para ela que seu estado de prostração era passageiro e que, uma vez
recuperado, voltaria à arena dos acontecimentos políticos, pois estava farto de
tanta corrupção e de tanto desprezo para com o povo trabalhador – falou com
veemência para convencê-la de que ainda podia vencer. Não parou de falar diante
de um Elmer espantado de vê-lo ressuscitar. Temia que o Mestre, como seus
companheiros costumavam chamá-lo, se descadeirasse com tanta veemência ou
tivesse um faniquito. Mesmo comovida com suas palavras de avô, a moça não deixou
de folhear seu caderno, uma vez, outra vez. Por um bom tempo procurou
impressioná-la com uma avalancha de anedotas que sua memória entremesclava.
Inclusive recusou atender ao telefonema do embaixador francês, que o convidava
para um banquete para exibi-lo como a um leão de circo: o reconhecimento que a
glória lhe proporcionava. Também descartou a visita de uma comissão da mina
Chumaceiro, na verdade o golpe de algum sujeito sabido para lhe arrancar uns
pesos. Uma repentina tosse asmática obrigou-o a parar. Só então a jovem pôde se
apresentar. Chamava-se Maya e estudava jornalismo. Devia fazer um trabalho
acadêmico e, sendo dom Juan seu “personagem favorito”, queria fazê-lo sobre ele
– falou com essa abundância de movimentos com que as jovens agradam. Concluiu
girando graciosamente a cabeça, as madeixas como hélices. [...] Todas as mulheres odeiam a mentira, mas se a
gente não mente pra elas, elas começam a odiar a gente. [...] O recurso de oferecer a uma mulher uma
relação estável é um clássico da sedução e sempre dá bons resultados, mais
ainda com uma mulher de classe inferior, porque permite a ela sonhar com viver
na admirada classe do opressor. [...]. Trechos extraídos da obra A gula do beija-flor (Bertrand Brasil,
2006), do escritor boliviano Juan
Claudio Lechin. Veja
mais aqui.
SOLIDÃO - Poderia jogar meu coração / em cima de um telhado: / meu
coração rodaria / sem ser visto. / Poderia gritar / minha dor / até partir meu
corpo em dois: / seria dissolvido / pelas águas do rio. / Poderia dançar / sobre
o terraço / a dança negra da morte: / o vento levaria / minha dança. / Poderia,
/ soltando a chama de meu peito, / fazê-la rodar / como os fogos fátuos: / as
lâmpadas elétricas / a apagariam… Poema da
escritora, jornalista, atriz, professora e feminista argentina Alfonsina Storni (1892-1938). Veja mais
aqui e aqui.
A FARRA DO
BIRITOALDO
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
Quando o cara se
enfia na cachaça
Mais parece ver o
mundo se acabar
Se tem guerra ele
ganha na moral
Pois o pinguço jamais
arreda a raça
Toda honra e
macheza tá na taça
E pro resto vale
tudo é carnaval.
Ele pensa que a
cana é que nem água
Enche o chifre
pra azeitar até a gaia
Mais parece
arranchar na sua baia
Pitulcilina
aliviando suas mágoas
Arremeda o valor
de todas táboas
Pra que a morte
na vida não lhe caia.
A primeira
lapada vai pro santo
Homenagem para
sua devoção
Pro capeta
também por precaução,
A abrideira
eleva o tranvanquante
Pois dali ele
passa pra adiante
A cachaça é só
sua louvação.
Tudo bem todo só
socialmente
Educado que nem
lá na Suíça
Mais parece com
devoto pela missa
Não dá trela pra
bater língua no dente
Tudo ali é só coisa
de parente
Nos conformes de
quem se compromissa
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
Na segunda
lapada o sapecado
Faz boquinha no sabor
do tira-gosto
Se benzendo pra
ajeitar todo seu rosto
Esquentando o
bico amaneirado
Cospe o bicho
então pra todo lado
Pra ninguém vir tomar
o que é seu posto
Faz careta pra dar
vinco no pinote
Fecha o corpo pra
deixar aberta a goela
É quando azeita
a prensa, o zé-ruela
Alinhado está tudo
em seu cangote
Todo ancho fica
certo o piparote
Que ali nunca
vai abrir da vela.
Na quartinha a
golada do sarrafo
Alevanta a moral
do pé-de-cana
Faz ali a rodada
soberana
Sobre o mando do
mais profundo bafo
Ele agarra as
bolas do seu cacho
Aprumando a volta
da carraspana
A macheza é
botada logo em dia
Arreia a lenha e
solta o esculacho
Chamando atenção
do populacho
Manda em tudo ali
na freguesia
Na maior da sua sabedoria
Vai sempre como
no maior abafo.
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
A meiota já vem leite
de onça
Acendendo de vez
a lamparina
É quando o cabra
mira a sua doutrina
Vai largando toda
a sua geringonça
Que é fiada e
feita na responsa
Que se vem do
raio da silibrina
Na verdade é asneira
medonha
Onde troca todo
nome do defunto
Traçando tudo o
que surgir de assunto
Com a cara lisa
da desvergonha
Escondida vai na
carantonha
Do mais abestalhado
bestunto
Quando um litro
já foi esvaziado
É quase porre já
no meio dessa farra
As idéias já não
saem mais na marra
Porque o jipe
pegou desgovernado
O cara vai
ficando mariado
Pelo jeito que a
coisa nele agarra
É que vai
endoidando o mancebo
Já cheinho que
está da meropéia
Inventa ele a
maior das odisséias
Castigando com o
seu papo de bebo
Quanto mais ele
vira o placebo
Mais aumenta a
sua prosopopéia.
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
Lá pras tantas ele
já está ramado
Esborrando de
vez a mandureba
Vira rico o boca
de pereba
Que já tem ali até
reinado
Ele então se
achando um abastado
Dono de chãs de lá
de Igarapeba
E já bebinho da
silva ele vai lá
Elegendo vai as
sete virtudes
Chega embeiçar de
chapa um açude
E um oceano inteirinho
baldear
Volta após de pé
pra Quipapá
Foi moleza zoar a
longitude.
É quando então
aparece uma tetéia
Do cabra agarrar
logo a donzela
Pendurou-se com
jeito no beiço dela
E jurou se casar
com a mocréia
Convocou o povo
todo pra platéia
Deu vazão pra
manter a sua trela
E jurou seu amor
pra mulé feia
Prometendo ser
feliz no mar de rosa
Sapecou toda
rima em sua prosa
Até se ferrar na
maior teia
Foi ai que ele
amolegou a peia
Pra virar
baixaria escandalosa.
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
Ele aprontou
acertando no desfeito
Danou-se pra
falar muita besteira
Fabricando a
maior das baboseiras
Até se dar sem o
menor respeito
Foi mijando no
pirão do seu prefeito
E sapecou
cantada boa numa freira
Adispois lambeu
a boca dum cachorro
Dançou com a
mulher do seu vizinho
Meteu em tudo
logo o seu fucinho
Gritou: dessa
cachaça eu sei que morro
Não sei mais se
fico aqui ou se já corro
O seu socorro
acabou num descaminho.
Seu desmantelo
fedeu que nem inhaca
Dele inventar na
hora um pesque-pegue
Puxou a primeira
dama para um reggae
Queria fazer
sexo com a macaca
Enfiou então de
vez o pé na jaca
Nem ligou quando
ali levou uns bregues
Foi aí que ele
pactou com o cramunhão
Fez a maior
orgia no cabaré
Agarrou-se na
caçola da mulher
Pra fazer a
melhor da diversão
Virado estava na
gota do cancão
Restou encardido
lheguelhé
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
Quando pronto o
cara tá pra lá de grogue
Vai a reboque
todo cheio dos quequeos
Faz alarde de
virar um escarcéu
Manda ver pra
que nada ali derrogue
É ai que ele
vira um mau buldogue
E a coisa mesma
dá o maior créu
Chamou logo a
polícia de freguês
E com isso ele
armou maior barraco
De todo mundo
ele apois encheu o saco
E na volta da
maior da sordidez
Finda ele desgraçado
no xadrez
Preso com a cara
de tabaco.
Vem então a temulência
da ressaca
Finda mais transido
de vergonha
Escabriado com a
pior peçonha
Remoída no meio
de uma catraca
Viu-se todo na
maior urucubaca
Na pior de todas
as piores ronhas
Amarrou ali o
seu bezerro novo
A caganeira arrasando
no furico
Foi pagando o seu
mais caro mico
O pior de
qualquer insano estorvo
Viu que era um biltre
babaovo
Que não valia o
menor do menor tico.
Eu tomo uma,
viro duas e venha três
Eu bebo todas
pra cair só duma vez
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