quarta-feira, fevereiro 13, 2019

UMBERTO ECO & O ÍNDIO, JULIE GAUTIER & MANIFESTO NEOCORDELISMO, O PAPA-FIGO & A VIÚVA ALMA PENADA


O PAPA-FIGO & A VIÚVA ALMA PENADA - Antes de sumir do mapa, contam desde os mais velhos aos meninos mais tagarelas que nem tiraram a catinga do mijo ainda, afora os fantasmas que ainda zanzam por aí jogando conversa fora nas horas mais escuras de lua cheia, que Alagoinhanduba fora, ao longo dos tempos, sujeita a todo tipo de provação – isso ninguém sabe se lorota ou de vera, mas contadas amiúde. Foram acontecências recorrentes, por exemplo, como a de fogo – deu-se tantas vezes de um raio ineivado rachar árvore dela incendiar causando labaredas devastadoras, torrando tudo de não sobrar vivalma. Um ou outro sobrevivente desses acontecimentos funestos, quando não os próprios defuntos que ressuscitavam com a missão de repovoar o lugar, contam e descontam. Assim se deu com água, enchentes diluvianas arrasaram de levar tudo na gritaria das correntezas, batizando todo terreno e a mundiça toda cachoeira abaixo. De vento, ventanias de soterrar todo mundo chão abaixo, de ressurgirem tudinho dos galhos, pedras, coisas. E a cada uma dessas desditas, sempre ocorria o repovoamento, até desaparecer de vez de uma convulsão da terra para nunca mais. Mas antes desta última, reiteram nas conversas de sala, de bares, salões, esquinas e recantos, tantas outras calamidades, de gente que se envultou e se tornou malassombro, de botijas encantadas, de bichos correndo solto, de lápides com vultos esvoaçantes, coisas que desapareciam e tornavam a reaparecer assim do nada, pesadelos que viravam coisas reais, imagens que se transformavam nos espelhos e sombras, luzes que passeavam entre os viventes, gemidos e risadas ocultas que vinham ninguém sabia de onde, episódios recontados dos truques e delírios do sobrenatural que ninguém sabia explicar. Um dos mais repetidos à língua solta é o de uma moça bela e cobiçada, filha de um rico boticário que fabricava remédios que curavam todo tipo de doença e que, nas horas vagas e em dias de feira, se apresentava como poeta cordelista no meio da rua para vender suas invenções. A moça, dizem, era realmente vistosa, alta, corpuda e sedutora, porém não falava nem dava um riso pra ninguém. Vivia trancada com seus livros e, vez ou outra, aparecia na janela ou na porta da botica, sem dar conta das coisas e seres. Eis que um dia surge um galegão desses de dois metros de altura, todo arrumado e com pinta de galã de cinema, cheio das conversas de gringo, enfeitiçou o coração dela e roubou-la dali numa madrugada invernosa. O assunto foi manchete para todo tipo de conversas e fofocas. Tempos depois a moça reaparece branquelona e vestida de preto de fazer arrepiar por onde passasse até quem já tivesse morrido. Quase todo dia, na boquinha da noite, ela saía de casa de ninguém vê-la retornar, e se ouvia só uns uivos atribuídos a um Papa-figo que aparecera depois do seu regresso. Sabiam todos que ela saía todo dia no mesmo horário, antes da hora do ângelus, e vigiavam a volta dela todo o tempo, só se via mesmo a saída dela, coisa curiosa que levantou os pelos, cabelos e curiosidades de todos. Armou-se vigilância e perseguição, até se deparar com aquela alma penada, lá nos cafundós da lonjura, à beira da pedraria do rio, acariciando um ser estranho, o Papa-figo, ajeitado ao seu seio, por horas. O bicho ao dar conta da presença de estranhos na redondeza, botava todos pra correr pé-na-buda pernas-pra-que-te-quero, de ninguém nunca mais querer voltar lá por nada nesse mundo, nem passar por perto. Assim o local ficou conhecido como o canto do Papa-figo e da Viúva alma penada. Lugar desse não pode passar em branco, né? © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS
Uma vez que o futuro das nações indígenas parece estar selado, a única possibilidade de carreira para o índio jovem desejoso de ascender socialmente é aparecer num western. Para tanto, fornecemos aqui algumas instruções essenciais essenciais cobrindo toda gama de atividades, tanto pacíficas como belicosas, necessárias ao jovem índio para qualificar-se [...] Nunca atacar de surpresa: fazer-se notar ao longe, com alguns dias de antecedência [...] fazer-se notar em pequenos grupos na crista dos morros circundantes. [...] Deixar sempre vestígios evidentes de sua passagem [...] Respeitar sempre o princípio segundo o qual os índios só atacam de dia. [...] Usar rifles cujo funcionamento se desconhece comprados em mãos de mascates desonestos. Empregar sempre um tempo excessivo para carregá-los [...] Emergir no momento exato em que a mulher branca já tiver assinalado sua posição a um atirador de elite. Depois de alvejado, jamais cair para dentro da área do forte, mas de costas, para o lado de fora. Disparando de muito longe, pôr-se em evidência no ponto culminante de um morro, de modo a cair para a frente quando for atingido, espatifando-se nas rochas subjacentes. Em caso de confronto direto, demorar-se bastante na mira. [...] Em caso de ataque à aldeia dos índios, sair das tendas da maneira mais confusa possivcl, e correr em direções opostas procurando pegar as armas que terão sido previamente guardadas em lugares de difícil acesso. [...] Ao pular do alto sobre as costas de um branco, brandir a faca de maneira a não feri-lo imediatamente, permitindo o corpo-a-corpo. Esperar que o branco se vire de frente.
Trechos de Como ser um índio, extraído da obra O segundo diário mínimo (Record, 1994), do escritor, filósofo e bibliófilo italiano Umberto Eco (1932-2016). Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE JULIE GAUTIER
No curta-metragem Ama (2018) da artista, cineasta, bailarina e coreógrafa francesa Julie Gautier, que é mergulhadora e campeã de apneia na especialidade de peso constante, ela dança por seis minutos a 40 metros de profundidade, inspirada nas japonesas que coletam pérolas no mar, numa prática milenar e quase extinta. As amas, palavra que significa mulher do mar em japonês, mergulham sem equipamentos e compartilham valores como apoio mútuo e o amor pelo oceano. Veja mais aqui.

MANIFESTO NEOCORDELISMO
O Manifesto Neoccordelismo concebido pelos poetas cordelistas Cárlisson Galdino e Zé de Quinô, considera que a literatura de cordel é toda obra de poesia popular nordestina, que tenha forte vínculo com os estilos da cantoria popular ou deles derivados, ou adaptados. É direito do artista criar. Tanto no conteúdo, quanto na forma. Assim, a própria estrutura pode ser repensada. Convidamos todos a experimentar novas formas de escrever cordel e novos cordéis. Podemos usar elementos de outros gêneros literários e criar novas derivações e novos conceitos. Este Manifesto que se encontra disponível em sua inteireza aqui, conta com o paoio e contribuições de participantes do Laboratório da Rima, e trata sobre um novo cordel, que respeita o antigo mas olha para o futuro, entendendo a Literatura de Cordel como cultura e, por isso, viva! O que significa que se mexe, se molda e se expande.
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