quarta-feira, agosto 26, 2020

CORTÁZAR, EDUARDO GALEANO, AGRIPPINA VAGANOVA, APOLLINAIRE & MARACATU


DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... ANDANÇAS, ERRÂNCIAS... - Não há outra coisa a fazer do que rever o feito diante do futuro que só tenho neste exato momento, ou nenhum. Ou seja, ruminar o que fiz ou deixei de fazer. Sei, a primeira vez que larguei o pé no mundo, não lembro, acho, aos dez anos: bigodinho precoce segurando a venta sobre os beiços, uma baforada contra o vento, uma espiada pela fresta da porta de uma delas, uma lapada de dois dedos no copo, era tudo que não podia e coragem no gole, vontade além da conta – era a minha contribuição para sobrecarga da Terra. Fiz e refiz, peito estufado, menino-homem, ah, se era. Fui e tantas vezes regressei dali em diante, andejo, nariz empinado em qualquer direção, carregado de lembranças e sonhos, estrada afora, jornada de muito, até agora. Nesse curso, bem lembrou Julio Cortázar: Cada vez irei sentindo menos, e, recordando mais. A memória é um espelho que mente de forma escandalosa. Fabulação à toa, aos montes, contei no amiudado do tempo corrido, e ele também me falou das andanças de dedos na caneta pro papel: Escrever é uma luta contínua com a palavra. Um combate que tem algo de aliança secreta. De fato, rabiscos e reminiscências, outras tantas garatujas de rememorações. Acabei de crer: sou um sujeito de esquecimentos e recordações involuntárias, parece mais corda repassando fatos uns por sobre outros, imagens tantas do que fui e nem sou mais, vou nessa, muita trilha pra tirar.


DUAS PASSADAS, CAMINHOS, PARAGENS... - Quanta estrada, abundantes histórias, de umas e outras inventadas, quantos envultamentos, maiores assombrações. Oriunda das crendices, coisas que foram ficando, e no meio de algumas delas identificadas patranhas emergentes. Na maior parte, metáforas cuspidas da sabedoria. Disso Eduardo Galeano me disse: Os contadores de história, os contadores de história, só podem contar enquanto a neve cai. A tradição manda que seja assim. Os índios do norte da América têm muito cuidado com essa questão dos contos. Dizem que quando os contos soam, as plantas não se preocupam em crescer e os pássaros esquecem a comida de seu filhotes. Sim, só aqui não tem neve e a coisa pinta assim no pingo do meio dia. Já vi gente contar cada uma de parar o tempo, a correnteza do rio, tudo paralisado, e a gente tremendo de medo. Com efeito, de menino até crescido, no pé do ouvido, lá barulhava recorrentes narrativas dos da terrinha – coisas de antanho, do arco da velha -, da minha avó esquecida do acalanto, malsinações, encantamentos, dos aboios dos vaqueiros e das toadas dos matutos sabidos, coisa da boa dos prazeres da Literatura de Cordel e dos alfarrábios do Cascudo. Ah, coisa mais maior de grande no coração.

TRÊS PEGADAS, DESTINOS, VISAGENS... – Imagem: a bailarina e pedagoga russa Agripina Yakovlevna Vaganova (1879-1951), pelo fotógrafo tcheco František Drtikol (1883–1961) – Sou muitas histórias, sim sou, daquelas indefinidas, intermináveis – coisa de quem tomou água de chocalho, de soltar lorota de manhã e bater a língua nos dentes tarde afora, emendar tagarela noite adentro e no final ainda perguntar: quer outra, ah, hahahahahaha. É muita corda prum Pinóquio da ventriloquia, feito Nitolino no Circo Itinerante. Ainda conto inúmeras, para cima e para baixo, indo e voltando, quase infinitas porque ainda tenho não sei quantas ainda para contar. Como aquela em que ela, tal Agrippina Vaganova, linda, nua, maravilhosa, bailou no meu prazer. Coisa de jamais esquecer! Ah, ela, para sempre inesquecível! Mesmo que Guilhaume Apollinaire insista no verso: Vamos passando, passando, pois tudo passa / Muitas vezes me voltarei / As lembranças são trompetas de caça / Cujo som morre no vento. Vamos, vamos mesmo, vambora. Dos passos nódoas de um enorme passado, fuga da memória e paisagens limítrofes, ave de arribação. Qual o quê, as mãos expressam o dia do desiderato, o que sou nesta terra que me fez. No meu corpo as dores de moedas inválidas, excesso de chão na sola dos pés, caminhos, destinos, paragens. A gente tem que ir, fomos feito pra isso, seguir e viver. Carpe diem! Até mais ver.

MARACATU DE BAQUE SOLTO
Apesar da pobreza em que há tanto tempo se debate o Nordeste, do ponto de vista da Cultura do nosso Povo tem uma força que me comove e alenta. [...] e chama que temos o dever legal aos que se seguem, renovada e recriada para expressar nosso país, nosso povo e nosso atormentado e glorioso tempo.
Trechos do prefácio de Ariano Suassuna para a obra Maracatu de baque solto (Quatro Imagens, 1998), de Pedro Ribeiro e Maria Lucia Montes, tratando sobre a cana, os brincantes, a festa, maracatu e maracatus, no cenário dos municípios de Carpina, Nazaré da Mata, Aliança, Igaraçu, Vicência, Tracunhaem, Pau d’Alho, Araçoiaba, Glória do Goitá, Lagoa de Itaenga, Feira Nova, Lagoa do Carro, Buenos Aires, Chã da Alegria, Goiana, Itaquitinga e Condado, em edição bilíngue e fartamente ilustrado. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.