quarta-feira, julho 30, 2008

WALTER BENJAMIN, ROSARIO CASTELLANOS, GODARD, LYNN BIANCHI, MEDEIROS, LITERÓTICA, ROMANCE & ROMANTISMO

Art by Lynn Bianchi

LITERÓTICA: A PONTEEntre o meu coração e a imensidão cosmogônica, ela se estira nua pro meu deleite na liberdade verdadeira – a sensação etérea em mim e ao meu redor. Não fosse ela a ponte entre o amor e eu, cego eu erraria por anos e farsas. Não fosse ela a ponte entre o factível e o inatingível, eu não saberia do nirvana, nem dos registros acásicos, nem da verdadeira arte de viver. Não fosse ela a ponte entre a minha heterodoxia e meus paradoxos, eu não descobriria jamais a vida em sua plenitude. A ponte, ela: entre o universo e minha existência. Eis que ela nua e linda, ora estatelada com quem adormece à espera da minha entrega, ora de bruços como que indefesa dos meus ataques e desvarios, mais maravilhosa que sempre, mais minha que nunca, a me oferecer sua carne e começo por tomar posse dos seus pés – ah, podólogo atrevido seria eu a sacralizar toda sua emanação -, e eu como um fiel fanático, ajoelho-me e acaricio toda extensão do seu solado, calcanhar, pernas, joelhos, coxas, até folgar-me no encontro do ventre e lá provar com toda gulodice de toda sua proveitosa delícia – o manjar da vida, o elixir da alma. No meio caminho da vida real, ouso atravessar essa ponte que quero morar embaixo, viver passeando por cima, vencê-la sempre, superá-la a todo instante, sabê-la minha e só minha em todo e mais completo momento. A ponte que me ensina além de mim e de tudo e não me canso de usurpá-la lambendo seu umbigo, sugando seus seios, acariciando o pescoço, beijando apaixonadamente seus lábios e flagrando seus olhos incendiados de prazer a me queimar na combustão dos desejos. E esse contato anímico com sua carne, lábios e sexo, apossado da volúpia de todos os desejos, mergulho no céu da sua boca e entre as estrelas do prazer, me faço inteiro a cobrir seu ser - a ponte que me faz macho e homem realizado. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


PENSAMENTO DO DIA - Entre a ética e a estética, é preciso escolher. É evidente, mas não é menos evidente que cada palavra contém uma porção da outra. Pensamento do premiadíssimo e provocador cineasta franco-suiço Jean-Luc Godard. Veja mais aqui.

PENSAMENTO & ARTE – [...] Incansável, o pensamento começa sempre de novo, e volta sempre, minuciosamente, às próprias coisas. Esse fôlego infatigável é a mais autêntica forma de ser da contemplação. Pois ao considerar um mesmo objeto nos vários estratos de sua significação, ela recebe ao mesmo tempo um estímulo para o recomeço perpétuo e uma justificação para a intermitência do seu ritmo. Ela não teme, nessas interrupções, perder sua energia, assim como o mosaico, na fragmentação caprichosa de suas partículas, não perde sua majestade. Tanto o mosaico como a contemplação justapõem elementos isolados e heterogêneos, e nada manifesta com mais força o impacto transcendente, quer da imagem sagrada, quer da vontade. O valor desses fragmentos de pensamento é tanto maior quanto menor sua relação imediata com a concepção básica que lhes corresponde [...]. Trecho extraído da obra Origem do drama barroco alemão (Brasiliense. 1984), do filósofo, ensaísta e critico literário alemão Walter Benjamin (1892-1940). Veja mais aqui, aqui e aqui.
  
O ROMANCE E O ROMANTISMO Imagem: Iracema, do pintor luso-brasileiro José Maria de Medeiros (1849-1925) - O Romantismo foi um movimento artístico que ocorreu entre os fins do séc. XVIII e meados do séc. XIX, sendo, portanto, o vocábulo romântico, segundo Silva (1992, p. 526), oriundo do advérbio latino romanice que significava à maneira dos romanos. Também derivou em francês do vocábulo romanz e passou para a língua inglesa sob a forma romaunt, passando a significar como os antigos romances, chegando ao sentido em que à medida que a imaginação adquire importância e à medida que se desenvolvem formas novas de sensibilidade. Depois, passou a designar o termo como aquele que agrada à imaginação, o que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas, aos castelos, dentre outras coisas. Segundo Brasil (1979), já no séc. XIX um outro conceito tipológico de romantismo foi corporificado principalmente na oposição clássico-romântico. Tais acepções levaram Brasil (1979, p. 187) a assinalar que o Romantismo é uma: Escola literária que teve origem na Europa do séc XVIII, principalmente na Alemanha e na Inglaterra. Movimento artístico de várias tendências e tinha como ideal maior o rompimento com os modelos greco-latinos, ainda vivos no Barroco e no Arcadismo. (...) Acentuava a feição nacionalista, defendia ideais políticos e a liberdade de expressão. Exaltava o amor e o sentimentalismo. As origens do Romantismo remontam o final do séc. XVIII ao final do séc. XIX, se tornando um estilo que predominou nas artes ocidentais, iniciado na Alemanha em 1774, e depois se propagou por toda Europa, quando na Inglaterra se manifestou nos primeiros anos do século XIX, cabendo à França, o papel de divulgar o romantismo, o que levou Sodré (1976) a observar que o triunfo do Romantismo assinala a plenitude do desenvolvimento no mundo ocidental, originado no final do séc. XVIII. Este movimento nasceu sobrepondo os sentimentos à razão e preferindo a imaginação e a inspiração ao pensamento lógico discursivo. Assim, favoreceu a plena expressão das emoções e a ação livre, espontânea, em detrimento da sobriedade e da ordem. Surgiu, portanto, o Romantismo em oposição a outro estilo, denominado Classicismo, sendo considerado em dois sentidos: como uma característica de determinados autores ou como fenômeno universal de uma determinada época, cronologicamente delimitado. Tais conduções acerca do movimento levou Moisés (1994, p. 5) a declarar que “o Romantismo mergulha raízes na crise de cultura que revolve o séc. XVIII e prepara as mutações radicais dos tempos modernos”. E mais adiante, ele assevera: Revolução que é, o Romantismo corresponde, na ordem política, ao desaparecimento das oligarquias reinantes em favor das monarquias constitucionais ou das repúblicas federadas; à substituição do Absolutismo religioso, filosófico, econômico, etc., pelo Liberalismo na moral, na arte, na política, etc. A pirâmide social, estratificada até o século XVIII, entroniza o ápice de uma classe nova, fundada na Ética do Dinheiro – a Burguesia -, em lugar da aristocracia de sangue, organizada à luz da herança e dos privilégios vinculados. Da mesma forma que o Classicismo e a Nobreza se identificavam, o Romantismo e a Burguesia se tornaram categorias sinônimas e descreviam percursos comuns. Embora o aparecimento do Romantismo e a ascensão da Burguesia se dessem concomitantemente, a classe social se utilizava da estética para se exprimir, adquirir voz e estatuto intelectual, e o movimento literário se arrimava à classe social para se impor e sobreviver. Observa-se, com isso, que o Romantismo possui por características próprias na oposição ao clássico e aos modelos da Antigüidade Clássica que foram então substituídos pelos da Idade Média, defendeu a liberdade do indivíduo, rejeitou as convenções sociais restritivas e o governo injusto, promovendo uma volta ao catolicismo medieval. Com base nisso, Amora (1976) expressa que tais características foram adornadas ao se cultivar em seu conteúdo o nacionalismo, que se manifestava na exaltação da natureza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do herói nacional e que, também, a natureza assume múltiplos significados: ora é uma extensão da pátria, ora é um refúgio à vida atribulada dos centros urbanos do século XIX, ora é um prolongamento do próprio poeta e de seu estado emocional, onde o sentimentalismo, a supervalorização das emoções pessoais, leva o mundo interior ao centro e sendo o que conta, o subjetivismo. Por conseqüência, o Romantismo, segundo Silva (1992, p. 449): Libertou a criação literária das coações advindas das regras, condenou a teoria neoclássica dos gêneros literários, reagiu violentamente contra a concepção dos escritores gregos e latinos como autores paradigmáticos, fonte e medida de todos os valores artísticos e, ainda, adotou a concepção do eu elaborada pela filosofia idealista germânica, constituindo-se, pois, este um dos elementos dorsais do romantismo alemão e, de modo difuso, de todo o romantismo europeu. Entende-se, portanto, conforme salienta Coutinho (1978, p. 140), que o Romantismo consistiu numa transformação estética e poética, desenvolvida em oposição à tradição neoclássica setecentista, e inspirada nos modelos medievais. Disso se apreende do autor que o movimento romântico é relativista, buscando satisfação na natureza, no regional, pitoresco, selvagem, e procurando, pela imaginação, escapar do mundo real para um passado remoto ou para lugares distantes ou fantasiosos, tendo como impulso básico a fé, a norma na liberdade, suas fontes de inspiração na alma, no inconsciente, na emoção, na paixão, deixando-se, assim, se revelar que o romântico é temperamental, exaltado, melancólico e procura idealizar a realidade e não reproduzi-la. Mediante isso pode se ver com base nos autores mencionados, que são características gerais deste movimento o medievalismo, o exotismo, o irracionalismo, a liberação do inconsciente, a reação contra o cientificismo, a revivência do panteísmo, o idealismo, a rebelião contra as convenções sociais e artísticas, o retorno à natureza, dentre outras, que vão influenciar a introdução e desenvolvimento deste importante movimento no Brasil. No Brasil, segundo Moisés (1994, p. 19), o inicio do movimento romântico “coincidia com o processo de nossa autonomia histórica, de que tanto a transladação da Corte para o Rio de Janeiro (1808), como a proclamação da Independência (1822), constituem marcos miliários”. Isto quer dizer que o contexto histórico em que se desenvolve o Romantismo no Brasil, onde se desencadeia no início do séc. XIX a independência política e social, com a vinda da família real ao Brasil, todo este cenário demonstra a ocorrência de uma série de transformações sociais e econômicas que visavam um país livre do jugo português e voltado para o nacionalismo. Com base nisso, observam-se que o acontecimento histórico ocorrido em 1808, marca a chegada da Corte ao Rio de Janeiro, onde esta cidade passa por um processo de urbanização, tornando-se um campo propício à divulgação das novas influências européias. E, a partir disso, a Colônia caminhava no rumo da independência que ocorre em 1822, crescendo o sentimento de nacionalismo, buscando o passado histórico e exaltando a natureza da pátria enquanto ocorrem profundas crises sociais, financeiras e econômicas. O Romantismo possuía uma ênfase ao nacionalismo, ao orgulho patriótico, além de um desejo consciente de exprimir, no plano literário, a independência (MOISÉS, 1991). Por esta razão, Coutinho (1978, p. 177) é levado a afirmar que é a partir do Romantismo que “começa a existir no Brasil uma literatura própria, no conteúdo e na forma”. E, com isso, é criado um novo público que torna a literatura mais popular pelo surgimento do romance, que é uma forma mais acessível de manifestação literária. O gênero romance é uma das conseqüências da liberdade de criação e forma permitidas pelo Romantismo, tendo suas origens nas novelas de cavalaria medievais e nas epopéias clássicas. Na Europa, principalmente na Inglaterra, seu surgimento remonta ao início do século XVIII, com obras posteriormente consagradas no mundo todo, mas no Brasil somente começara cerca de cem anos após. Para Brasil (1979, p. 184), o romance é a mais completa de todas as formas artísticas por ter uma característica saliente que “apresenta uma pluralidade de conflitos, de ações, de episódios, de personagens; atinge uma cosmovisão, um horizonte largo da condução humana”. Sodré (1976, p. 166) diz que “o romance representa a contribuição por excelência da ascensão burguesa ao desenvolvimento literário. É com aquela ascensão que o gênero chega à sua maturidade, torna-se o caminho natural, o caminho comum da criação literária”. Com base nas idéias expressas por Dimas (1987), Dourado (2000), Proença Filho (1990) e Brasil (1979), o romance é um gênero da literatura que transpõe para a ficção a experiência humana, em geral por meio de uma seqüência de eventos que envolvem um grupo de pessoas em um cenário específico. A caracterização dos personagens, conforme Brasil (1979), é dada a partir da origem da persona que são as pessoas que transitam pelo romance, obtendo estas formas, juntamente com o enredo e a descrição paisagística, e são caracterizadas por comportamentos, atitudes, fisicamente, temperamentos, dentre outras. Neste sentido, Antonio Candido (1976) assinala que os personagens obedecem uma lei própria seguindo uma lógica preestabelecida pelo autor, que os torna paradigmas e eficazes. Neste sentido, Silva (1992, p. 703) observa que no romance do século XVIII e de quase todo o século XIX, “a personagem é em geral apresentada através de um retrato, elemento relevante, por isso mesmo, na estrutura de tal romance”. Este retrato, mais ou menos minuciosos, mais ou menos sobrecarregado de dados semânticos, pode dizer respeito à fisionomia, ao vestuário, ao temperamento, ao caráter, ao modo de vida, etc., da personagem em causa. Com o surgimento do romance romântico, a manifestação literária era levada a termo porque o escritor deste movimento, segundo Brasil (1979), era livre para conceber novas formas de expressão dentro de um ímpeto revolucionário e patriótico, tendo, com isso, de ser uma reação à tradição clássica e assumindo a conotação de um movimento anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição à literatura produzida na época colonial, em virtude do apego dessa produção aos modelos culturais portugueses. Há que se considerar que, conforme Sodré (1976, p. 191): O primado do romance, tornado gênero literário por excelência, proporciona a melhor ponte, o caminho natural para os espíritos; generaliza o gosto da leitura, incorpora novas e amplas camadas ao interesse literário, permite celebridade, sucesso variado ao romancista, tornando-o um instrumento fácil e flexível, capaz de interpretar a sociedade a seu modo, apto a aceitar, defender e difundir o primado da classe que atinge a plenitude do seu poder ao mesmo tempo em que se geram os fatores que concorrerão para a sua ruína, porque ela oferece liberdade e proporciona uma disfarçada escravidão, que é imprescindível disfarçar sempre mais. O surto individualista, ampliando extraordinariamente o campo literário, acarreta os seus grandes problemas, entre os quais se destaca o da liberdade de expressão e o da honestidade interpretativa. Além do mais, os escritores da época, trazendo os traços essenciais do nacionalismo, que orientará o movimento e lhe abrirá um rico leque de possibilidades dentre das óticas indianistas, regionalistas, a pesquisa histórica, folclórica e lingüística, além da critica aos problemas nacionais, levam-no a se empenharem na definição de um perfil da cultura brasileira em vários aspectos, tais como a língua, a etnia, as tradições, o passado histórico, as diferenças regionais, a religião, dentre outras. Nesta direção, Coutinho (1978, p. 130) chama atenção para o fato de que: O gênero ofereceu ao espírito romântico as melhores oportunidades de realização de seus ideais de liberdade e realismo – fosse na linha psicológica, histórica ou social – além de proporcionar-lhe melhor atmosfera para o sentimentalismo, o idealismo, o senso do pitoresco e do histórico, e a preocupação social.Com o Romantismo, inaugura-se o gosto da análise precisa e do realismo na pintura dos caracteres e dos costumes. Mas a simples realidade não prendia os romancistas românticos, que também buscavam a verdade através da construção de sínteses ideais e tipos genéricos, reunindo traços variados e de origens diversas na composição de uma personagem. O romance, destarte, fundiria realidade e fantasia, análise e invenção. (...) o gosto da história, dos motivos e personagens, é de tal maneira disseminado, que imprime ao gênero uma de suas formas principais na época: o romance histórico. No caso do Brasil especificamente, Coutinho (1978, p. 173) atenta para o fato de que: Realizaram os românticos a criação dos gêneros literários com feitio brasileiro. (...) a ficção brasileira foi criada no Romantismo. Mesmo com predomínio do descritivo e da pintura sobre o narrativo; mesmo a despeito da voga da historia romanesca, sentimental e idealizada, as condições peculiares do meio brasileiro favoreceram a formação do gênero, na temática e na estrutura, mediante, sobretudo, as experiências altamente conscientes de Alencar (...) A Alencar, entretanto, deve-se a compreensão de que o romance era o gênero mais adequado à expressão brasileira do que a epopéia. Esse estudo, também ratificado por Dourado (2000) e por Proença Filho (1990), conduz a ficção romântica a desdobramentos pautados no passado, na cidade e no regionalismo. O passado, por meio do romance histórico que buscava na história e nas lendas heróicas a afirmação da nacionalidade; na cidade, através do romance urbano e de costumes, retratando a vida da Corte, no Rio de Janeiro do século XIX, fotografando, com alguma fidelidade, costumes, cenas, ambientes e tipos humanos da burguesia carioca; e o regionalismo, voltado para o campo, para a província e para o sertão, num esforço nacionalista de reconhecer e exaltar a terra e o homem brasileiro, acentuado as particularidades de seus costumes e ambientes. Coutinho (1978, p. 147) diz que, no movimento romântico, não somente a remotidão no tempo, mas também no espaço “com gosto das florestas, das longes terras, selvagens, orientais, ricas de pitoresco, ou simplesmente de diferentes fisionomias e costumes”, sendo, pois, o pitoresco e a cor local um meio de expressão lírica e sentimental e de excitação de sensações. Observando tais tendências, é importante chamar atenção para o romance urbano, aquele que desenvolve tema ligado à vida social, principalmente do Rio de Janeiro, apresentando uma variedade dos tipos humanos, retratando os problemas sociais e morais decorrentes do desenvolvimento da cidade, tudo isso fazendo cenário e servindo de fonte para os romancistas brasileiros, dentre eles, José de Alencar como o seu romance Senhora. Nesta observação se apreende que as características do romance romântico estão, dentre outras, na estrutura linear com personagens estereotipadas e previsíveis; predomínio do tempo cronológico; partes bem definidas: prólogo, trama e epílogo; mensagem redundante; grande valorização do enredo; detalhes de costumes e de cor local; comunhão entre a natureza e os sentimentos das personagens; divisão das personagens em bons e maus; e final feliz para as complicações sentimentais, ou a fuga, a morte, celibato, dentre outras. Além do mais, outro fato merece destaque e foi exaltado por Moisés (1994, p. 11-12) ao mencionar que: (...) a primeira mais relevante conseqüência desse intercâmbio ser a profissionalização do escritor: refugado do mecenalismo dos potentados como atentatório à liberdade criadora, o escritor, emergido da Burguesia, produz um objeto a ser consumido pela classe média e do qual aufere proventos para sua subsistência. (...) o escritor funcionava, desse modo, como a consciência da classe de que provinha e como ideólogo que lhe propunha um figurino moral, estético, etc. (...) A ficção servia, portanto, de espelho de um estado de coisas e, simultaneamente, decálogo da sociedade: esta se revela, não exatamente como era, mas como pretendia ser ou aprendia a ser, graças à imagem fornecida pelo escritor. Neste sentido, o Romance, neste movimento, difundia as tendências literárias do séc. XIX, sofrendo alterações importantes em suas características básicas. Tendo em vista que o romance se passa dentro de um trâmite, este é o seu espaço ao se considerar que a ação narrativa, segundo Proença Filho (1990, p. 51) é caracterizada por uma seqüência simples ou complexa de conflitos ou tensões que se resolvem ou não e é situada na trama, intriga ou enredo e envolve o que ocorre com os personagens, o conjunto de suas ações ou reações, o acontecimento ligado entre si, tudo isso comunicado pela narrativa. Segundo ele, “é na articulação da ação com a narração que se instaura o processo da ambigüidade peculiar ao texto literário”. Por narração, portanto, entende-se a sucessão de fatos, imagens ou acontecimento que, numa seqüência ordenada configura num texto literário, sendo o modo como a narrativa se organiza. Assim, para o autor mencionado, o tempo e o espaço envolvem a duração da trama e a estrutura ficcional do romance, à ampliação da duração psicológica dos personagens. Neste sentido a expressão da irreversibilidade do tempo que se escoa é acrescida à distância interior do tempo subjetivo e se articula ao ambiente, o meio, a localização e as condições materiais que se movimentam entre os personagens desenrolando os acontecimentos. Através deles podem-se configurar traços dos personagens e mesmo a própria história. Nesta condução, chama atenção Dimas (1987, p. 33) ao assinalar que: Na questão do espaço narrativo, o ponto central que orienta a discussão e que dividem as suas águas diz respeito à utilidade ou à inutilidade dos recursos decorativos empregados pelo narrador em sua tentativa de situar a ação do romance. Em outras palavras: até que ponto os signos verbais utilizados limitam-se apenas a caracterizar ou a irnamentar uma dada situação ou em que medida eles a ultrapassam, atingindo uma dimensão simbólica e, portanto, útil àquele contexto narrativo. O que é acidental e extrínseco à ação; o que lhe é essencial e, portanto, intrínseco? Qual é, enfim, o grau de organicidade/inorganicidade de um determinado elemento narrativo? Por esta razão, o autor considera que não se deve confundir espaço com ambientação. E que, para efeitos de análise, exige-se do leitor perspicácia e familiaridade com a literatura para que o espaço puro e simples (o quarto, a sala, a rua, o barzinho, a caverna, o armário, etc) seja entrevisto em um quadro de significados mais complexos, participantes estes da ambientação. Em outras palavras o autor assinala ainda que “o espaço é denotado; a ambientação é conotada. O primeiro é patente e explicito; o segundo é subjacente e implícito. O primeiro contém dados de realidade que, numa instancia posterior, podem alcançar uma dimensão simbólica” (DIMAS, 1987, p. 20). É nesta dimensão que Silva (1992, p. 711) entende que: O romance, como todo o texto narrativo, constrói e comunica sempre informação sobre uma ação, sobre um processo ou uma seqüência de eventos que são produzidos e suportados por personagens. Tal seqüência de eventos pode ser construída e transmitida ao leitor segundo técnicas discursivas muito variáveis. Esse processo é conhecido como diegese. A diegese do romance, segundo Silva (1992), não é apenas constituída por eventos que, na sua sucessão temporal e causal e nas suas correlações, configuram uma história com uma finalidade e um fim: A diegese é também constituída por personagens, por objetos, por um universo espacial e por um universo atemporal. No texto do romance, a parte importante da informação sobre as personagens, os objetos, o espaço e o tempo em que decorrem os eventos, é construída e transmitida por descrições. Embora a descrição funcione sempre como uma ancilla narrationis, a verdade é que pode facilmente encontra-se uma descrição isenta de elementos narrativos, ao passo que é muito difícil, senão impossível, existir um enunciado narrativo que não ofereça, por mínimo que seja, um conteúdo descritivo. Os elementos descritivos são indispensáveis para a construção do significado do romance como cronotopo (SILVA, 1992, p. 740). Desta forma, deixa claro o autor que o espaço narrativo pode ser a descrição de um macro-espaço telúrico ou sociológico, pode ser a descrição de um aglomerado populacional, rústico ou urbano, ou de uma área restrita desse aglomerado; pode ser a descrição de uma cada ou de um aposento. Isto se dá pela razão simples de que o que motiva e estrutura a descrição estão estreitamente correlacionadas com o ponto de vista ou a focalização adotada no romance. A responsabilidade da descrição pode ser assumida direta e explicitamente pelo narrador, que se comporta como um cicerone dotado de grande liberdade que vai mostrando ao leitor o que entende que este deve ver e apreciar. É o que acontece, em geral, com o narrador onisciente. Este tipo de descrição situa-se, como é obvio, fora da temporalidade subjetiva ou privada da diegese. Tal responsabilidade pode caber, porem, a uma personagem na qual resida, momentânea ou duradouramente, o foco narrativo. Neste caso, a descrição tem como referentes o espaço, os seres e as coisas que a personagem abarca com a sua visão. Ao contrário do que se verifica com o tipo de descrição anteriormente citado, esta descrição integra-se no tempo subjetivo da diegese. Para motivar e tornar verossímil uma descrição centrada numa personagem, o romancista pode utilizar diversos pretextos e artifícios: mudanças de luminosidade que obrigam ou convidam a personagem a reparar nos seres, nos objetos e nas paisagens; deambulação da personagem com conseqüente descrição do que vê durante a deambulação; situação da personagem ou na proximidade de uma janela que lhe permite ver o mundo exterior, ou num lugar morfologicamente adequada à visão de um grande espaço. Em qualquer caso, o narrador-cicerone ou a personagem, ambos são o centro em relação ao qual se estabelece a perspectiva da descrição e ao qual se encontram referidos na descrição.
REFERÊNCIAS
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DOIS POEMAS - CANÇÃO DE NINAR: É grande o mundo?/ - É grande. Do tamanho do medo. / É longo o tempo? / - É longo. Longo como o esquecimento. / É profundo o mar? / - Pergunte ao náufrago. / (O Tentador sorri, me acaricia os cabelos e me diz que durma.) XADREZ: Porque éramos amigos e às vezes nos amávamos, / talvez para juntar outro interesse / aos muitos que os dois nos obrigavam, / decidimos jogar jogos de inteligência. / Pusemos um tabuleiro frente a nós, / eqüitativo em peças, em valores, / possibilidades de movimentos. / Aprendemos as regras, juramos respeitá-las, / e a partida teve início. / Eis-nos aqui há um século, sentados, meditando / encarniçadamente / como dar a estocada última que aniquile / de modo inapelável e para sempre o outro. Poemas da poeta mexicana Rosario Castellanos (1925-1974).


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