quinta-feira, setembro 24, 2020

SCOTT FITZGERALD, EDNA O’BRIEN, LIPOVETSKY, FRANÇOISE SAGAN, ELEANOR CATTON, ELZA COHEN & LUIZ MARINHO


  

DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... ANÁBASE VERTIGINOSA - No meio do caminho, escuridão vertiginosa. Tantos degraus vencidos. Um vulto irreconhecível, encostado num dos cantos, acendeu um cigarro: Subindo? Sim. E me contou que havia descido há tempo, não se sentia bem nem lá em cima, nem cá embaixo, preferia a solidão entre meios. Pude reconhecê-lo com a claridade, era Francis Scott Fitzgerald: A vida é toda um processo de demolição. Existem golpes que vêm de dentro, que só se sentem quando é demasiado tarde para fazer seja o que for, e é quando nos apercebemos definitivamente de que em certa medida nunca mais seremos os mesmos. A vitalidade é demonstrada não apenas pela persistência, mas pela capacidade de começar de novo. Nunca desejei que houvesse um Deus para invocar - desejei frequentemente que houvesse um Deus para agradecer. Ouvi-lhe cada palavra, mais ainda o seu silêncio. Afastou-se sem se despedir. Respirei fundo para retomar minha escalada e uma jovem e bela mulher pousou ao meu lado. Falou-me de sua catábase, apenas por experiência, logo voltaria. Encantado, não consegui identificá-la. Apresentou-se e era a escritora neozelandesa, Eleanor Catton: A terra era apenas para viver e amar. Todos nós queremos ser amados... E precisamos ser amados, eu acho. Sem amor, não podemos ser nós mesmos. A mente acredita no que vê e faz aquilo em que acredita: esse é o segredo da fascinação. Estranhei o tempo verbal da primeira frase, mas não havia tempo para questionar. Ela apressou-se com um beijo, e já se esgueirava na descida, anunciando que logo voltaria, se eu quisesse esperar. Deu-me um aceno de adeus, quase refiz tudo por ela. Era hora de ascender.

 


DUAS PALAVRAS & MUITOS TEXTOS – Da obra da premiada dramaturga e escritora irlandesa Edna O’Brien, conheci a peça teatral Virginia (Theatre Royal, 1981) – muito embora soubesse de uma adaptação de Ifigênia, escrita especialmente para o palco do Crisol em Sheffield em 2003, e de outras mais dum volume reunido -, como também dos romances da trilogia The Country Girls (1960), do livro de memória Mother Ireland (1976), da rumorosa biografia James Joyce: a life (1999) e da aclamada biografia Byron in love (2009). Dela, o belo pensamento: A escuridão é atraída pela luz, mas a luz não o sabe; a luz deve absorver a escuridão e, portanto, encontrar a sua própria extinção. Em nossos momentos mais profundos dizemos as coisas mais inadequadas. Todos nós nos deixamos. Morremos, mudamos - é principalmente mudança - superamos nossos melhores amigos; mas mesmo se eu te deixar, terei passado para você algo de mim mesmo; você será uma pessoa diferente por me conhecer; é inevitável... Leitura em dia, retomo meu percurso, a estrada é longa e fragal.

 


TRÊS PASSOS PARA ASCENÇÃO DO AMOR - Imagem: arte da fotógrafa, videógrafa, produtora cultural e curadora musical, Elza Cohen: Fotografar é expressar em forma de imagem a minha paixão pela diversidade humana. É praticar empatia e o ativismo social que me são inerentes. - Aos quatro cantos e ventos minha vida entre sombras, voos e interrogações: emoções indeléveis, pecados e trevas. Padeço de fome e sede, o que há em mim, vem com o apuro de Françoise Sagan: Desejo tanto que respeitem a minha liberdade que sou incapaz de não respeitar a dos outros. Para mim, a felicidade, é acima de tudo sentir-se bem. Amar não é somente querer, é sobretudo compreender. Amei até a loucura. O que chamam de loucura é, para mim, a única forma sensata de amar. Nem bem assimilo suas palavras, do outro, a inesperada consideração de Gilles Lipovetsky: Na verdade, qual idealização é capaz de se manter, qual sonho pode persistir indefinidamente, quando confrontado com a precariedade natural dos seres e a monótona cantilena da eterna repetição das coisas? Quanto mais os indivíduos são informados, mais se encarregam de sua própria existência, mais o Ego é objeto de cuidados, de autossolicitudes, de prevenções. É de se refletir... Não sei de ódio, aminimigos, perplexidades! A despeito de intolerantes, a cada qual, as trevas dos seus próprios desejos. Da minha parte, cabeça a mil e pés na terra, vivo a fonte de todas as coisas. Até mais ver!

 

CORPO CORPÓREO / A ESTRADA, DE LUIZ MARINHO



[...] Por esta porta foram-se todos os meus bens... eram simples de boa alma! Ah! Esta casa!... esta casa era uma sinfonia perpétua! Sabe?... Depois que Olívia se foi, não mais fiz sexo. O prazer da carne, já não me toca! Minha excitação, é-me absolutamente indiferente! As poluções noturnas, me são odiosas! Manifestam-se sem sonhos nem estímulos, chegam como indesejáveis e repugnantes vômitos. Eu, apenas existo, como existe uma pedra... Um argueiro... Duramos, apenas... Já não saio paraa o mundo... Meus passos limitam-se até aí nessa soleira... Todos os dias vem um mensageiro, trazer o que necessito. Sabe que não pode entrar, nem esquecer o vinho. No recanto dessa porta, fica dinheiro bastante para lhe prover. Nós não nos simpatizamos, mas, somos necessários um ao outro. [...].

O mensageiro, trecho extraído da obra Corpo corpóreo / A estrada (Comunicarte, 1995), do premiado dramaturgo Luiz Marinho (1926-2002). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.