sábado, abril 09, 2022

CHANDRA CANDIANI, CHRISTINA SOMMERS, JULIO PLAZA, DANI CARMESIM & MARIA OLIVEIRA

 

 

TRÍPTICO DQP: Noite abissal... – Ao som de Rosa dos ventos, de Chico Buarque, no show ao vivo Abraçar e agradecer (Biscoito Fino, 2016), da turnê comemorativa dos 50 anos de carreira de Maria Bethânia. – As luzes distantes, a meia lua quase minguante no que podia ser o zênite da minha solidão, estrelas perdidas e um quase desânimo, o que seria. O peso das pálpebras e dos anos no muque, no peito de nenhumesperança ainda pode ser amanhã e o que estiver por vir, nunca se sabe. Se Jacques Rancière me diz um tanto inaudito: Tudo é rastro, vestígio ou fóssil. Toda forma sensível, desde a pedra ou a concha, é falante. Cada uma traz consigo, inscritas em estrias e volutas, as marcas de sua história e os signos de sua destinação. A escrita literária se estabelece, assim, como decifração e reescrita dos signos de história escritos nas coisas. E eu entre estereótipos e os quadrados, quem pode ou não, quem degenerado no meio da multidão e nas cenas de Mandabi (1968), de Ousmane Sembène que insistia em dizer ao meu ouvido: O homem quer viver pela ideia que existe algo mais importante que ele mesmo, algo maior que ele mesmo. Ele precisa ter um sonho pelo qual possa viver, um sonho que ele possa se agarrar. Era a lição para falar qualquer brasil dos tupis que poucos sobreviveram. E não tivesse mais que a lição da antropóloga argentina Rita Segato: Porque nós aqui estamos diante de um culturalismo perverso, que nada mais é do que o fundamentalismo da cultura política do nosso tempo, inaugurada com a queda do muro de Berlim e a obsolescência do debate marxista, quando identidades, agora politizadas, tornaram-se a linguagem das disputas. Eu sei, no meu país a dor da noite abissal é muito maior.

 


Quase sinuca de bico... – Imagem: arte da artista Marianne Peretti. - A hora avança e não tenho para onde ir nem em que acreditar: o meu país é uma gangorra entre a indecência e tudo de araque no maior dos porres de pirlimpimpim, jeitinho sem-vergonha. A filosofescritora estadunidense Christina Hoff Sommers: A verdade trazida à luz do público recruta o melhor de nós para trabalhar pela mudança. Por outro lado, mesmo a "nobre mentira" mais bem intencionada acaba desacreditando a melhor das causas. E para quem entre crédulos das manadas sequer sabem de antinomias nem de oxímoros, muito menos do que se dissipa na cara lisa dos engravatados prestidigitadores fedestaducipais e dos cafundós do cipopau. Só me restava aquela do poeta & dramaturgo polonês Juliusz Słowacki (1809-1849): Sou grande, forte. A única fraqueza é guardar segredos no coração. A tristeza é um livro sábio que se tem no coração e que nos diz centenas de coisas - impede-nos de apodrecer como um cogumelo debaixo de uma árvore. Antes que tudo se vá, eu sei: o meu país é um buraco sem fundo e todos em queda livre...

 


Só restava o absurdo... – Imagem: arte da exposição Construções Poéticas (2012), do artista intermídia, escritor e professor espanhol Julio Plaza (1938-2003), ao som do álbum Resumo da Ópera (Independente, 2021) da cantora e compositora Dani Carmesim. Ela sempre reaparece, não sei quando nem como, do inopinado. Sequer notara de repente uma das bonecas da atriz, bonequeira, cantora e bibliotecária Maria Oliveira, aquela mesma que fundou a Cooperativa Teatral Boca de Forno, agora na Companhia Artística Mamulengos e Catrevagens (2000) e figura no Catálogo do Mamulengo Pernambucano (Funcultura, 2019), de Romildo Moreira, Fabio Caio, Alexandre Albuquerque e Hans Von Manteuffel. Pois é, astúcia demais. Só a descobri por conta do choramingado. Sim, vivinha da silva, uma boneca falante e chorosa no meu sonho mamulengo. Coitando de mim... Acho que estou variando de vez! Ao me aproximar ela disse da sua solidão, das coisas que perdeu e tudo o mais. Uma hestória e tanto! Quase não consigo tornar a vê-la além do que realmente era: tragédias, perseguições, traquinagens, perdições. Até conversa para boi dormir. Pois foi: contou coisas de outro mundo, e dos últimos dias dos que se acabaram e das coisas dos que estão longe demais que nem dá direito para imaginar. Quando nem bem amanhecia, já sonolento, ela me recitou um verso da poeta italiana Chandra Livia Candiani: O rosto é muito solitário, / então está sempre de frente /e invisível para si mesmo. Admirei-me, era a própria em carne viva com outro verso: Eu acaricio o silêncio. O silêncio – que você me manda – você. Ah! Não podia imaginar: o que resta da loucura é apenas viver. Inté mais ver.

 


Transmitir é retomada, vida, invenção e renovação, um modo sem o qual o pensamento revelado, ou seja, o pensamento autenticamente pensado, não é possível.

Trecho extraído da obra The Burnt Book: Reading the Talmud ( Princeton University Press, 1998), do filósofo e biblioterapeuta francês Marc-Alain Ouaknin. Veja mais dele aqui. Mais Educação aqui. E mais aqui.