sábado, maio 10, 2014

AGNÈS VARDA, DIANA GABALDON, GABRIELA WIENER, NGŨGĨ WA THIONG'O & NANDO LAURIA

 


QUEM É ELA DAS 5 ÀS 7 – Ela era Florence, a menina no quintal da primavera. Quando era verão ela tinha sonhos na brisa onírica, o espelho a fazer-lhe protagonista para transformar-se em Cléo Victorie. E se viu como Níkē tes Samothrakes, moldada pelos deuses para ser simplesmente a deusa Nice nas ruínas do santuário. Bailava pra si como se fosse a Cléo de Mérode, reinava como se fosse Cleópatra aos egípcios, era como se entoasse Caetano, pronta pra cantar. E sabia: enquanto bonita viveria para sempre. A beleza estonteante, um misto entre angelical e demoníaco, envolventemente sedutora a atrair além dos olhares mais cobiçosos e até desavisados. O talento abundante na voz magnética tocando fundo o coração alheio, o jeito elegante do canto, os meneios do corpo, o olhar penetrante, as poses da magia atrativa cativando reféns nos quatro cantos do mundo. Ninguém poderia mais saber de sua infância e nem de sua adolescência inquieta. Fez-se apenas bela apagando o passado pra um futuro mais que promissor e agora, o apogeu da glória e todos aos seus pés. A vida lhe dera a maior das grandezas, redimindo o que vivera, tudo de mal sucedido ficara apenas pra trás, devidamente enterrado para nunca mais. O tempo se fez outro: tons e danças, dias e sucesso, glamour e êxito, tudo dava certo e pra sempre dará. O mundo todo é a plateia a mimá-la com bens e aplausos, ampliando a consquita por novos espaços e caminhos além das gratidões. Sabia: quando se cai na graça, tudo só pode dar certo. Há sempre uma mão pra servir, há sempre quem queira colaborar, há sempre um ombro e nenhuma dificuldade, todos os entraves são removidos num instante, etapas que apagam os óbices superados. A vida é um mar aberto, nada a deter. A vitória vira constume de tão usual, basta estalar o dedo e tudo se transforma. O mundo é feliz e é para todos, o seu sorriso em todas as direções, o seu olhar para todos os admiradores, o seu dom além das fronteiras. A vida é magia. Lá se vão décadas, o espelho é outro, orbitam as cartas da cartomante e não fosse um simples exame aplacar essa onírica situação, suspeitando-se de doença terminal que aterroriza sua beleza suprema, que enfrenta seu canto enfeitiçante, que coage seu corpo sedutor, que ameaça seu jeito cativante, que alarma sua vida vitoriosa. A jovem falante que lhe diz do futuro, ela se via e era vista. A impaciência e o choro com Angèle no café e se vê condenada no que de frívola se fez como o chapéu de pele preto em plena terça-feira, pelo qual será admoestada que não é de bom alvitre. Observa os olhars e são todos distantes, sabia: amam a deusa, nunca a mulher porque pode ser vencida por um malefício qualquer. Amam a sedutora artista, a magnífica cantora, a estonteante fêmea no palco, nunca a que foi vencida ou na precisão. A que sempre está na predileção, não a que pode ser surpreendida por infortunios, mas a imagem vitoriosa. O trânsito e a vida giram, insinuam suicídio. O táxi direto pro ensaio em casa – o rádio a tocar uma de suas músicas enquanto a guerra retumba na Argélia. Isso causa-lhe enjoo, dificuldades pra respirar, quase ao desespero. Um beijo apenas e o amor se vai com promessa pra sexta: Sans toi. Atormentada por ser apenas explorada como uma marionete no esquema industrial. Melhor sair e dar de cara com o artista de rua engolindo sapos, uma ficha no jukebox: a sua música, nenhuma reação dos presentes. Melhor Dorothée expondo-se nua pra escultores. Jamais se permitiria esta exposição, seria imortalizada acaso fosse a Florence de Botticelli. O passeio de carro pelas ruas de Paris, a cena dos beijos de Godard & Ana Karina, a morte é só vista pelos óculos escuros, a realidade é outra: é só tirá-los. O espelho quebrado não quer dizer nada, ora. Apenas um homem morto no café. O Parc Montsouris: a vida é uma escadaria com declive interminável. Agora ela vê e não é vista. Lá está Antoine no dia mais longo do ano, enquanto muitos são mortos por nada na guerra. Ela canta e se sente só. Fugir para onde não há, agora é como se Corinne Marchand tivesse consciência de si própria: o cartaz do filme com seu nome e efígie. Sentam-se no banco dos jardins do hospital, aguardam o resultado da biópsia: a angústia da enfermidade. Enfim, o medo de morrer desaparece e até pode dizer que está feliz, aceitou sua mortalidade. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Você tem que inventar a vida. Se abrissemos as pessoas para cima, encontraríamos paisagens. A ferramenta de cada autorretrato é o espelho. Você se vê nele. Transforme-se para o outro lado, e você vê o mundo. Humor é uma arma tão forte, uma resposta tão forte. As mulheres têm que fazer piadas sobre si mesmas, rirem sobre si mesmas, porque elas não têm nada a perder. Pensamento da cineasta, roteirista, fotógrafa e artista belga Agnès Varda (1928-2019), diretora de filmes como Cléo de 5 a 7 ‘(1962), Les demoiselles ont eu 25 ans (1988) e Quelques Veuves de Noirmoutier (2006), entre muitos outros documentários, curtas e longas. Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Palavras escritas também podem cantar. A condição das mulheres numa nação é a medida real do seu progresso. Se a pobreza fosse vendida hoje por três centavos, não posso comprá-la. Comigo, é melhor nunca do que tarde... Pensamento do escritor e dramaturgo queniano Ngũgĩ wa Thiong'o.

 

VIAJANTE DO TEMPO – [...] Pois onde está todo amor, falar é desnecessário [...] Não tenha medo. Somos nós dois agora. [...] Vós sois Sangue do meu Sangue e Osso dos meus Ossos, Entrego-vos o meu Corpo, para que nós Dois possamos ser Um. Eu lhe dou meu Espírito, até que nossa vida seja concluída. [...] Eu mesmo posso suportar a dor, ele disse suavemente, mas não poderia suportar a sua. Isso exigiria mais força do que eu tenho. [...] Eu tive uma última tentativa. "Incomoda você que eu não seja virgem?" Ele hesitou por um momento antes de responder. "Bem, não", disse ele lentamente, "desde que não te incomode o fato de eu estar." Ele sorriu diante da minha expressão de queixo caído e recuou em direção à porta. “Acho que um de nós deveria saber o que está fazendo”, disse ele. A porta fechou-se suavemente atrás dele; claramente o namoro havia acabado. [...] Há coisas que não posso lhe contar, pelo menos ainda não. E não pedirei nada de você que não possa me dar. Mas o que eu gostaria de pedir a você é que quando você me disser algo, que seja a verdade. E eu prometo a você o mesmo. Não temos nada entre nós agora, exceto respeito, talvez. E acho que o respeito talvez tenha espaço para segredos, mas não para mentiras. Você concorda? [...] E eu pretendo ouvir você gemer assim novamente. E gemer e soluçar, mesmo que você não queira, pois não pode evitar. Pretendo fazer você suspirar como se seu coração fosse se partir, e gritar de desejo, e finalmente gritar em meus braços, e saberei que o servi bem. [...]. Trechos extraídos da obra Outlander (Arqueiro, 1991), da escritora estadunidense Diana Gabaldon. Veja mais aqui.

 

VOLTE PARA A PRAIA DA ALMA LATINA - América do Sul. \ Verão. \ Ano Novo. \ No dia 31 de dezembro, \ os mais jovens acampam nas praias, \ queimando bonecos \ com os rostos de seus governantes em fogueiras. \ Aqueles que migraram para o hemisfério norte \ verão suas vidas mudarem \ à medida que as datas dos solstícios forem invertidas. \ Seu verão se transformará em inverno \ e, com muita sorte e determinação, \ seu inverno se transformará em verão. \ Enquanto do outro lado do oceano \ suas famílias, \ tudo o que antes chamavam de raízes, \ celebram o Inti Raymi, \ a festa do sol para o mundo andino, \ na Europa chega o ano novo, \ mas também a longa e dura \ estação fria \ que nem merece um foguete no céu. \ É por isso que a festa de San Juan \ é a coisa mais próxima \ que um latino-americano encontrará na Catalunha \ daquele cativante ritual pagão \ de mudança de ano. \ Espanha. \ São João. \ Junho de 2010. \ Eles cruzam os trilhos do trem \ para encontrar esse novo começo. \ As praias de Castelldefels lembram muito \ as amplas planícies costeiras do Pacífico. \ Saíram de lá \ nesse mesmo trem desesperado. \ Doze pessoas de origem sul-mexicana. \ As pessoas acreditam que nascer no Sul da América \ é como ser adolescente \ em um vagão de trem à meia-noite. \ Repita a definição de migrar: \ Atravesse e morra. \ Atravesse ou morra.\ Nos jornais chamavam-nos de \ latinos imprudentes, latinos tolos, incivilizados, inconscientes.\ Menores \ com menos de 25 anos \ atropelados por um trem \ no festival de San Juan \ Vou na próxima \ Com Jéssica (18), Peruana, Daniela (16), Colombiana, \ Melanie (19), Equatoriana, Diana (17), Espanhola, \ Leslie (17), Equatoriana e Chamaquito (18), Equatoriana. \ E um bebê em um carrinho, \ a filha de Melanie \ mamando entre cigarros. \ Tit de seu top adolescente sexy. \ A festa é em Castelldefels, \ em El Gran Caymán, \ salsa e reggaeton. \ Chamaquito conta que um amigo de um amigo vai ter a perna amputada. \ Nessa idade você corre com uma perna só. \ Nós os assustamos, Bili me disse quando chegamos. \ Eu não tinha percebido: \ Temos medo deles \ Israel tem medo deles \ Jéssica tem medo deles \ Chamaquito tem medo \ deles Eu tenho medo deles \ Cripta de Israel O Filósofo, \ o único que pensa, \ aquele que canta a desgraça. \ As mãos de Israel: \ pequenas armas que disparam para o alto. \ Correntes, bonés e tênis brancos sob os trilhos. \ Eles já cruzaram os trilhos de um trem? \ Isso está claro. \ Mas não é apenas uma coisa latina, mijita. \ Chineses, negros, brancos e crianças violam a lei. \ Crypt raps: \ “A vida sempre continua / o tempo não para / não importa quantas coisas digam / não adianta para você. \ Agora meus amigos estão presos. Não sei quando voltarão / mas aqui no meu coração / estão guardados.” \ O bebê cai mas não chora: \ “Essa menina nunca chora, é incrível”. \ País subdesenvolvido \ Pessoa subdesenvolvida \ Incompleto. \ O pai de Israel é cozinheiro e sua mãe limpa casas. \ Os pais de David estão desempregados. \ William não sabe o que seus pais fazem. \ O pai de Chamaquito em uma casa de repouso. \Somos filhos de quem limpa sua avó \ Somos filhos de quem coloca sua filha para dormir \ Somos filhos de quem constrói sua casa \ Somos filhos de quem anda seu pai. \ Próxima parada: \ praia de Castelldefels. \ “Temos que pintar nossos lábios.” \ A parada escura, \ pequeno altar de flores. Poema da jornalista e poeta peruana Gabriela Wiener.

 


 Foto: Nando Li.

NANDO LAURIA – Desde menino fui levado a sempre buscar e me surpreender com novidades musicais, uma lição aprendida com meu guru Afonso Paulo Lins. E isso era além do que se convenciona pelo senso comum de oito a oitenta, vez que abrangia muito além desses limites: o horizonte. Foi exatamente a partir disso que comecei a me antenar com o que se fazia de música e literatura fora dos circuitos comerciais e, ainda por cima, numa cidadezinha do interior de Pernambuco. 

Já quase adolescente me tornei vizinho do Tininho que, além de ser o meu professor de Matemática no Ginásio Municipal, era um audiófilo de primeira. Para minha maior satisfação, era a casa de Tininho o ponto de reencontro com o Afonso. Foi daí que começou: todos os sábados, seja na casa de um ou de outro, ouvíamos as novidades que cada um tinha para mostrar: discos, livros e muito bate papo. 

Segui a trilha dos dois por uma estrada renovada todos os sábados, regadas por muita literatura, boa música e bom papo no meio dumas cervejinhas que se estendia desde manhazinha até tarde adentro.

Depois disso, consegui manter esses encontros adolescentes lá em casa com os meus amigos Luciano Azevedo, Jaorish Telles e Tomé. O mote era: novidades musicais todos os sábados. 

Mesmo na minha vida andeja de sempre, morando aqui e acolá, mantive esse hábito de sempre procurar por novidades. 

Muito depois, numa dessas tarde de mil novecentos e noventa e tanto, tive a grata satisfação de ser presenteado por meu amigo Luciano Azevedo com dois DVDs do Pat Metheny. Que presentaço! Foi o que me fez reouvir os CDs desse grande músico. Foi exatamente por causa desse presente que apareceu o nome de Nando Lauria. Graças ao Luciano, pude desviar minha atenção para o talento desse músico. Pronto, bastou a menção do meu amigo e, curioso como sempre, passei a ouvir mais atentamente esse excelente talento. 

Primeiro me chegou Episode, uma música digna de nota. Belíssima. 

Na levada veio Thinking of Recife, quando fui levado a reviver minha infância e adolescência, bordejando peralta na bicicleta do primo Wadson pelas areias Boa Viagem, ou embalado e com olhos vidrados nos passeios com Tia Nadeje e Tio Zezé, ou nos encontros fortuitos com a prima Jane, ou me perdendo noite alta nas esquinas do Pina procurando por Tia Lourdes, ou mergulhando nas estantes da Livro 7, de olhos pregados nas sessões de arte da AIP, até me perder no meio das biritadas com Gulu e Fernando Bigodinho na Imbiribeira. 

Quando ouvi Sonho (Dream), If I Fell e Dreaming of you, fui obrigado a admitir: esse Nando Lauria é bom demais. 

Aí músicas como Back Home, Lyle Mays Saudade (Longing), Que xote (What a rhythm), Take Two e Shall We passaram a ser a trilha sonora preferida das audições. 

Não me contive e vasculhei a discografia do rapaz e colei o ouvido nos Passion, Points of View, Novo Brasil e Narada Decade.
 
Foi aí que soube se tratar do violonista e compositor pernambucano que, ainda em Recife, estudou no conservatório de música. Depois se graduou no Boston´s Berklee College of Music, fez parte do Pat Metheny Group ao lado do baixista argentino Pedro Aznar e do percussionista pernambucano NanáVasconcelos, além de participar do grupo Special EFX.
Mas uma coisa eu digo: melhor que ler sobre Nando Lauria é ouvi-lo. E eu convido você a conhecer sua música no Itunes ou mesmo singrando os muitos clipes dele no YouTube. Podem conferir e constatem. Parabéns, Nando Lauria, aplausos de pé!


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