sexta-feira, março 08, 2013

CÉZANNE, MARGE PIERCY, DOROTHY EDEN, CHIARA LUBICH & O TEATRO DE VIANINHA

 

CÉZANNE, O IDIOTA ALDEÃO - Na vida só fui aquele da brocha gorda que vivia da quietude de Aix-em-Provence das ruas de casas com pedras romanas com seus camafeus. Filho de chapeleiro que se tornou um genioso banqueiro notável que se casou com a empregada para fixar a raiz de Cesena da mãe crioula e temê-lo até que a morte o levasse para herdar uma fortuna quando não tinha mais graça nenhuma. Afilhado da minha vó e do meu tio, era apenas um jovem tosco e de maus modos, tímido camponês que nunca serviu pros negócios nem para advogar em causa própria. Não fosse o amigo Émile para caçar em meio aos livros nada teria graça – gostava da literatura por duvidar do talento, enquanto o amigo promissor escritor ganhava prêmios com os seus desenhos, ironia da vida. Solitário a vida toda, indeciso, tímido autodefensivo, antissocial, teimoso, vivia dos passeios no Louvre, a influência de Delacroix e as cópias de Ingres às escondidas. Veio a guerra e a fuga pra Estanque, um fugitivo do serviço militar. Lá foi a vez de Hortense em Auvers, a madame que nunca sorriu, nem gostava de nada, a La Boule chamada pelos amigos que só apreciava a Suíça e limonada. Já era um boêmio caótico, feições cínicas senão sinistras, um idiota aldeão com conflitos íntimos dramáticos, um misantropo recalcitrante. As mulheres nem olhavam temendo filhos horrorosos na gravidez. Como diziam: só pintava como se fosse uma vítima de um delirium tremens. Da minha arte alguém disse: a criança que pintou isso deveria ser castigado pela mãe. Só sendo. Sabia: Na natureza não há linhas – a esfera, o cilindro, o cone - modulações. E me valia de Pissarro, mesmo no Salon des Refusés. Sempre recusado no meio do Golfo de Marselha, do Monte de Saint-Victoire, das maçãs, dos jogadores de cartas, da mulher com cafeteira, obras sem valia nem comprador. Todos queriam mesmo era cravar suas unhas nas minhas costas. A humanidade é horrível. A vida é terrível. As relações tempestuosas e a solidão. Não tenho mais aquele amigo de infância, se desfez com o L'Œuvre. Como um recluso minha vida é uma cama com a eterna depressão. Veja mais abaixo.

 


DITOS & DESDITOS - O melhor acaba sempre acontecendo e o futuro é melhor do que qualquer passado. Só quem passa pelo gelo da dor chega ao incêndio do amor. Nada do que é feito por amor é pequeno… Se tentares viver de amor, perceberás que, aqui na terra, convém fazeres a tua parte. A outra, não sabes nunca se virá, e não é necessário que venha. Por vezes, ficarás desiludido, porém jamais perderás a coragem, se te convenceres de que, no amor, o que vale é amar… Pensamento da ativista italiana Chiara Lubich (1920-2008).

 

ALGUÉM FALOU: O mundo não me compreende e eu tampouco entendo o mundo. Esta é a razão qual me isolei. A vileza da gente é tão grande que jamais a pude enfrentar. A vida é terrível. A literatura expressa-se por meio de abstrações, enquanto a pintura por meio do desenho e da cor, dá forma concreta, tanto às percepções, como às sensações. Há dois mil políticos em cada legislatura, mas só se encontra um Cézanne cada dois séculos. Pensamento do pintor francês Paul Cézanne (1839-1906). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui

 

CÉZANNE – [...] Fala-me de atirar os pincéis... Recupera o valor, toma-os de novo; põe em jogo toda tua imaginação... Ou será que a pintura não é para ti senão um capricho que surgiu num mento de fastio? Será que não é apenas uma diversão ou uma escusa para não trabalhar? Decide-te por uma coisa ou outra. Sê advogado ou decide ser artista. Não te resignes a uma vida anônima, a ser apenas alguém que veste uma bata manchada de tinta [...]. Palavras do escritor francês Émile Zola (1840-1902) incentivando o seu amigo de infância Cézanne. A respeito do gênio do artista, o escritor assim expressou: [...] Convencer Cézanne de alguma coisa é tão fácil quanto persuadir as torres de Notre Dame a bailar... É rígido, teimoso, incapaz de mudar uma única ideia. Todavia, este homem pode ser um dos companheiros mais agradáveis que se pode encontrar. [...]. Sobre uma exposição de Cézzane o escritor flagrou: [...] Os risos não se ocultavam, nem sequer se dissimulavam nos lenços das senhoras, e os homens desabotoavam os jalecos para dar aso às gargalhadas [...]. Veja mais Zola aqui e aqui.

 

A HERDEIRA AMERICANA - [...] E você, disse Emily vigorosamente para seu reflexo no espelho, não é um fantasma, e é melhor não ser tratado como um. Nada de sapatos de mulher morta para você, minha garota. Uma nova vida para você neste sol glorioso. Amor, vida, diversão, liberdade... Todas as coisas que a pobre e azarada Dolly perdeu tão cedo [...] Bisbilhoteiros, ela sempre ouvira falar, e também pessoas que se intrometiam em assuntos privados, não encontravam nada para confortá-los.[...]. Trechos extraídos da obra The American Heiress (Coward Mc Cann, 1980), da escritora neozelandesa Dorothy Eden (1912-1982).

 

PARA SER ÚTIL - As pessoas que eu mais amo \ pule para o trabalho de cabeça primeiro \ sem perder tempo no raso \ e nadar com braçadas certeiras quase fora de vista. \ Eles parecem se tornar nativos desse elemento, \ as cabeças pretas e lustrosas das focas \ quicando como bolas semi-submersas. \ Eu amo as pessoas que se atrelam, um boi a uma carroça pesada, \ que puxam como búfalos, com enorme paciência, \ que se esforçam na lama e na lama para levar as coisas adiante, \ que fazem o que tem que ser feito, de novo e de novo. \ Eu quero estar com pessoas que submergem \na tarefa, que vão aos campos colher \ e trabalhe em uma fileira e passe as sacolas adiante, \ que não são generais de parlor e desertores de campo \ mas movem-se em um ritmo comum \ quando a comida deve entrar ou o fogo deve ser apagado. \ O trabalho do mundo é comum como lama. \ Mal feito, mancha as mãos, desfaz-se em pó. \ Mas a coisa que vale a pena fazer bem feito \ tem uma forma que satisfaz, limpa e evidente. \ Ânforas gregas para vinho ou óleo, \ Vasos hopi que continham milho são colocados em museus \ mas você sabe que eles foram feitos para serem usados. \ O jarro clama por água para carregar \ e uma pessoa para o trabalho que é real. Poema da escritora e ativista social estadunidense Marge Piercy.

 


DA PEÇA PAPA HIGHIRTE DE ODUVALDO VIANNA FILHO (1936-1974) - Papa Highirte: [...] pão de gente que não é amada... só resta cuspir o pão. [...] democracia é isso um vento, papaventos no mundo, cada um faça o que quiser! E o noho da autoridade por todo mundo, democracia não é uma aventura, não é pic-nic, não é mundo dos adiamentos, das desculpas, não é um baile das regalias, demcoracia é também uma procissão dos deveres, entendeu, Grissa? Você quando você vai entender vocês todos? [...] e quem pode saber de que lado Deus está? [...] Foi sim. Os homens em Alhambra agora resolveram se sentir injustiçados, todos se acham capazes agora, os políticos vão à televisão dizer que há injustiça, os poetas escrevem que há injustiça e todos sentaram nos botequins e resmungam, ninguém tem coragem de lutar e trabalhar feito macho, trabalhar virou servilismo, bater relógio de ponto é servilismo, eficiência é servilismo, os técnicos americanos me diziam: “Papa, a grande dificuldade é fazer os operários latino-americanos se concentrarem, Papa, trabalham em media trinta segundos, quarenta, depois conversam, olham, dizem graça”, sabe por que nós somos pobres? Por que ninguém se concentra durante mais do que quarenta segundos na America Latina, eu devia ter usado a violência, sabe? Ferro e fogo, com vocês só ferro e fogo.... [...} Os filhos? Como vocês tratam dos filhos? Noventa, noventa casos por mês de crianças que morrem desidratadas porque as mães levam os filhos ao hospital já tarde demais. Noventa, noventa! Vejam, não estou criticando meu povo, vejam, mas entendam; mas gostamos mais das flores que dos frutos, gostamos mais do por do sol que da aurora, não sabemos prever, não levantamos a máquina de somar, inventamos os violões, as guitarras; ficamos para trás e reclamamos dos que estão na frente, mas eles trabalham em regime de quatro turnos, nós trabalhamos dois turnos; sessenta por cento do que poderíamos produzir fica perdido nas nossas eternas madrugadas, nas nossas eternas esquinas.... PAPA HIGHIRTE DE ODUVALDO VIANNA FILHO - (1936-1974) – Compositor. Dramaturgo. Ator. Conhecido também pelo apelido de Vianinha. Filho do dramaturgo Oduvaldo Vianna e de Deuscélia Vianna. Ao lado de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal foi um dos principais nomes do Teatro de Arena, em São Paulo, no final da década de 1950 e também participou da fundação do Centro Popular de Cultura (CPC) e do Grupo Opinião, no Rio de Janeiro, na década de 1960. Aos dois anos de idade participou das filmagens de "Alegria", dirigido por seu pai. Dos três aos cinco anos, morou com a família em Buenos Aires, na Argentina. Aos dez anos, começou a escrever sua primeira história, abandonada ainda no segundo capítulo. Morando em São Paulo, matriculou-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, em 1953, mas interromperia o curso antes de se formar. Em 1955, estreou como ator, depois de integrar o Teatro Paulista do Estudante, sob a dieção de Ruggero Jacobbi. Seu pai fora anteriormente casado com a atriz e cantora Abigail Maia, com quem teve duas filhas. Tinha oficialmente o mesmo nome do pai que se esqueceu de acrescentar a palavra filho na hora de registrá-lo no cartório. A semelhança dos nomes faria com que na década de 1960, durante a ditadura militar, seu pai fosse detido para interrogatório por engano, pois era Vianinha, então tido como autor subversivo, que os agentes da repressão queriam interrogar. Casou-se pela primeira vez, aos 21 anos, com a atriz e jornalista Vera Gertel (sua companheira no Teatro de Arena), com quem teve o filho Vinicius Vianna, que se tornaria mais tarde escritor e roteirista. De seu segundo casamento, com Maria Lúcia Marins, em 1970, nasceram Pedro Ivo e Mariana. Em 1972, ao fazer uma abreugrafia para ser contratado como roteirista pela TV Globo, constatou estar com câncer, mal do qual viria a morrer dois anos depois, dias após terminar no hospital sua última peça, "Rasga Coração", que permaneceria censurada por cinco anos. Ao todo, escreveu cerca de 17 peças, além de roteiros para a televisão, destacando-se, no teatro, "Chapetuba Futebol Clube", "Moço em Estado de Sítio", "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" (c/ Ferreira Gullar), "Papa Higuirte", "A Longa Noite de Cristal", "Corpo a Corpo" e "Rasga Coração". Na televisão, as estórias "O Matador", "O Morto do Encantado", a adaptação de "Medéia", de Eurípedes, e episódios da série "A Grande Família" estão entre as principais realizações de Vianinha. Para o cinema, escreveu o roteiro de "O casal", filmado por Daniel Filho, em 1975, com José Wilker e Sônia Bgraga à frente do elenco. Já dizia Mauro Trindade: O que sabemos é que a verdade é o caminho da verdade, e este foi justamente o caminho que o Vianinha percorreu, com muito trabalho, como homem e como artista.

FONTE:
TRINDADE, Mauro. Vianinha, Brasil. Revista Bravo, ano V, 117-121, janeiro 2002.
VIANNA FILHO, Oduvaldo. O melhor teatro de Oduvaldo Vianna Filho. São Paulo:Global, 1984.

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