TRÍPTICO DQC: JANELÚDICA
- Ao som de Kosmogonia (1970), de Krzysztof Penderecki (1933 - 2020), na interpretação da soprano polonesa
Olga Pasichnyk, Rafał Bartmiński, Tomasz Konieczny
& Warsaw Philharmonic Choir and Orchestra, Antoni Wit – O mundo na janela, o
coração enlutado – quantos serão ceifados em nome da incúria e sordidez
desgovernada do Fecamepa. É dele o
que me sobra ser no meio da barulhada das britadeiras, motores, furadeiras,
motosserras, rangidos outros, chiados incógnitos da desumanidade. É como se o
meu desconsolo nas mãos do algoz. Sei, não tenho inimigos, pelo menos acredito
nisso. De qualquer forma o céu estrelado me diz: em cada uma delas as dores de
quem se foi, vidas apagadas irresponsavelmente ressuscitam para iluminar a
imensidão de quem se perdeu e quase já não é mais. Só me resta a tentativa de
voar com o peso do passado, em busca de um ventre por refúgio e lamber os
talhos da carne em qualquer paz possível. Neste instante, solidária é a chegada
do escritor islandês e Prêmio Nobel de 1955, Halldór Laxness
(1902-1998), a me presentear o seu inestimável Gente independente (Globo, 2005) e a me dizer: Um homem não é independente a menos que tenha a coragem de estar
sozinho. O homem é essencialmente só, deve-se ter pena dele e amá-lo e chorar
com ele. Um aperto de mão e ninguém mais ali. De volta ao cenário e
solitude, enquanto jogam sujo, eu ludo, brincante onde a poesia, um coração
vive.
A VIDA AINDA É ASSIM POR AQUI – Imagem:
Arte do pintor e fotógrafo britânico Sigmar Polke (1941-2010), ao som
dos 12 Prelúdios (1957/58), de Claudio Santoro. -
Quantos nomes escondem estigmas de ferradas em carne viva - Quem de cor
ou qualquer outro desvalor, de gentio ou fêmea, escravos milenares, a ordem
imposta dos conluios patriarcais. Quem não um rótulo arrancado, como me dissera
Mary Ann, mascarada em seu nom de plume
para escapar dos estigmas e estereótipos, só uma exigência mínima de respeito
para ser levada a sério. Não é gata disfarçada de zebra ou antílope, é o peso
da herança tanto do batismo como das regras seculares inventadas para convívio
e jogo. Não era ele, chegou-me postiça: paletó, gravata, voz máscula impostada
e rouca, um romancista britânico George
Eliot (1819-1880): Não existe
desespero tão absoluto quanto aquele que surge nos primeiros momentos de nosso
primeiro grande sofrimento, quando não conhecemos ainda o que é ter sofrido e
ser curado, ter se desesperado e recuperado a esperança. Em cada despedida
existe a imagem da morte. E me chamou também de George. Sim? Vem cá, George!
Veio se despedir? Sim, mas do que me fiz para ser apenas o que sou de verdade,
venha, quero apenas ser, inominável e oculta. E arrancou os disfarces, e se
desfez das vestes, e se desnudou por inteiro e me envolveu como se fosse um
moinho à beira do rio.
ELA BRIZOMANTE – Curtindo o álbum Beauty Marks (WB,
2019), da cantora, compositora, atriz, dançarina e modelo estadunidense Ciara. - Ao
amanhecer ela chegou como sempre: cantarolando, só que em outro idioma, o que
para mim tanto faz, sou péssimo demais no vernáculo para dar conta de outra
língua. Ela dançou e, qual pitonisa, brincou de mágica: estalava os dedos e eu
era outro, friccionava-os e ajeitava aqui e ali, artesã moldando tudo, além do
que sou, vísceras, interstícios, alma – era na sua manipulação como se, ao
mesmo tempo, mergulhasse dentro de mim e viajássemos por todas as dimensões,
umas noutras e tudo por escalas e vibrações, até o topo do universo. Está vendo?
Sim. E ela, astromante, disse: Tudo é você e eu. E num pulo abissal, descemos
em queda livre. Saiu-se e me fitou. Enfim, ao espelho, não era eu, outro: Fui
buscar outra encarnação sua. Como? Na versão anterior você não era nada que se
aproveitasse, mas a sua versão anteontem, ah, essa sim, a antes de antes, digna
de nota! Exatamente no ponto! Não havia como me reconhecer, estranha condução.
E ela já era encantadora Marjane Satrapi:
A vida é curta demais para ser mal
vivida. Na vida você encontrará muitos idiotas. Se eles te machucarem, diga a
si mesmo que é porque eles são estúpidos. Isso ajudará a evitar que você reaja
à crueldade deles. Porque não há nada pior do que amargura e vingança. Mantenha
sempre sua dignidade e seja fiel a si mesmo. Abraçou-me brizomante e a vida
era em nós. Até mais ver.
MOMBOJÓ
A arte musical da banda Mombojó, formada por Chiquinho, Felipe S, Marcelo Machado, Missionário José e Vicente Machado. Na sua discografia constam os ótimos álbuns: Nadadenovo (2004), Homem-espuma (2006) e Amigo do Tempo (2010), afora Toca Brasil Nadadenovo e Trilhas, entre outros. Veja mais aqui e aqui.