DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE
AQUELA... A PERDA & A DESOLAÇÃO ANOITECIDA - A noite instalou-se de repente, perdi a noção das horas e
do lugar. O ermo me fez atravessar o rio muitas vezes e o meu rosto estava em
toda parte, como se os outros em mim fossem vivos e não havia como me livrar
disso. Perdi meu nome e era um caeté sobrevivente diante da bela senhora asteca, Mictlancihuatl, que tomou minhas
mãos para percorrer o teatro das apavorantes torturas das nove camadas de Mictlan, e me entregou um volume
impresso cujo título era A civilização
dos astecas (Ferni, 1975), de Jean Marcilly, no qual pude ler a indicação expressa
do iminente quinto fim do mundo: nosso
sol, tendo retomado seu curso, depois que as trevas desapareceram e as águas se
retiraram, está atualmente em movimento naui ollin, mas terminará seu curso num
despedaçamento de toda a terra. Ela leu-me em voz alta o trecho destacado
de um modo ternamente incomum, acrescentando que os infernos são a planície
divina e da morte nasce a vida. A cena no palco representava o fogo no canavial
de João Cabral, o fogaréu no
Pantanal de Monjardim, a Amazônia em
chamas e a imagem do inferno de Hieronymus Bosch. A plateia inteira em mim assistia a tudo atônito. Se muitos, na
verdade, eu não era ninguém e havia perdido até a mim mesmo.
DUAS PASSADAS & O CAMINHO DO CÉU – Havia uma reunião em que todos se preparavam para encenação
da peça teatral O caminho do céu
(Manuscrito-Campinas, 1883), primeira investida teatral da dramaturga,
escritora e abolicionista Júlia Lopes de
Almeida (1862-1934). No tablado discutiam a situação atual com as outras
peças da autora, tais como A herança,
Doidos de amor, Nos jardins de Saul, Quem não
perdoa, As urtigas, Os humildes, Laura, entre outras tantas do seu expressivo repertório, todas
recolhidas da publicação A
(in)visibilidade de um legado: seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia
Lopes de Almeida (Intermeios/Fapesp, 2016), um estudo da socióloga
e pesquisadora Michele Asmar Fanini.
O debate acalorado entre atores e técnicos foi interrompido pela intervenção inopinada
de um sacerdote indígena que aconselhou a todos prestarem bem atenção aos obstáculos
do mundo subterrâneo, atentando inicialmente para as ondas largas do rio
Chicnahuapan, que se prolongavam pelos mundos infernais até o repouso eterno da
noite no nono e último mundo do Chicnahuatmictian. Os presentes se entreolharam
interrogativos, ao passo que senti uma mão ao meu braço sussurrando que jamais encenariam
seu texto: Quero escrever um livro
novo, arrancado do meu sangue e do meu sonho, vivo, palpitante, com todos os
retalhos de céu e de inferno que sinto dentro de mim; livro rebelde sem
adulações, digno de um homem. Ela afugentou a todos com rispidez e zarpou
dali sem se despedir. Não havia como tomar pé da situação, saí imediatamente,
apressei o passo sem saber para onde ir. Fui.
TRÊS FOTOS ONÍRICAS
- (Imagem: fotogravura do fotógrafo Luís Crispino) - Seria exagero considerar que me perdi
na fuga pela sobrevivência, matar a fome, saciar os desejos e gozar realizações,
qual nada, esqueci quem sou e folheei um dos supostos livros de Deus e não me
encontrei nas suas infinitas páginas, acho que escapei delas para ruminar talvez
na loucura. Crispino ao me encontrar
assim diante de nada, então me disse: A ideia não é seduzir ninguém, no sentido literal, durante as fotos.
Fazer uma boa foto demanda muita concentração. Não sobra espaço para isso. É
claro que existe um movimento de “conquistar” quem está sendo fotografada, mas
que é muito mais complexo do que a simples sedução, é mais uma “troca” que
começa e termina ali, durante as fotos. E me entregou um envelope e lá estava meu
coração despedaçado: a primeira, a amada nua em decúbito dorsal; a segunda, era
eu desencontrado sem ter para onde ir; a terceira, Clarice n’A Paixão segundo GH: O mundo não tinha
mais sentido nenhum, e o homem não me tinha mais sentido nenhum. Ao meu
lado, não mais o fotógrafo, mas ela mesma que me chegou com um beijo para ensinar
o que sou de todas as coisas. Até
mais ver.
NOS TEARES DA HISTÓRIA
[...] emergiu as reflexões associadas à intenção
social e à valorização da arquitetura, a partir dos seus usuários, que passam a
qualifica-la enquanto lugar [...].
Trecho extraído
da obra Nos teares da história: entre
fábrica e escola, uma restauração (CEHM, 2015), da professora e
pesquisadora Juliana Cunha Barreto,
tratando sobre a interpretação histórico-documental dos fios de tecidos da
história de Pernambuco, a arquitetura da tecelagem, a declaração de
significância e as leis de proteção, a Escola Técnica Estadual, as soluções
arquitetônicas, entre outros assuntos. Veja mais aqui, aqui e aqui.