segunda-feira, fevereiro 07, 2022

LAURA INGALLS WILDER, IZAURA RUFINO FISCHER, RITA VON HUNTY & JOÃO CÂMARA

 

 

TRÍPTICO DQP – Entre devires e distopias... - Ao som do álbum Dedicado a você (1967), de Rogério Duprat. – Ouço a música do dia, as ruas dão nas estradas caminhos afora e se por trás das montanhas ao redor da minha cidade, o dia dorme, a noite é viva para que ninguém, ninguém mesmo, Anteu vunerável arrede dali - resíduos que sobram de mim entre o latente e o que se perdeu. Não vejo ninguém e voo perdido, até que a escritora estadunidense Laura Ingalls Wilder (19867-1957) me saúda com um sorriso: Uma boa risada supera mais dificuldades e dissipa mais nuvens negras do que qualquer outra coisa. Estou começando a entender que são as coisas simples e doces da vida, que são as verdadeiras. Entendo o que fala, mas sei que meu povo teima temores de certo fantasma vermelho que atenta suas vidas e pode se danar pelo precipício. Nada mais bizarro porque não enxergam nada mais além do colorido das vitrines ou imersos nos seus rancores por desejar o ócio da riqueza dos seus sonhos triturados queimando a carne, enquanto singram pela milenar mentira do crucifixo entre as mãos, pedintes de paz que só fazem guerrear porque a escola é a grande vaca reprodutora dos estúpidos que se escondem medrosos com a tela acesa na sala. É só o que veem e não vivem. Eu sei que a vergonha do meu país não é de hoje! Como disse Antônio Cândido: A vergonha do Brasil sobreviveria até em páginas de poetas imortais, como uma de Heine em que o poeta fala no capitão negreiro que deixou trezentos escravos no Rio. É tudo tão deprimente, quando nem me dou conta de cruzar com Michel Laub que me fala: ... sobre o que era ser jovem numa América tomada por corporações, individualismo e falta de perspectivas... Bem que me lembro que me vivi ilhado por tudo isso, nada mais sem graça e os que passam e voltam logo somem nas sombras que se alimentam do meu sangue e não viverei tanto para ver este século 21 seguir à revelia de todos.

 


Duas ou três coisas de nada... – Imagem: Arte de CarybéMas que dia é hoje e nem sei das horas, faz tempo que ontem se repete cabisbaixo por quantos anos de escuridão e incúria. Vivo de acenos esporádicos, quando não abruptos encontros, a exemplo do escritor hondurenho Augusto Monterroso Bonilla (1921-2003) que de longe traz suas dores: Você sofre de uma das doenças mais normais da raça humana: a necessidade de se comunicar com seus pares... Sim? E prossegue: Acredite em si mesmo, mas não tanto; duvide de você, mas nem tanto. Quando você sentir dúvida, acredite; quando você crê, duvide. Nisto reside a única sabedoria verdadeira que pode acompanhar um escritor. Sim, eu sei, e como apareceu, sumiu. Às vezes um ou outro aparece sem novidades, a exemplo de Amos Oz que me dizia baixinho coisas que gritava dentro dele a me surpreender: Às vezes é exatamente a fala tranquila que desperta a ira e a agressão dos opositores... Nossos ancestrais inventaram o sentimento de culpa. Depois vieram os cristãos e fizeram o marketing com um sucesso colossal por todo o mundo. Mas a patente é nossa. Eu, como judeu, tenho sentimentos de culpa terríveis por termos inventado o sentimento de culpa. E mais adiante apenas o canavial de nenhuma esperança. Ele deu-me as costas para que a pesquisadora Izaura Rufino Fischer alertasse: O problema tem raízes na concentração da terra e se expressa de forma diferenciada nos vários recantos do país. Na Zona da Mata de Pernambuco, a cultura própria do latifúndio dá nitidez às desigualdades sociais e ao antagonismo de classes... O que resta de dor, pés no chão, olhar no horizonte, voo sem rota prevista porque a tarde é quase a mesma no calendário.

 


De pés e caminhos... - Imagem: Arte de João Câmara. - O tempo sangra e mais adiante o que poderia ser e não é. Se não tenho onde cair morto, resta penar vida afora, tropeços e falência. A mãe que se foi ainda vive em mim órfão da vida. De um lado pra outro a soberba deselegante, vozes do umbigo e desfile da indiferença. Quase não reconheço ninguém porque tudo é muito estranho e hostil, exceto sorrisos amigáveis e passageiros que logo se vão sem deixar rastro. E se uma ou outra vistosa me chama a atenção, logo fenece pro meu desinteresse. Outra é a Mamie Van Doren: Eu nunca quis ser uma esposa troféu. Eu queria fazer sozinha. Eu não queria depender de um homem... O meu melhor trunfo é o meu cérebro. Sem meu cérebro, não acho que o resto de mim estaria muito quente. Sou solidário e compreendo a milenar imposição patriarcal. Surpresa agradável é dar de cara com a professora e atriz Rita Von Hunty: Precisamos visibilizar os corpos e vozes ainda tão invisíveis... Ao mesmo tempo eu tento quebrar o estereótipo também de que todo professor é homem, branco e pedante. Não existe só um jeito de ser intelectual... Com a possibilidade da morte, podemos criar mecanismos para realizar os próprios desejos, antes que seja tarde demais. E isto pode ser positivo. Ouço dela o eco que povoa minhas ideias insistindo que não temos nada a perder, a não ser quebrar de vez e definitivamente todos os nossos grilhões: não ceder à paralisia do medo nem à tristeza da maldade é o primeiro passo... O que sei é que certeza alguma ditará o que fazer, as dúvidas me fazem respirar e sinto que posso renascer a cada momento. Até mais ver.

 

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