quinta-feira, julho 31, 2008

ZÉ DA LUZ, VALUNA, ANDREA DWORKIN, LIUDMILA ULITSKAIA, SUSAN BROWNELL, LOUISA MAY ALCOTT, REUNIER, LORUSSO & PAULO RIOS



A arte de Joseph Lorusso.

VALUNA: DEPOIS DE JORRAR A VIDA NAS CAPOEIRAS - (Imagem Paulo Rios) - Já era um camurim e não sabia como havia acontecido. Sei que ao chegar à margem, saí do que era e rastejei o chão, me tornando o que não esperava nem sabia, sei que caminhei sob a lua cheia pelo matagal, até ver-me diante de um ser atraente e era Ela, o nome dela nunca soube, nem dissera. Parecia-me Ísis com Egito às mãos. Não era, como se fosse. Ela estava acompanhada do que pude ali entender por musas, não mesmo, como se fossem, Hera, Atena, Afrodite, e mais sal, enxofre e mercúrio. Isso mesmo: sal, enxofre e mercúrio. Constatei. No demais, tudo como se fosse.  Confesso o espanto e meu olhar demorado no ar interrogador que elas expressavam. Falavam e não entendia. Elas sorriam para esclarecer o que desentendia, o que demandou tempo para que eu pudesse compreender o que estava acontecendo. Deixei-me levar e, ao se postarem reunidas em torno de mim, percebia a união de nossos corpos, o espírito e a alma. Assim, as amei, todas, uma a uma, e nos amamos como se fosse uma única vez e a última. Depois do desejo, o céu, as nuvens, o universo no êxtase das mãos, na chuva a me banhar, alma lavada na imensidão. Ali eu já era do mato e da mata densa dos bichos da infância, folhas que matizavam minhas manhãs e tardes, flores que perfumavam aonde quer que fosse. A relva vicejava por todo lado, a comunhão do meu íntimo: tudo e todas as coisas, o infinito, mais que a mim mesmo, o prazer de estar cônscio e de que há muito mais do que pudesse ver: o prazer de estar vivo e viver. O que era do Buraco era mais da Queimada, andejo do dia singrando na vida. Do outro lado o Mundaú dava para Alagoas, até mais, boa viagem. E eu seguia por conta do Planalto da Borborema para ser o que for feito por força do querer. Era eu, então, pelo que pude enfim tomar ciência, um caeté da sina de ontem que ia pelo sítio Imbé, onde a minha raiz beijava a brisa na abissal alegria agreste. Eu era Quatis de um lado, Riachão do outro; Doce e Bonito adiante, Retiro de adeus para São Bento, até ser-me, de novo, meio de rio, águas que de mim, correntezas de sonhos que nem sabia. Empreendi corajosamente a jornada para dentro de mim, como se um retorno intrauterino, e prossegui como seiva da raiz nos galhos que sentia de mim e dela, pois sou minha mãe que talvez me tenha sonhado, como se me desejasse para que eu soubesse entre o medo e a rebentação, o trauma do nascimento por não saber do meu corpo como só dela. Foi quando entendi que não nasci aqui, daqui nasci. A alma está no sangue, o profundo corte do meu povo e da minha terra. Eu e a inominada.© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.


DITOS & DESDITOS - Sexismo é a fundação onde toda tirania é construída. Toda forma social de hierarquia e abuso é moldada tendo como ponto de partida a dominação macho-fêmea. O fato que todas nós somos treinadas da infância em diante para sermos mães significa que nós todas somos treinadas para devotar nossas vidas aos homens, quer eles sejam nossos filhos ou não; que todas nós somos treinadas a forçar outras mulheres a exemplificar a falta de qualidades que caracteriza a construção cultural da feminilidade. O desejo de dominação é uma besta voraz. Nunca há corpos quentes suficientes para saciar sua fome monstruosa. Uma vez viva, essa besta cresce e cresce, se alimentando de toda vida ao seu redor, percorrendo a terra para encontrar novas fontes de nutrição. No tempo em que somos mulheres, medo é tão familiar para nós como ar. É o nosso elemento. Nós vivemos nele, nós inalamos ele, nós exalamos ele, e na maioria do tempo nós nem notamos isso. Ao invés de "Eu tenho medo", nós dizemos, "Eu não quero", ou "Eu não sei como", ou "Eu não posso". Pensamento da escritora estadunidense Andrea Dworkin (1946-2005). Veja mais aqui.

ALGUÉM FALOU: O julgamento nem sempre é necessário. Você não precisa ter uma opinião sobre cada tema. Aquilo em que você acredita não importa nem um pouco. Tudo o que importa é como você se comporta pessoalmente. A forma é o que transforma o conteúdo de uma obra em sua essência. Ele entendera há muito tempo que o passado não era melhor que o presente. Isso era claro como o dia. Uma pessoa precisava tentar escapar, libertar-se de todas as épocas, para não ser devorado por elas. Pensamento da premiada escritora russa Liudmila Ulitskaia. Veja mais aqui.

ATIVISMO FEMININO - A verdadeira república: homens, seus direitos e nada mais; mulheres, seus direitos e nada menos. Nenhum homem é bom o suficiente para governar qualquer mulher sem o seu consentimento. Não há uma mulher nascida que deseje comer o pão da dependência, não importa se é da mão de pai, marido ou irmão; pois quem come esse pão se coloca no poder da pessoa de quem o tira. Declaro que a mulher não deve depender da proteção do homem, mas deve ser ensinada a se proteger, e aí eu tomo minha posição. Independência é felicidade. Não quero morrer enquanto puder trabalhar; no momento em que não puder, quero ir. Pensamento da ativista feminista, sufragista & abolicionista estadunidense, Susan Brownell Anthony (1820-1906). Veja mais aqui.

OS LIVROS & A VIDA - Bons livros são como bons amigos: são poucos e estão todos escolhidos. Ao longe, lá no briho do sol, estão minhas mais sublimes aspirações. Posso não alcançá-las, mas consigo olhar para o alto e ver suas belezas, acreditar nelas, e tentar seguir por onde elas me guiam. As pessoas melhores do mundo têm um princípio de perversidade inata, principalmente quando são jovens e amam. Combater os defeitos não é tarefa fácil. Derramei muitas lágrimas amargas pelos meus defeitos, pois, a despeito de meus esforços, parecia que jamais os venceria. Não tenho medo de tempestades, pois elas me ensinam a navegar. Eu gosto de palavras boas e fortes que significam algo. O amor desarma o receio, e a gratidão pode dominar o orgulho. Há no mundo muita gente com cabeça de repolho, sem que dê por isso. Não deixe que o sol ao nascer ainda a encontre com raiva; perdoem-se mutuamente, ajudem-se uma à outra, e comecem vida nova amanhã. Comece a fazer alguma coisa agora, não lhe amargurando a vida. Dê-lhes toda a minha saudade num beijo. E tudo foi esquecido e perdoado num beijo partido do íntimo do coração. Pensamento da escritora estadunidense Louisa May Alcoott (1832-1888). Veja mais aqui.


BRASI CABOCO

Zé da Luz

O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro...
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão...
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.

Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado...
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado

Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!

É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!

É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!

É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!

É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.

É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!

Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!
É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!

É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela...
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!

É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasía nacioná!

Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá.

ZÉ DA LUZ - Severino de Andrade Silva, mais conhecido como o poeta popular Zé da Luz, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965.

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CRÔNICA DE AMOR POR ELA

 Imagem: art by Eugene Reunier.
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CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
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BAKHTIN, MICHELLE PERROT, ANTONIO BRASILEIRO, JUAN DOMINGUES, BODAREVSKY, O AMOR & AFRODITE, SYLA SYEG & LITERÓTICA

 
Art by Juan Domingues

LITERÓTICA: ERRÂNCIAS - Art by Juan Domingues – Seguia eu pelo mundo medonho com suas feras rangentes, gente da mais lapa traiçoeira, morrendo de sede, desenganado da vida, comendo fogo, brigando com bestas e enfermidades no alçapão. Não tinha nada mais que esperar da vida nem de nada. Seguia eu pelo mundo medonho matando todas as crenças para ter felicidade e matando todas as lembranças e efígies dos bandidos valentes que desencantavam a vida das ruindades, quando eu mesmo vivia de abismos em dédalos, dando o sangue pelas esquinas com toda a minha riqueza menor que um gesto perdido no olhar. Não tinha nada mais que esperar da vida nem de nada. Seguia eu pelo mundo medonho de suor, sangue, lágrimas, arrastando os ferros da decepção contra os moinhos de vento, açoitando o tempo, arreliando a vida, enfrentando lobos malsinados, leões irados, mordidas e males arribando nas doedeiras dos portões fechados, das portas cerradas, todas as léguas escondidas no sofrimento de quem perdido nas lapadas da vida, sem vintém no bolso e só peregrino com esperança no coração já hóspede do Hades. Não tinha nada mais que esperar da vida nem de nada. Seguia eu pelo mundo medonho como um estrangeiro na minha própria nação, amaldiçoado de todos e sem arrimo sequer, quando certa vez do inopinado topei com ela, ponto de parada das minhas errâncias. Topei com seus olhos vivos do reinado das limeiras de Tupar, sua boca linda das laranjas de Babel, toda flor da beleza do seu corpo delgado de princesa do Reino da Pedra Fina. Era a promessa da remissão e não poupei da lida e fui devassando seu roçado, vasculhando seus segredos de rainha que eram entregues mansa e dadivosamente a ponto de premiar com o brilhante do seu ventre a dar-me a luz do dia e a razão da vida. Eu não dizia o seu nome, ela não sabia de nada. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


Art by Juan Domingues

PENSAMENTO DO DIA – [...] Entender as proibições é também compreender a força das resistências e a maneira de contorná-las ou de subvertê-las. As frentes de luta das mulheres, suas tentativas de atravessar os limiares muitas vezes provocam a violenta reação dos homens. [...] Assim, as fronteiras que limitam a vida das mulheres, atribuindo-lhes mais um destino do que uma sina, movem-se ao longo do tempo. [...]. Pensamento da historiadora e professora francesa Michelle Perrot. Veja mais aqui.

DIÁLOGO & RELAÇÕES – [...] a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa [...]. Trecho extraído da obra Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (UNESP, 1998), do filósofo e pensador russo teórico da cultura e das artes Mikhail Bakhtin (1895-1975). Veja mais aquiaqui e aqui.

O AMOR & AFRODITE – [...] O próprio amor era uma religião para os gregos, que adoravam Afrodite como o ideal feminino, rainha de sensualidade desinibida. Supunha-se que ela tivesse nascido nua e totalmente formada, a partir dos testítulos de Urano, que foram lançados ao mar. [...] Mas Afrodite nada ocultava dos gregos. Gozar a paixão do seu nome era um ato sagrado, nada neurótico e alegre, que celebrava simultaneamente a Criação e a procriação. [...] Os gregos viam a sexualidade do mundo, das plantas e animais e deuses, compreendiam=na como uma força vital que animava todas as coisas, e tornavam-se parte de seu império sagrado. A sexualidade era um fio único interligando céus e terra, sagrado e profano, poderosos e fracos. [...] Um elegante bordel francês do século XVIII, o Afrodite, fornecia seus serviços à aristocracia, ao clero, aos políticos de alto nível e a oficiais militares. Uma das senhoras que trabalhou na casa por vinte anos, fez uma lista de seus encontros sexuais que incluíam: 272 príncipes e bispos, 439 monges, 93 rabinos, 929 oficiais, 342 banqueiros, 119 músicos, 117 criados, 1.614 ingleses, 2 tios e 12 primos [....]. Trecho extraído da obra Uma história natural do amor (Bertrand Brasil, 1997), da escritora e naturalista estadunidense Diane Ackerman. Veja mais aqui.

NA NOITE - Na noite nos achamos. / Para que não nos digam só adeus. / Na noite, simbólica e dura, / nos achamos, lúcidos ou bêbados, / não importa: noite é o teu / e o meu perder-se / mas é na noite que nos achamos, / no fio da noite nítida e abissal. / (Tomemos um bonde para a amazônia / esqueçamos o que nos faz magoados: / não há sossego, irmão, não há sossego. / Um homem é para ser desperdiçado.) / Na noite nos perdemos. / A noite é para nos perdermos. / Noite simbólica, escuro, alma / dolorida — toda alma é / dolorida: os símbolos da noite / não nos berçam / pois é na noite que nos perdemos, / na noite nítida, abissal, sem data. Poema extraído de Da inutilidade da poesia (EDUFBA, 2002), do pintor e poeta Antonio Brasileiro.

Art by Juan Domingues

MUSA DA SEMANA: SYLA SYEG - Syla Syeg é um lírio selvagem.

FRUTOS

Letra & música de Luiz Alberto Machado

Somos frutos da mesma paixão
e o que importa é se entregar
e amar
depois no mormaço do amor
se dar enfim
no jeito doce
de escorrer pelos sonhos
até quando
se derramar pelas curvas do seu corpo
pelos rios
recifes
ondas
à deriva
até quando naufragar
por todos horizontes
que você navegar
no enleio
no anseio
do amor.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.


Niteroiense criada no Rio de Janeiro, é cantora, dançarina e atriz há 25 anos. Estuda canto, técnica vocal, dança do ventre, ballet clássico e teatro.

Atua na música e no teatro com grupos teatrais amadores e profissionais do Rio de Janeiro.

Como atriz atuou em peças de grupos da UNIRIO, Teatro Vida, Teatro do Catete, Instituto Guanabara e Associação Scholem Aleichen – ASA.

Também trabalhou com locução de vários comerciais, além de ser modelo fotográfico.

Participou do Projeto Canja Carioca- Novos Talentos, no Severyna Restaurante, Vinícius Show Bar, Projeto Quarta Som do Sesc-Niterói, Plataformas (Petrobras), Haras Luarte, Bistrô Sesc-Flamengo,Maison Figner, CIB, Wizo-Niterói, Clube Português - Niterói, Bistrô Danave, TV-NET/36 – Niterói; TV-NET/30 - Niterói; Parthenon – Centro de Arte e Cultura – Niterói; Eclipse – Niterói; SINAFRESP - Hotel Hilton –SP; CIB – RJ; Escola Naval – RJ; Hotel Flórida – RJ; Toq Final – RJ; FAMURJ –RJ; Centro Cultural Latino Americano – RJ; Oficina de Arte Maria Teresa Vieira – RJ; Telhado Amarelo – Niterói; Projeto Quarta Musical – Niterói; Bis Espaço Musical – RJ; Programa Curto Circuito – Niterói, dentre outros.

E hoje, por coincidência, é o seu aniversário: parabéns, Sylamigalinda, feliz aniversário.

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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
 Imagem: Nude in the Studio, arte de Nikolai Kornilievich Bodarevsky (1850-1921).
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CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
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quarta-feira, julho 30, 2008

WALTER BENJAMIN, ROSARIO CASTELLANOS, GODARD, LYNN BIANCHI, MEDEIROS, LITERÓTICA, ROMANCE & ROMANTISMO

Art by Lynn Bianchi

LITERÓTICA: A PONTEEntre o meu coração e a imensidão cosmogônica, ela se estira nua pro meu deleite na liberdade verdadeira – a sensação etérea em mim e ao meu redor. Não fosse ela a ponte entre o amor e eu, cego eu erraria por anos e farsas. Não fosse ela a ponte entre o factível e o inatingível, eu não saberia do nirvana, nem dos registros acásicos, nem da verdadeira arte de viver. Não fosse ela a ponte entre a minha heterodoxia e meus paradoxos, eu não descobriria jamais a vida em sua plenitude. A ponte, ela: entre o universo e minha existência. Eis que ela nua e linda, ora estatelada com quem adormece à espera da minha entrega, ora de bruços como que indefesa dos meus ataques e desvarios, mais maravilhosa que sempre, mais minha que nunca, a me oferecer sua carne e começo por tomar posse dos seus pés – ah, podólogo atrevido seria eu a sacralizar toda sua emanação -, e eu como um fiel fanático, ajoelho-me e acaricio toda extensão do seu solado, calcanhar, pernas, joelhos, coxas, até folgar-me no encontro do ventre e lá provar com toda gulodice de toda sua proveitosa delícia – o manjar da vida, o elixir da alma. No meio caminho da vida real, ouso atravessar essa ponte que quero morar embaixo, viver passeando por cima, vencê-la sempre, superá-la a todo instante, sabê-la minha e só minha em todo e mais completo momento. A ponte que me ensina além de mim e de tudo e não me canso de usurpá-la lambendo seu umbigo, sugando seus seios, acariciando o pescoço, beijando apaixonadamente seus lábios e flagrando seus olhos incendiados de prazer a me queimar na combustão dos desejos. E esse contato anímico com sua carne, lábios e sexo, apossado da volúpia de todos os desejos, mergulho no céu da sua boca e entre as estrelas do prazer, me faço inteiro a cobrir seu ser - a ponte que me faz macho e homem realizado. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


PENSAMENTO DO DIA - Entre a ética e a estética, é preciso escolher. É evidente, mas não é menos evidente que cada palavra contém uma porção da outra. Pensamento do premiadíssimo e provocador cineasta franco-suiço Jean-Luc Godard. Veja mais aqui.

PENSAMENTO & ARTE – [...] Incansável, o pensamento começa sempre de novo, e volta sempre, minuciosamente, às próprias coisas. Esse fôlego infatigável é a mais autêntica forma de ser da contemplação. Pois ao considerar um mesmo objeto nos vários estratos de sua significação, ela recebe ao mesmo tempo um estímulo para o recomeço perpétuo e uma justificação para a intermitência do seu ritmo. Ela não teme, nessas interrupções, perder sua energia, assim como o mosaico, na fragmentação caprichosa de suas partículas, não perde sua majestade. Tanto o mosaico como a contemplação justapõem elementos isolados e heterogêneos, e nada manifesta com mais força o impacto transcendente, quer da imagem sagrada, quer da vontade. O valor desses fragmentos de pensamento é tanto maior quanto menor sua relação imediata com a concepção básica que lhes corresponde [...]. Trecho extraído da obra Origem do drama barroco alemão (Brasiliense. 1984), do filósofo, ensaísta e critico literário alemão Walter Benjamin (1892-1940). Veja mais aqui, aqui e aqui.
  
O ROMANCE E O ROMANTISMO Imagem: Iracema, do pintor luso-brasileiro José Maria de Medeiros (1849-1925) - O Romantismo foi um movimento artístico que ocorreu entre os fins do séc. XVIII e meados do séc. XIX, sendo, portanto, o vocábulo romântico, segundo Silva (1992, p. 526), oriundo do advérbio latino romanice que significava à maneira dos romanos. Também derivou em francês do vocábulo romanz e passou para a língua inglesa sob a forma romaunt, passando a significar como os antigos romances, chegando ao sentido em que à medida que a imaginação adquire importância e à medida que se desenvolvem formas novas de sensibilidade. Depois, passou a designar o termo como aquele que agrada à imaginação, o que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas, aos castelos, dentre outras coisas. Segundo Brasil (1979), já no séc. XIX um outro conceito tipológico de romantismo foi corporificado principalmente na oposição clássico-romântico. Tais acepções levaram Brasil (1979, p. 187) a assinalar que o Romantismo é uma: Escola literária que teve origem na Europa do séc XVIII, principalmente na Alemanha e na Inglaterra. Movimento artístico de várias tendências e tinha como ideal maior o rompimento com os modelos greco-latinos, ainda vivos no Barroco e no Arcadismo. (...) Acentuava a feição nacionalista, defendia ideais políticos e a liberdade de expressão. Exaltava o amor e o sentimentalismo. As origens do Romantismo remontam o final do séc. XVIII ao final do séc. XIX, se tornando um estilo que predominou nas artes ocidentais, iniciado na Alemanha em 1774, e depois se propagou por toda Europa, quando na Inglaterra se manifestou nos primeiros anos do século XIX, cabendo à França, o papel de divulgar o romantismo, o que levou Sodré (1976) a observar que o triunfo do Romantismo assinala a plenitude do desenvolvimento no mundo ocidental, originado no final do séc. XVIII. Este movimento nasceu sobrepondo os sentimentos à razão e preferindo a imaginação e a inspiração ao pensamento lógico discursivo. Assim, favoreceu a plena expressão das emoções e a ação livre, espontânea, em detrimento da sobriedade e da ordem. Surgiu, portanto, o Romantismo em oposição a outro estilo, denominado Classicismo, sendo considerado em dois sentidos: como uma característica de determinados autores ou como fenômeno universal de uma determinada época, cronologicamente delimitado. Tais conduções acerca do movimento levou Moisés (1994, p. 5) a declarar que “o Romantismo mergulha raízes na crise de cultura que revolve o séc. XVIII e prepara as mutações radicais dos tempos modernos”. E mais adiante, ele assevera: Revolução que é, o Romantismo corresponde, na ordem política, ao desaparecimento das oligarquias reinantes em favor das monarquias constitucionais ou das repúblicas federadas; à substituição do Absolutismo religioso, filosófico, econômico, etc., pelo Liberalismo na moral, na arte, na política, etc. A pirâmide social, estratificada até o século XVIII, entroniza o ápice de uma classe nova, fundada na Ética do Dinheiro – a Burguesia -, em lugar da aristocracia de sangue, organizada à luz da herança e dos privilégios vinculados. Da mesma forma que o Classicismo e a Nobreza se identificavam, o Romantismo e a Burguesia se tornaram categorias sinônimas e descreviam percursos comuns. Embora o aparecimento do Romantismo e a ascensão da Burguesia se dessem concomitantemente, a classe social se utilizava da estética para se exprimir, adquirir voz e estatuto intelectual, e o movimento literário se arrimava à classe social para se impor e sobreviver. Observa-se, com isso, que o Romantismo possui por características próprias na oposição ao clássico e aos modelos da Antigüidade Clássica que foram então substituídos pelos da Idade Média, defendeu a liberdade do indivíduo, rejeitou as convenções sociais restritivas e o governo injusto, promovendo uma volta ao catolicismo medieval. Com base nisso, Amora (1976) expressa que tais características foram adornadas ao se cultivar em seu conteúdo o nacionalismo, que se manifestava na exaltação da natureza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do herói nacional e que, também, a natureza assume múltiplos significados: ora é uma extensão da pátria, ora é um refúgio à vida atribulada dos centros urbanos do século XIX, ora é um prolongamento do próprio poeta e de seu estado emocional, onde o sentimentalismo, a supervalorização das emoções pessoais, leva o mundo interior ao centro e sendo o que conta, o subjetivismo. Por conseqüência, o Romantismo, segundo Silva (1992, p. 449): Libertou a criação literária das coações advindas das regras, condenou a teoria neoclássica dos gêneros literários, reagiu violentamente contra a concepção dos escritores gregos e latinos como autores paradigmáticos, fonte e medida de todos os valores artísticos e, ainda, adotou a concepção do eu elaborada pela filosofia idealista germânica, constituindo-se, pois, este um dos elementos dorsais do romantismo alemão e, de modo difuso, de todo o romantismo europeu. Entende-se, portanto, conforme salienta Coutinho (1978, p. 140), que o Romantismo consistiu numa transformação estética e poética, desenvolvida em oposição à tradição neoclássica setecentista, e inspirada nos modelos medievais. Disso se apreende do autor que o movimento romântico é relativista, buscando satisfação na natureza, no regional, pitoresco, selvagem, e procurando, pela imaginação, escapar do mundo real para um passado remoto ou para lugares distantes ou fantasiosos, tendo como impulso básico a fé, a norma na liberdade, suas fontes de inspiração na alma, no inconsciente, na emoção, na paixão, deixando-se, assim, se revelar que o romântico é temperamental, exaltado, melancólico e procura idealizar a realidade e não reproduzi-la. Mediante isso pode se ver com base nos autores mencionados, que são características gerais deste movimento o medievalismo, o exotismo, o irracionalismo, a liberação do inconsciente, a reação contra o cientificismo, a revivência do panteísmo, o idealismo, a rebelião contra as convenções sociais e artísticas, o retorno à natureza, dentre outras, que vão influenciar a introdução e desenvolvimento deste importante movimento no Brasil. No Brasil, segundo Moisés (1994, p. 19), o inicio do movimento romântico “coincidia com o processo de nossa autonomia histórica, de que tanto a transladação da Corte para o Rio de Janeiro (1808), como a proclamação da Independência (1822), constituem marcos miliários”. Isto quer dizer que o contexto histórico em que se desenvolve o Romantismo no Brasil, onde se desencadeia no início do séc. XIX a independência política e social, com a vinda da família real ao Brasil, todo este cenário demonstra a ocorrência de uma série de transformações sociais e econômicas que visavam um país livre do jugo português e voltado para o nacionalismo. Com base nisso, observam-se que o acontecimento histórico ocorrido em 1808, marca a chegada da Corte ao Rio de Janeiro, onde esta cidade passa por um processo de urbanização, tornando-se um campo propício à divulgação das novas influências européias. E, a partir disso, a Colônia caminhava no rumo da independência que ocorre em 1822, crescendo o sentimento de nacionalismo, buscando o passado histórico e exaltando a natureza da pátria enquanto ocorrem profundas crises sociais, financeiras e econômicas. O Romantismo possuía uma ênfase ao nacionalismo, ao orgulho patriótico, além de um desejo consciente de exprimir, no plano literário, a independência (MOISÉS, 1991). Por esta razão, Coutinho (1978, p. 177) é levado a afirmar que é a partir do Romantismo que “começa a existir no Brasil uma literatura própria, no conteúdo e na forma”. E, com isso, é criado um novo público que torna a literatura mais popular pelo surgimento do romance, que é uma forma mais acessível de manifestação literária. O gênero romance é uma das conseqüências da liberdade de criação e forma permitidas pelo Romantismo, tendo suas origens nas novelas de cavalaria medievais e nas epopéias clássicas. Na Europa, principalmente na Inglaterra, seu surgimento remonta ao início do século XVIII, com obras posteriormente consagradas no mundo todo, mas no Brasil somente começara cerca de cem anos após. Para Brasil (1979, p. 184), o romance é a mais completa de todas as formas artísticas por ter uma característica saliente que “apresenta uma pluralidade de conflitos, de ações, de episódios, de personagens; atinge uma cosmovisão, um horizonte largo da condução humana”. Sodré (1976, p. 166) diz que “o romance representa a contribuição por excelência da ascensão burguesa ao desenvolvimento literário. É com aquela ascensão que o gênero chega à sua maturidade, torna-se o caminho natural, o caminho comum da criação literária”. Com base nas idéias expressas por Dimas (1987), Dourado (2000), Proença Filho (1990) e Brasil (1979), o romance é um gênero da literatura que transpõe para a ficção a experiência humana, em geral por meio de uma seqüência de eventos que envolvem um grupo de pessoas em um cenário específico. A caracterização dos personagens, conforme Brasil (1979), é dada a partir da origem da persona que são as pessoas que transitam pelo romance, obtendo estas formas, juntamente com o enredo e a descrição paisagística, e são caracterizadas por comportamentos, atitudes, fisicamente, temperamentos, dentre outras. Neste sentido, Antonio Candido (1976) assinala que os personagens obedecem uma lei própria seguindo uma lógica preestabelecida pelo autor, que os torna paradigmas e eficazes. Neste sentido, Silva (1992, p. 703) observa que no romance do século XVIII e de quase todo o século XIX, “a personagem é em geral apresentada através de um retrato, elemento relevante, por isso mesmo, na estrutura de tal romance”. Este retrato, mais ou menos minuciosos, mais ou menos sobrecarregado de dados semânticos, pode dizer respeito à fisionomia, ao vestuário, ao temperamento, ao caráter, ao modo de vida, etc., da personagem em causa. Com o surgimento do romance romântico, a manifestação literária era levada a termo porque o escritor deste movimento, segundo Brasil (1979), era livre para conceber novas formas de expressão dentro de um ímpeto revolucionário e patriótico, tendo, com isso, de ser uma reação à tradição clássica e assumindo a conotação de um movimento anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição à literatura produzida na época colonial, em virtude do apego dessa produção aos modelos culturais portugueses. Há que se considerar que, conforme Sodré (1976, p. 191): O primado do romance, tornado gênero literário por excelência, proporciona a melhor ponte, o caminho natural para os espíritos; generaliza o gosto da leitura, incorpora novas e amplas camadas ao interesse literário, permite celebridade, sucesso variado ao romancista, tornando-o um instrumento fácil e flexível, capaz de interpretar a sociedade a seu modo, apto a aceitar, defender e difundir o primado da classe que atinge a plenitude do seu poder ao mesmo tempo em que se geram os fatores que concorrerão para a sua ruína, porque ela oferece liberdade e proporciona uma disfarçada escravidão, que é imprescindível disfarçar sempre mais. O surto individualista, ampliando extraordinariamente o campo literário, acarreta os seus grandes problemas, entre os quais se destaca o da liberdade de expressão e o da honestidade interpretativa. Além do mais, os escritores da época, trazendo os traços essenciais do nacionalismo, que orientará o movimento e lhe abrirá um rico leque de possibilidades dentre das óticas indianistas, regionalistas, a pesquisa histórica, folclórica e lingüística, além da critica aos problemas nacionais, levam-no a se empenharem na definição de um perfil da cultura brasileira em vários aspectos, tais como a língua, a etnia, as tradições, o passado histórico, as diferenças regionais, a religião, dentre outras. Nesta direção, Coutinho (1978, p. 130) chama atenção para o fato de que: O gênero ofereceu ao espírito romântico as melhores oportunidades de realização de seus ideais de liberdade e realismo – fosse na linha psicológica, histórica ou social – além de proporcionar-lhe melhor atmosfera para o sentimentalismo, o idealismo, o senso do pitoresco e do histórico, e a preocupação social.Com o Romantismo, inaugura-se o gosto da análise precisa e do realismo na pintura dos caracteres e dos costumes. Mas a simples realidade não prendia os romancistas românticos, que também buscavam a verdade através da construção de sínteses ideais e tipos genéricos, reunindo traços variados e de origens diversas na composição de uma personagem. O romance, destarte, fundiria realidade e fantasia, análise e invenção. (...) o gosto da história, dos motivos e personagens, é de tal maneira disseminado, que imprime ao gênero uma de suas formas principais na época: o romance histórico. No caso do Brasil especificamente, Coutinho (1978, p. 173) atenta para o fato de que: Realizaram os românticos a criação dos gêneros literários com feitio brasileiro. (...) a ficção brasileira foi criada no Romantismo. Mesmo com predomínio do descritivo e da pintura sobre o narrativo; mesmo a despeito da voga da historia romanesca, sentimental e idealizada, as condições peculiares do meio brasileiro favoreceram a formação do gênero, na temática e na estrutura, mediante, sobretudo, as experiências altamente conscientes de Alencar (...) A Alencar, entretanto, deve-se a compreensão de que o romance era o gênero mais adequado à expressão brasileira do que a epopéia. Esse estudo, também ratificado por Dourado (2000) e por Proença Filho (1990), conduz a ficção romântica a desdobramentos pautados no passado, na cidade e no regionalismo. O passado, por meio do romance histórico que buscava na história e nas lendas heróicas a afirmação da nacionalidade; na cidade, através do romance urbano e de costumes, retratando a vida da Corte, no Rio de Janeiro do século XIX, fotografando, com alguma fidelidade, costumes, cenas, ambientes e tipos humanos da burguesia carioca; e o regionalismo, voltado para o campo, para a província e para o sertão, num esforço nacionalista de reconhecer e exaltar a terra e o homem brasileiro, acentuado as particularidades de seus costumes e ambientes. Coutinho (1978, p. 147) diz que, no movimento romântico, não somente a remotidão no tempo, mas também no espaço “com gosto das florestas, das longes terras, selvagens, orientais, ricas de pitoresco, ou simplesmente de diferentes fisionomias e costumes”, sendo, pois, o pitoresco e a cor local um meio de expressão lírica e sentimental e de excitação de sensações. Observando tais tendências, é importante chamar atenção para o romance urbano, aquele que desenvolve tema ligado à vida social, principalmente do Rio de Janeiro, apresentando uma variedade dos tipos humanos, retratando os problemas sociais e morais decorrentes do desenvolvimento da cidade, tudo isso fazendo cenário e servindo de fonte para os romancistas brasileiros, dentre eles, José de Alencar como o seu romance Senhora. Nesta observação se apreende que as características do romance romântico estão, dentre outras, na estrutura linear com personagens estereotipadas e previsíveis; predomínio do tempo cronológico; partes bem definidas: prólogo, trama e epílogo; mensagem redundante; grande valorização do enredo; detalhes de costumes e de cor local; comunhão entre a natureza e os sentimentos das personagens; divisão das personagens em bons e maus; e final feliz para as complicações sentimentais, ou a fuga, a morte, celibato, dentre outras. Além do mais, outro fato merece destaque e foi exaltado por Moisés (1994, p. 11-12) ao mencionar que: (...) a primeira mais relevante conseqüência desse intercâmbio ser a profissionalização do escritor: refugado do mecenalismo dos potentados como atentatório à liberdade criadora, o escritor, emergido da Burguesia, produz um objeto a ser consumido pela classe média e do qual aufere proventos para sua subsistência. (...) o escritor funcionava, desse modo, como a consciência da classe de que provinha e como ideólogo que lhe propunha um figurino moral, estético, etc. (...) A ficção servia, portanto, de espelho de um estado de coisas e, simultaneamente, decálogo da sociedade: esta se revela, não exatamente como era, mas como pretendia ser ou aprendia a ser, graças à imagem fornecida pelo escritor. Neste sentido, o Romance, neste movimento, difundia as tendências literárias do séc. XIX, sofrendo alterações importantes em suas características básicas. Tendo em vista que o romance se passa dentro de um trâmite, este é o seu espaço ao se considerar que a ação narrativa, segundo Proença Filho (1990, p. 51) é caracterizada por uma seqüência simples ou complexa de conflitos ou tensões que se resolvem ou não e é situada na trama, intriga ou enredo e envolve o que ocorre com os personagens, o conjunto de suas ações ou reações, o acontecimento ligado entre si, tudo isso comunicado pela narrativa. Segundo ele, “é na articulação da ação com a narração que se instaura o processo da ambigüidade peculiar ao texto literário”. Por narração, portanto, entende-se a sucessão de fatos, imagens ou acontecimento que, numa seqüência ordenada configura num texto literário, sendo o modo como a narrativa se organiza. Assim, para o autor mencionado, o tempo e o espaço envolvem a duração da trama e a estrutura ficcional do romance, à ampliação da duração psicológica dos personagens. Neste sentido a expressão da irreversibilidade do tempo que se escoa é acrescida à distância interior do tempo subjetivo e se articula ao ambiente, o meio, a localização e as condições materiais que se movimentam entre os personagens desenrolando os acontecimentos. Através deles podem-se configurar traços dos personagens e mesmo a própria história. Nesta condução, chama atenção Dimas (1987, p. 33) ao assinalar que: Na questão do espaço narrativo, o ponto central que orienta a discussão e que dividem as suas águas diz respeito à utilidade ou à inutilidade dos recursos decorativos empregados pelo narrador em sua tentativa de situar a ação do romance. Em outras palavras: até que ponto os signos verbais utilizados limitam-se apenas a caracterizar ou a irnamentar uma dada situação ou em que medida eles a ultrapassam, atingindo uma dimensão simbólica e, portanto, útil àquele contexto narrativo. O que é acidental e extrínseco à ação; o que lhe é essencial e, portanto, intrínseco? Qual é, enfim, o grau de organicidade/inorganicidade de um determinado elemento narrativo? Por esta razão, o autor considera que não se deve confundir espaço com ambientação. E que, para efeitos de análise, exige-se do leitor perspicácia e familiaridade com a literatura para que o espaço puro e simples (o quarto, a sala, a rua, o barzinho, a caverna, o armário, etc) seja entrevisto em um quadro de significados mais complexos, participantes estes da ambientação. Em outras palavras o autor assinala ainda que “o espaço é denotado; a ambientação é conotada. O primeiro é patente e explicito; o segundo é subjacente e implícito. O primeiro contém dados de realidade que, numa instancia posterior, podem alcançar uma dimensão simbólica” (DIMAS, 1987, p. 20). É nesta dimensão que Silva (1992, p. 711) entende que: O romance, como todo o texto narrativo, constrói e comunica sempre informação sobre uma ação, sobre um processo ou uma seqüência de eventos que são produzidos e suportados por personagens. Tal seqüência de eventos pode ser construída e transmitida ao leitor segundo técnicas discursivas muito variáveis. Esse processo é conhecido como diegese. A diegese do romance, segundo Silva (1992), não é apenas constituída por eventos que, na sua sucessão temporal e causal e nas suas correlações, configuram uma história com uma finalidade e um fim: A diegese é também constituída por personagens, por objetos, por um universo espacial e por um universo atemporal. No texto do romance, a parte importante da informação sobre as personagens, os objetos, o espaço e o tempo em que decorrem os eventos, é construída e transmitida por descrições. Embora a descrição funcione sempre como uma ancilla narrationis, a verdade é que pode facilmente encontra-se uma descrição isenta de elementos narrativos, ao passo que é muito difícil, senão impossível, existir um enunciado narrativo que não ofereça, por mínimo que seja, um conteúdo descritivo. Os elementos descritivos são indispensáveis para a construção do significado do romance como cronotopo (SILVA, 1992, p. 740). Desta forma, deixa claro o autor que o espaço narrativo pode ser a descrição de um macro-espaço telúrico ou sociológico, pode ser a descrição de um aglomerado populacional, rústico ou urbano, ou de uma área restrita desse aglomerado; pode ser a descrição de uma cada ou de um aposento. Isto se dá pela razão simples de que o que motiva e estrutura a descrição estão estreitamente correlacionadas com o ponto de vista ou a focalização adotada no romance. A responsabilidade da descrição pode ser assumida direta e explicitamente pelo narrador, que se comporta como um cicerone dotado de grande liberdade que vai mostrando ao leitor o que entende que este deve ver e apreciar. É o que acontece, em geral, com o narrador onisciente. Este tipo de descrição situa-se, como é obvio, fora da temporalidade subjetiva ou privada da diegese. Tal responsabilidade pode caber, porem, a uma personagem na qual resida, momentânea ou duradouramente, o foco narrativo. Neste caso, a descrição tem como referentes o espaço, os seres e as coisas que a personagem abarca com a sua visão. Ao contrário do que se verifica com o tipo de descrição anteriormente citado, esta descrição integra-se no tempo subjetivo da diegese. Para motivar e tornar verossímil uma descrição centrada numa personagem, o romancista pode utilizar diversos pretextos e artifícios: mudanças de luminosidade que obrigam ou convidam a personagem a reparar nos seres, nos objetos e nas paisagens; deambulação da personagem com conseqüente descrição do que vê durante a deambulação; situação da personagem ou na proximidade de uma janela que lhe permite ver o mundo exterior, ou num lugar morfologicamente adequada à visão de um grande espaço. Em qualquer caso, o narrador-cicerone ou a personagem, ambos são o centro em relação ao qual se estabelece a perspectiva da descrição e ao qual se encontram referidos na descrição.
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DOIS POEMAS - CANÇÃO DE NINAR: É grande o mundo?/ - É grande. Do tamanho do medo. / É longo o tempo? / - É longo. Longo como o esquecimento. / É profundo o mar? / - Pergunte ao náufrago. / (O Tentador sorri, me acaricia os cabelos e me diz que durma.) XADREZ: Porque éramos amigos e às vezes nos amávamos, / talvez para juntar outro interesse / aos muitos que os dois nos obrigavam, / decidimos jogar jogos de inteligência. / Pusemos um tabuleiro frente a nós, / eqüitativo em peças, em valores, / possibilidades de movimentos. / Aprendemos as regras, juramos respeitá-las, / e a partida teve início. / Eis-nos aqui há um século, sentados, meditando / encarniçadamente / como dar a estocada última que aniquile / de modo inapelável e para sempre o outro. Poemas da poeta mexicana Rosario Castellanos (1925-1974).


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