A arte da artista performática cubana Tania
Bruguera. Veja mais abaixo.
DE DUAS MORTES, UMA PRA VALER - À memória de Ranúsia
Alves Rodrigues (1945-1973) – Geminiana de Garanhuns era estudante de
enfermagem na UFPE. Foi presa pela primeira vez por ter participado do 30º
Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), sendo, por isso, expulsa da
universidade por meio do Decreto 477, de 1969. Caiu na clandestinidade e
mudou-se para o Rio de Janeiro, sendo acusada de supostamente participar da
execução do delegado do DOI-Codi, em Copacabana, em fevereiro de 1973. Antes disso,
a sua foto e nome ganharam divulgação como uma das pessoas mortas na Chacina do
Quintino, de 1972. Não era. Ela foi encontrada baleada e morta na noite daquele
sábado chuvoso de 27 de outubro de 1973, com outros companheiros completamente
carbonizados, assassinados pelos órgãos de segurança do regime militar
ditatorial. Dois dias depois, a imprensa noticiava a execução de casais terroristas
metralhados em Jacarepaguá, sem mencionar o nome das vítimas. A história está
contada no livro Dos filhos deste solo: mortos e desaparecidos políticos durante a
ditadura militar: a responsabilidade do Estado (Boitempo,
2008), de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio. Veja mais abaixo e aqui, aqui eaqui.
A arte da artista performática cubana Tania Bruguera.
DITOS & DESDITOS - A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a
própria virtude; e não gozamos dela porque reprimimos os impulsos viciosos, mas
pelo contrário, porque gozamos dela, podemos reprimir os impulsos viciosos. Pensamento do filósofo
racionalista holandês Baruch Espinoza.
Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: O instante ocupa
um espaço estreito entre a esperança e o arrependimento e é o espaço da vida. As
palavras não bastam e deitar-se na cama confortável da vaidade tagarela é como
se deixar ser desmamado por uma prostituta sombria e sonolenta. Pensamento
do escritor italiano Carlo Emilio Gadda (1893-1973).
OUTRA QUE ALGUEM FALOU: A
ideologia faz com que as pessoas deixem de enfrentar problemas específicos, e
de examiná-los à luz dos méritos individuais. As respostas estão prontas, e
são aceitas sem reflexão; e quando as crenças são
apoiadas pelo fervor apocalíptico, as ideias se transformam em armas, com
resultados espantosos. Pensamento do sociólogo estadunidense Daniel
Bell (1919-2011).
A DOR DA TORTURA - Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse:
‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes.
Depois, me levaram para a sala de tortura. Pediram que eu me despisse, eu falei
que não ia tirar a roupa. O outro disse: ‘Ou você tira ou tiramos nós’. Fiquei
em dúvida entre a humilhação de ser despida por eles ou eu mesma me despir. Foi
muito humilhante ter de tirar a roupa. Aí, começaram a me dar choques direto da
tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar. Havia um desprezo
por parte deles. Junto com a ideologia, vinha essa humilhação pelo fato de ser
mulher, como se a gente estivesse extrapolando nosso papel de mulher. O tom era
de ‘por que você não está em casa, ao invés de estar aqui? Por que você perde
tempo com coisas que não lhe dizem respeito?’. Era como se você merecesse ser
torturada porque estava fazendo o que não devia ter feito. Um deles me
perguntou: ‘Por que você se mete com esses padres revolucionários, com esse
pessoal?’. Eu tinha sido presa junto com o Giulio Vicini, que na época era
padre. A minha tortura no Dops foi interrompida, e um dos homens disse: ‘Você
foi salva pelo gongo’. Na madrugada, fiquei sabendo que o dom Paulo Evaristo
Arns intercedeu em nosso favor. Logo nos encaminharam ao Presídio Tiradentes. A
atuação de dom Paulo foi direta e imediata. Ele pediu que fizéssemos um relato
da tortura sofrida. Na semana seguinte mandou ler em todas as igrejas de São
Paulo um comunicado contendo a denúncia de nossa tortura. Depoimento da assistente social e professora Yara Spaldini por ocasião da sua prisão
em 27 de janeiro de 1971, em São Paulo, publicado na obra Luta, substantivo feminino: mulheres
torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura – Direito à
memória e à verdade (Caros Amigos, 2010). Veja mais abaixo e aqui e aqui.
DE CUBA PARA ANGOLA - [...] A minha infância
terminou nesse dia. Por várias razões. A primeira deve-se, sem dúvida, àquela
espécie de raiva interior que senti, ao ver o meu melhor amigo a tocar na pele
da heroína dos meus sonhos. Tive vontade de me atirar a ele para o esmagar e,
embora soubesse bem de mais que ele era mais forte do que eu, isso não
interessava. A raiva, às vezes, cega, mas também paralisa. [...]. Trecho extraído da obra Um lugar chamado Angola (Porto, 2017), da escritora cubana Karla
Suárez, autora de obras como Os Rostos do Silêncio (ASA,
2002), A Viajante (ASA, 2006), Havana Ano Zero (Quetzal, 2011), Espuma (Letras Cubanas, 1999), Carroza
para actores (Norma, 2001), Grietas en las paredes (Husson, 2007) e Cuba les chemins du
hasard (Francia, 2007).
ESTE É O MEU CORPO – [...] É verdade que com
cada corpo que me passa pelas mãos tenho uma conversa diferente. Não há duas
histórias iguais. Tal como não existem duas ramificações sanguíneas semelhantes.
Ou dois cérebros. Ou dois corações. Ou dois sexos. Mas a uni-los descubro
sempre a fina membrana que separa a fragilidade dos corpos da brutalidade dos
sentimentos. Morremos todos de excesso ou de falta de amor. E
morremos sozinhos, de regresso à nossa odiosa singularidade. Morremos todos do
coração, acreditem. [...] Os
outros jamais compreenderiam. Eduarda jamais compreenderia como ele julgara ter
morrido também quando, de joelhos, ajeitara as flores na campa de Maria da
Conceição. Como se apercebera do peso terrível de tudo o que não lhe dissera,
do amor que se negara a demonstrar-lhe, supondo que bastava existir ao lado
dela, sem concessões de ternura, limitando-se a receber os sinais quotidianos
da sua dedicação e do seu amor. [...] O
gesto tinha a mesma força dos abraços dela, apertando-o contra si, e, desta
vez, ele soubera aceitá-lo. A rota que desenhara dentro de si havia sido
desviada, e ele sentia que era a vida de Eduarda que tomava conta da morte
dentro dele. [...] Prepara-te. Vou
entrar dentro de ti.[...] Porque te
conto agora tudo isso? Porque estou dentro de ti. Enquanto me preparo para
segurar o teu coração em minhas mãos, abro-te o meu e ofereço-o. É o mínimo que
posso fazer [...] Não há duas
histórias iguais. Tal como não existem duas ramificações sanguíneas
semelhantes. Ou dois cérebros. Ou dois corações. Ou dois sexos. Mas a uni-los
descubro sempre a fina membrana que separa a fragilidade dos corpos da
brutalidade dos sentimentos. Morremos todos de excesso ou de falta de amor. E
morremos sozinhos, de regresso à nossa odiosa singularidade. [...] Alguém
me disse uma vez que a morte é um parto de si mesmo. Uma consumação, uma onda
que nos varre até ao cabo de nós mesmos, ao fundo da nossa história, ali onde
encerramos todos os mistérios. Se não formos nós a cumprir a tarefa,
encarregam-se os outros dela. Não há como fugir. [...]. Trechos extraídos da obra Este é o meu corpo (Planeta, 2004), da escritora angolana Filipa Melo.
TRÊS POEMAS
– TROPAS
DE PAZ - Dorme-não-dorme a cidade marítima. / Serão morcegos? / Atonalidades
da noite... / Ou são filhotes das arraias? / Angústias insones... / Ou será
fragrância? / Música do sândalo / das tuas montanhas – / o que ouço / desse
muro de jasmim... / Confusão! / Sei apenas que a brisa / é noctâmbula também. /
E sopra números / nos meus ouvidos... / Do zero às estrelas / que contavas / em
lugar delas / 344 mil e 580 pontos / para a Independência. / Ouço... / Contas-me
/ para os sonhos... / Tua história de bravos / teu regresso a ti... / Enfim...
a boa notícia. / Mais que política – espiritual. / Basta uma noite sem dormir /
para merecer uma alegria diurna. / E o mar não para / de revirar suas conchas /
e acordar perigos. / Basta uma noite no mar / para entender / o que é desterro.
PAIXÃO - Era mar subindo, subindo / E o medo / Da
cidade toda mar e a vida / À tona / Depois era sol ardendo, ardendo / E o medo
/ Da cabeça toda fogo e a terra / A seca. DISCÍPULA DOS VENTOS - Dos templos sei que por regra / sem sari
não se entra / e /mulher em dia de regras / nem entra /eram tantos os templos /
não consegui menstruar em Bali / e no mar / entrei de sari. Poema
da poeta Cláudia Ahimsa, autora de
obras como Prelúdios poéticos (1994), Noite
sem dormir. Poemas timorenses (2000), Habitante
(2001) e A vida agarrada (2006).
MARACATU & MARACATUZEIROS - A coleção Maracatus
& maracatuzeiros (Reviva/Funcultura, 2006), reúne três obras: a
primeira, Festa de Caboclos, do
pesquisador Severino Vicente da Silva; o segundo, João, Manoel e Maciel Salustiano – três gerações de artistas populares
recriando os folguedos de Pernambuco, da jornalista e pesquisadora Mariana
Cunha Mesquita do Nascimento; e, o terceiro, Maracatu rural – o espetáculo como espaço social, da bailarina e
jornalista Ana Valéria Vicente. Veja mais aqui, aqui e aqui.