NÃO É MENTIRA NÃO! - Joãodito contava das suas pabulagens, petas a granel. Dizia lá das suas
sem maledicências. Só que Sinedônio, um ricaço de maus bofes encarava tudo aquilo
de soslaio. Já tinha ouvido tantas do gabola, de prestar atenção amiudada,
desconfiando das narrações. Só que ao final da patranha, Joãodito sempre dizia:
Só Deus e nada mais. Aquilo foi enchendo o saco, quase esborrando da paciência
do Sinedônio e demais presentes que queria pegá-lo na virada, desmascarando-o.
Bastou Joãodito contar que, um dia, ansioso por mel, bastou dar um tiro a
mesmo, dele entrar no pé do maluvido do tijolo, sair no mocotó da parede, tirar
um fino na placa da academia, atravessar o toitiço do poste e bater no pé da
goiabeira de varar o enxame e cair o delicioso líquido bem no copo em que
segurava. Ah, não faltou apupo no recinto. Todos levavam na conta da
charlatanice E ele: Só Deus e nada mais! Daí dizer que isso não era nada perto
do tempo que bateu um liseu, dele ter que fazer um trato com o diabo, de vender
a alma num acertado com prazo e tudo para xis tempo depois. Na véspera do
vencimento, ele sem saída, coçando o quengo, contou tudo pra mulher dele, dona
Maricotilda, dela providenciar uma pintura de piche por todo corpo e ficar nua,
toda escancarada esperando o tinhoso. Quando o coiso apareceu, assustou-se: Já
vi de tudo, mas dessa é a primeira vez! O maldito olhou, tocou, conferiu, foi
provar e se envultou de nunca mais aparecer para atanazar o coitado depois que
ela se mexeu e fez o sinal da cruz. Joãodito não pestanejou: Só Deus e mais
nada. Ninguém entendeu direito, mas o burburinho das mangações não parou,
deixando a coisa por suspeita, maior patranha. Foi aí que Sinedônio encarou
Joãodito em riba da fivela: Olhaqui, seu fiduma lasqueira, tome aqui esse anel,
dezoito quilates, guarde-o até eu pedi-lo, se não tiver com ele, eu vou matá-lo,
seu paidégua. Podexá, guardo pra você. Apalavrado. Joãodito foi, chegou em casa
e mandou a esposa guardar para ele, para o dia que o Sinedônio pedisse, jurado
de morte se não tivesse mais com o utensílio para devolvê-lo. Isso foi. Dias depois,
Sinedônio armou das suas: mandou um capataz procurar Maricotilda para comprar o
anel com uma fortuna em dinheiro vivo. Foi lá e pelejou, ela nada. Mostrou a
dinheirama toda, ela cresceu os olhos, arredia, findou cedendo e entregou. O
capataz voltou pra Sinedônio que saiu para o meio do rio numa canoa, sacudiu o
anel lá, na parte mais funda da correnteza, e voltou para mandar ver no
caviloso. Agora queria ver, cruzeta da peste. Aí Sinedônio foi lá, chamou todo
mundo, contou tudo e mandou buscar Joãodito que apareceu tão logo recebeu o aviso.
Diga lá. Dê-me cá meu anel! Agora mesmo. Foi em casa pediu a esposa, ela
entrgou-lo e ele assim o fez, devolvendo ao seu dono. Peraí, rapaz! Só Deus
nada mais. Como é que pode? Pode o quê? Mande chamar dona Maricotilda aqui. Ela
veio. Sinedônio começou o inquérito na frente de todo mundo: Ô dona
Maricotilda, a senhora vendeu ou não vendeu o anel? Vendi. E como é que ele
está aqui? Ah, eu não te conto, foi assim: meu marido me deu o anel para
guardar e foi pescar. Aí apareceu esse seu moço aí querendo comprar, eu não
queria vender, mas ele insistiu tanto com um molho de dinheiro de cair de
costa, depois de muito peiticar, findei e vendi. Fiquei cheia de remorsos e
quase tenho um troço quando vi o Joãodito chegar com um peixe grande, bonitão,
para eu tratar e saiu. Mal comecei a passar a faca no bichão, meu marido chegou
pedindo o anel de volta, oxe, só deu tempo de eu passar a peixeira e o anel
pular de dentro do peixe na minha mão, pronto, entreguei-lo, tá aí na sua mão e
fim de papo. Ah. Ovação geral. Aí Joãdito não deixou por menos: Só Deus e mais
nada. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS:
[...] a terra é, de fato, um sistema
vivo, um amálgama globalmente pulsante de organismos e do mundo físico
“inanimado” [...] O que é
vida? Esta é, sem dúvida, uma das mais antigas perguntas que existem. Nós
vivemos. [...] A vida – desde as
bactérias até a biosfera – mantém-se ao produzir novas quantidades dela mesma.
[...] a vida – não só a humana, mas a
vida em geral – tem liberdade de ação e desempenhou um papel inesperadamente
grande em sua própria evolução. [...] A
vida – tanto no aspecto local, como corpo de animais, plantas e micróbios, quanto
no plano global, como a biosfera – é um fenômeno material sumamente complexo.
Ela exibe as propriedades químicas e físicas habituais da matéria, ma com um
toque diferente. [...] A vida se
distingue não por seus componentes químicos, mas pelo comportamento desses
componentes. Assim, a pergunta “o que é vida?” é uma armadilha linguística.
Para responde-la de acordo com as regras gramaticais, devemos fornecer um
substantivo, uma coisa. Mas a vida na Terra assemelha-se mais a um verbo. Ela
conserva, sustenta, recria e supera a si mesma. A visão autopoética da vida
difere dos ensinamentos padronizados da biologia. [...] os seres orgânicos e o meio ambiente
acham-se entrelaçados. [...] a vida
não existe na superfície da
Terra, mas é a superfície da
Terra. A vida estende-se sobre o planeta como uma cobertura contígua mas móvel,
que assume a forma da Terra subjacente. [...] a vida aviva o planeta; a Terra, num sentido muito real, é viva.
[...] Os organismos são [...] comunidades de corpos que trocam matéria, energia
e informações entre si. Cada inalação de ar nos liga ao restante da biosfera,
que também “respira”, embora em ritmo mais lento. Considerada em sua extensão
fisiológica máxima,a vida é a
superfície planetária. [...] Portanto, o que é vida? É um processo
material, que peneira a matéria e desliza sobre ela como uma onda estranha e
lenta. É um caos artístico controlado, um conjunto de reações químicas
desnorteantemente complexo, que produziu, há mais de 80 milhões de anos, o
cérebro mamífero que hoje, sob a forma humana, redige cartas de amor e usa
computadores de silício para calcular a temperatura da matéria na origem do
universo. A vida, além disso, parece estar prestes a perceber, pela primeira vez,
seu lugar estranho mas verdadeiro num cosmo em inexorável evolução. A vida
fenômeno local da superfície terrestre, na verdade só pode ser compreendida em
seu meio cósmico. [...] Para
funcionar, a biosfera requer a diversidade microbiana; para nos sentirmos inteiros
e à vontade, quase todos nós ansiamos pela variedade da natureza. [...] Os seres humanos atuais estão claramente
ameaçados pela extinção de muitos de nossos companheiros de planeta, antes
mesmo que a ciência consiga descrevê-los. [...] Que o excesso é natural, mas perigoso, nós aprendemos com os ancestrais
fotossintéticos das plantas. [...] Os
seres humanos não são espécies e independentes, mas parte de um continuum de vida que circunda e
abarca o globo. [...].
Trechos extraídos da obra O que é vida? (Jorge Zahar, 2002), da bióloga e
professora Lynn Margulis, autora da teoria da endossimbiose, segundo
a qual a mitocôndria, um organismo separado que teria entrado em simbiose com
células eucarióticas.
O TEATRO DE STRINDBERG
[...] CRISTINA - E perdeu alguns milhares de ducados, não é?
Permita-me cobrir suas perdas... KLAS TOTT - Não, Majestade, eu não posso! -Não
posso aceitar dinheiro de uma mulher... CRISTINA - Eu não sou mulher... KLAS
TOTT - Sim, e nem mesmo de uma rainha... CRISTINA - Eu não sou rainha também,
pois não sou de nenhum rei; eu fui proclamada rei, Tott não se recorda? [...]
Trecho da cena do I Ato da peça Cristina (Cone Sul, 2001), do dramaturgo, escritor e ensaísta sueco August
Strindberg (1849-1912), contando sobre a rainha
sueca Cristina (1626 -1689), peça escrita em 1901, seria recusada de teatro em
teatro para apenas estrear em 1908, no Intima Teater. Em suas Cartas Abertas para o Teatro Íntimo,
Strindberg escreve: “uma mulher criada
para ser um homem, lutando por sua sobrevivência, contra sua natureza feminina
e por fim sucumbindo a ela”. Outras peças teatrais traduzidas do autor: Crimes
e Crimes (Edusp, 1999), Dança da Morte (Veredas, 2005), Sagas (Hedra, 2006),
Gente de Hemsö (Hedra, 2009), Senhorita Júlia e Outras Peças (Hedra, 2009), Inferno
(Hedra, 2009) e A Sonata dos Espectros (L-Dopa, 2010). Veja mais aqui, aqui,
aqui & aqui.
A ARTE FOTOGRÁFICA DE ESTHER TEICHMAN
A arte
da fotógrafa e artista visual alemã Esther
Teichmann. Veja mais aqui.
&
A OBRA DE RUBEM FONSECA
O pecado é mais saudável e alegre do que a
virtude. Aqueles que trocam o vício pela beatice tornam-se velhos feios e
desagradáveis.