domingo, março 27, 2022

AGNÈS VARDA, SHUSAKU ENDŌ, SILVIA OCOUGNE, FRANCIS PONGE & VILLAURRUTIA

 

 

TRÍPTICO DQP: Leio a vida, sou da rua... - Ao som de Looking for Smetak (2021 UA), da violonista, compositora e performer musical Silvia Ocougne. - Meio dia ou meia noite, tanto faz, tudescurecido & nada vale. Meus passos pelas calçadas e paredes, aparências de lugarermos pralgures. Quandedia a indiferença – aqui, ali, acolá só consumo e ganhos, hipnose geral com o glamour das ofertas e os simulacros das caveiras engravatadas, empaletozadas. Sai da frente: pisadas no asfalto, óbices, calçamento, gente e o que vier a mais. Quanoite, zanzam pervígeis fantasmas pelas avenidas e travessas despovoadas. Dentro das casas as pálpebras voyeurs dão sinal de vida - imóveis e entretidas com telelágrimas, vigílias das catástrofes do outro lado do mundo, mediocridades. É como se ao meu lado Susan Neiman insistisse aos meus ouvidos: O banal não despedaça o mundo, o compõe. Qualquer ética que precise de religião é má ética, e qualquer religião que tente fazer isso é má religião. Claro, há muitos de ambos ao redor. Pras coisas daqui só o asco da indiferença: meninos sonambulam entre perdidos pela miséria e abatidos à bala ou afugentados da fortuna. Nenhuma solidariedade, muito menos mão estendida. Não olvido os versos da saudação natalina de Marie Under: Sempre penso naqueles que foram arrancados daqui... / Os céus ressoam com os gritos de sua angústia. / Eu acho que todos nós somos culpados / do que lhes falta, porque temos comida e cama! E algo rasga o silêncio, não sei nem adianta chamar, há sempre quem condene o que se passa por aqui - se um grito murmura tácito, velado e ecoa, nadianta: todos estão cegos&surdos com a vida nos visores ligados. Sigo só.

 


Néstogas: atos & desatos... - Aindontem resquícios breves de quase nada: o que era rio restou insepulto, irrespirável. Era nada mais que o Caudal do Una de Pelópidas uma pingueira insistente e inconciliável, feito palavras incompreensíveis jogadas na lata de lixo, transbordando pelas imundícies dos esgotos a ganhar o vento com estranhos vocativos. Parecia mais com o que me disse o poeta francês Francis Ponge (1899-1988): Um passo a mais para nos perdermos e reencontramo-nos. Às vezes, é pela forma como morre que um homem mostra que era digno de viver. Não era isso que eu queria ouvir, os caminhos são muitos na encruzilhada das incertezas: sereias vistosas demais, alvos ocultos e de menos – mais desterros na hora aguda que abrigo escondido e os olhos a céu aberto. No meio do nada o escritor japonês Shusaku Endō (1923-1996) alertava: Toda fraqueza contém em si uma força. Pecado é um homem andar brutalmente sobre a vida de outro e ser completamente alheio às feridas que deixou para trás. E o que fez valer a pena nada mais inútil: a servidão e o embotamento, enquanto a loucura necessária. Não restam alternativas, para onde e quando jamais se saberá ao certo. Quem não sentiu a afiada faca das horas na carne, não tem a mínima noção de viver. Só quem amou desarmará.

 


Ela beija o meu dia com o sorriso de Sol... - O poema dissolvido era poeira reconstituinte em uma das minhas mãos: era a caligrafia de sangue na pele - a tatuagem de Sei Shonagon nas cenas Greenaway. E tomou toda palma ampliada na mente, para que ela logo emergisse inteira, olhos radiantes, braçabertos, como o dia de verdade e carregada de versos do dramaturgo mexicano Xavier Villaurrutia (1903-1950) por baixo das vestes: Tudo na noite vive uma dúvida secreta: silêncio e barulho, tempo e lugar. Amar é prolongar o breve momento de angústia, ansiedade e tormento em que, enquanto espero, sinto você na sombra de suspense e delírio. A morte sempre toma a forma do quarto que nos contém. Era o efêmero e o corpo um palimpsesto. E ela se espalmou na ventania para que eu pudesse ler nas suas entranhas as mais insólitas revelações da luz e da sombra. E me ensinou o que devera sobre o que é da vida e o que é da morte. Ao longo do tempo mais se fez e a mim se deu, até voltar-se Adrienne Rich: E eu pergunto a mim e a você, qual de nossas visões nos reivindicará, qual reivindicaremos, como continuaremos vivendo, como tocaremos, o que saberemos, o que diremos um ao outro. O que dizer melhor silêncio, a barulhada é grande: entopem pulmões e arruínam o que podiam ser ideias antes já malditas. Vale só o desconforme e todas as tolices no geral. E era Agnès Varda: Sempre luto contra a estupidez, inclusive a minha. Se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens. Diga apenas o que tiver pra falar, faça alguma coisa, nunca será tarde demais. E ela sabia que eu estava mais que perdido no meio daquilo tudo e sorriu para que fosse feliz, pelo menos, um instante. Ela era o poema inteiro na minha mão. Até mais ver.

 

Se a educação lhe parece cara, não queira saber o preço da ignorância.

Pensamento do advogado e educador estadunidense Derek Bok. Veja mais aqui e aqui.