segunda-feira, fevereiro 06, 2023

MAYLIS BESSERIE, MARIA MARTINS, SAFATLE, NATALIE CLIFFORD BARNEY & RECANTO VERDE DE IRACY

Ao som do Album Series Tour 2022Relayer (Atlantic Records, 1974), que sucedeu ao Yes 50 Anniversary 2018, concerto da banda inglesa de rock progressivo Yes. (Veja mais aqui e aqui).

 

TRÍPTICO DQP: - O rito do ritmo, poeiras da vida... - Despertei cedo e nem havia amanhecido. Estava recluso à minha cabeça e qual outro sentia a minha inquietude e o aleatório. Pensava demais e saí sem filtros, dei vazão: aprendi a ouvir, aprendi a aprender. E a cuidar porque sabia que não era o escolhido. Ria e nenhuma adversidade me tocava, nem me sentia ofuscado por nada. Nunca tive vergonha do que não sabia e sempre rio da minha própria ignorância. Aos detratores transbordei compaixão na jornada em busca do destino, ensimesmado, outrificado. E a graça foi me deparar com Maria Martins: ... Eu sou o meio-dia pleno da noite tropical. Tece o mesmo sonho. Corta a morna espessura do silêncio macio... Assim me sentia e a interação: lá fora interferia aqui dentro; da mesma forma, ao atuar, interferirei lá fora. Não olvidei de Henrich Böll: Sobre os amantes e os soldados, sobre os homens condenados à morte, sobre todos aqueles que o poder cósmico da vida preenche, o poder do destino desce por vezes imprevisto numa súbita iluminação que será a sua graça e o seu fardo... A poesia é a impressão de estar sempre em contato com a morte... Por que não pensei nisso antes se nunca fui digno nem de viver: em mim doía, não de punição, talvez as dores de tudo. Eu vivi à minha própria força e o fogo iniciático dava outra vida ao corpo castigado: enfrentei os meus medos. Aparentemente não havia nenhuma rejeição, só o desconforto dos mesmos, melhor estranhos com sua gentileza. Era a escolha de ser feliz estrangeiro e sobrevivi. Refiz todos os passos uma vez e tantas - se eu não fizesse, ninguém o faria. Fiz o que tinha que ser feito. Eu apenas me levantei e andei firme - os dois pés suaves sobre o chão porque o que sou da Terra é o que mais importa e me divirto como posso – a sensação do perigo ao derredor, ouroboros. Sou a melhor companhia, o que farei a respeito porque só existe a jornada, porque se nada acontecer, nada valerá. Estou aqui e agora... E voo...


 

Durante, eu vivo... Imagem: Prelúdio de uma Musa (2022), da artista plástica Márcia Gebara, integrante do Grupo Ateliê Virtual 2022. – Impossível ficar indiferente: não nasci com roteiro prévio nem papel importante. Bastaria uma moeda e todos me serviriam, o mundo na palma da mão. De resto: estragos, gente tóxica, o suicídio coletivo, crenças negativas, inação, sabotagem, adicção, ingestão de comida que nem é de verdade, afinal quem tem problema: o problema sou eu, preciso ativar meus neurotransmissores, em minhas células a dor do universo - como dizia Merleau-Ponty: O coração intermitente e incompleto. Olhei em volta, em contra-plongée: de fato fracassamos todos, eu sei, qual o motivo, ninguém sabe ou aceita, vamos todos entre o que faz sentido e o absurdo, outros porquês... A sensação é de que nos tornamos um enfisema no pulmão do criador, uma ferida em suas vísceras e condenados ao vazio. Impossível não ouvir Vladimir Safatle: Neste país em decomposição, nenhuma instituição funciona de forma minimamente normal... O Brasil é um país que sonha acalmar seus medos apelando à violência de Estado... E só escuto o grito inaudível, afetos e afetações. É preciso jamais esquecer... E me arrisco insubordinado, quase devidamente aniquilado, impassivo com o impossível pelas perdas e autodestruição. Meu coração não suporta outros Talibãs, nem um porco no palácio - o sangue e bosta nas paredes, ou os mascarados da hipocrisia. Nunca baixei a cabeça, nem hesitei o passo: fui criado como um iluminado. Não obstante, sabia que tudo poderia piorar e tão penosamente sufoquei sentimentos, perdi o controle, delirei de febre, cuspi sangue e me culpei, me desculpei depois e um tanto de vezes para novas culpas recorrentes. Nestes termos, vivo cada segundo, pratico! E só resta a musa recôndita...


 

Recanto Verde de Iracy... – Ali era Iracy quando o escravo negro apanhava, agora não mais, só matam e eu de longe com remanescentes do Timóteo. Quem ela senão a cabocla das plantações de café e da cidade baixa, que chamava o povo pro folguedo encenado de Hermilo e de Heraldo: o preto Biu que foi preso em Palmares e que fugiu prali só pra ser castigado noitedia, a mamulengar nas horas vagas imitando a desumanidade do patrão. Os caboetas logo deram com a língua nos dentes e o senhor foi lá ver que presepada era aquela. Depois do sucedido, de tanto sofrer virou santo e nome daquele povoado, todo ilustrado pelos ofurôs e águas cristalinas das cachoeiras de Peri-peri, do Véu da Noiva, de Laje, da Boa Vista, do Cajá e Aritana, do Poço do Índio e do Soldado, das trilhas pelas terras do Roncador, o sítio Bom Destino e os morros acimabaixo. A musa era ela... Foi Daciel quem me apontou a efígie de Karla, um amuleto em carne viva que chamava a chuva e enfeitiçava tudo. Ela ressuscitou de Iracy e me disse Maylis Besserie: Um dia, corri por tanto tempo que parti para sempre... E levou com ela as dores de amor do pintor que se danou pra Espanha. E me levou ao morro mais alto para que soubesse de toda vastidão da Bacuna esparramada no horizonte e me ensinou a correr solto Valuna ao mar. Com toda graça do crepúsculo ela me disse Natalie Clifford Barney: Nada é mais difícil do que partilhar um amor. Somos limitados por tudo o que não sentimos... Ama-se com amor aqueles que não se podem amar de outro modo... E quando anoiteceu ela partiu na primeira estrela como se fosse Charlote Corday diante da paixão imorredoura do meu coração Adam Lux. Muitas disseram dela: que era uma das duas Kourai Khryseai – uma donzela dourada de Hefesto, ou como dizia o Geraldo Cinquentinha que ela tinha uma Piranha vaginal, afora outras invencionices. Quando amanheceu eu sabia era ela quem havia acendido o dia, para se envultar à boquinha da noite com a saudade daquela que foi e nunca mais voltou. Até mais ver.


Vem aí o PGM TTTTT. Veja mais aqui.