sábado, abril 16, 2022

ÚRSULA LE GUIN, MÁRGARA RUSSOTTO, RACHEL CARSON, TAYLOR GATTO & RISOMAR FASANARO

 

 

TRÍPTICO DQP: Ladeirabaixo e nem aí... - Ao som do Piano Concert (2012) da pianista japonesa Yuki Murata. – É noite em pleno dia, um hoje a mais e tão assim, quase qualquer. Não apaguei nada, restou o embaralhado e inexplicável das coisas que nunca entendi direito. O que tivera de ser era imperceptível já passado e longe, sacramentado: não mais que uma quimera deslembrada, riscos no chão do tempo que pisadas e ventos trataram de apagar, monturos num sótão que não mais existe, porões removidos e eu no saguão de espera nenhuma de átrio desaparecido. No meio da barulhada infernal, entre os que vão e voltam nem aí, a voz da escritora estadunidense Úrsula Le Guin: É bom ter um objetivo para a jornada à frente, mas, no fim, o que importa é a jornada... Para ouvir, é preciso ficar em silêncio. Assim como ela tudo passa sem correspondência, não há como fruir da solitude: azáfama de escárnios, pipocos e peidos, escarros e agouros. O que guardei e se perdeu no esquecimento, o que fiz e não valeu mais que cinzas evaporadas, o que andei de não lembrar o percorrido, o que amei pra me socorrer de desalmados, o que fisgou meu coração e soltou a mão com o segundo aceno. E os que vêm e vão nem aí, eu voo.

 


De ontem para hoje, o mesmo será... - Lamber as feridas e lavrar as dores do corpo escalavrado, eis o que faço ao rasgar o peito para encontrar a raiz das asas perdidas, para quem antropófago Oswald fosse aos outros visto como Saturno devorando filhos para horror do Goya que sou diante da banalidade do mal de Arendt. E se a biologescritora estadunidense Rachel Carson (1907-1964) me diz: Até que tenhamos coragem de reconhecer a crueldade pelo que ela é - seja a vítima de um animal humano ou não humano - não podemos esperar que as melhores coisas vivam entre os homens vivos… Para cada ato que glorifica o prazer de matar, estamos atrasando o progresso da humanidade... O bem-estar futuro do homem e provavelmente até sua sobrevivência, dependem de ele aprender a viver em harmonia, e não em combate, com essas forças. Também o eco do Bill Mckibben não me deixa passar impune: Existe uma tendência em toda encruzilhada importante, mas difícil, de fingir que não está realmente lá. A lógica do desinvestimento não poderia ser mais simples: se é errado destruir o clima, é errado lucrar com esses destroços. É tudo muito difícil no meu país desembestado como o navio dos tolos na alegoria platônica: timoneiro tonto desqualificado disputa a bordo com tripulação disfuncional e normacha neopentec no inferno da repetição: empanturrada farra e tudo acaba em corrupção! Do impossível a sensatez feminina me recita trechos da poeta italiana Márgara Russotto: Ninguém falará / de mulheres anônimas / na poeira / do domingo / puxadas por infinitas crianças / que perscrutam a sombra / Nenhum homem / deve domar / a besta do domingo / seu carrilhão / no céu violeta... Ela ao meu lado ainda sorri e isso é bom, voo olhaberto.

 


Recinfância... – Imagem: Praia de Boa Viagem – Recife – PE, da artista plástica Cristiane Gomes. - Escancaradestrada e eu sem rumo nem nada. Entre desenganos e talhos, sobraram reminiscências doces da infância: a doce esperança de quem viveu e não tinha mais que escapar das reprimendas, menino solto pelas brechas dos combongós, buracos da fechadura, espelhinho no bolso para segredo embaixo das saias, as olhadas por cima do muro, a fuga dos flagras: os pés na areia, sargaço no olfato e o desfile das beldades pras ondas de Boa Viagem. E crescia com as badaladas no ouvido para que tomasse jeito de gente e vencesse na vida, quando eu nem sabia como ou o que era isso, só superava a mim mesmo. Dizia à vida: não se avexe, não sei dançar, passos lentos na paisagem. Já sentia ali o peso de milênios em que errava à toa, não havia nenhum gênio da lâmpada por guia nem mesmo espreitado o diabo na garrafa por revertério, andanças muitas e nunca achei paradeiro. O Recife sempre foi inteiro no meu coração, como se tivesse escrito na carne os versos de Risomar Fasanaro: aprendi com o rio / o tempo transforma / pedras em seixos... e o sorriso dela iluminou as minhas trevas para recitar baixinho: o que mais fica na gente / é a sensação das coisas / inacabadas... E bateu forte, meu coração aos pulos reencontrava a esperança de persistir vidafora céu&mar, coisa para viver e amar. Até mais ver.

 

O principal objetivo da educação real não é fornecer fatos, mas guiar os alunos para as verdades que lhes permitirão assumir a responsabilidade por suas vidas.

Pensamento do escritor e professor estadunidense John Taylor Gatto (1935-2018). Veja mais aqui, aqui e aqui.