quinta-feira, setembro 17, 2020

CLARICE LISPECTOR, JÚLIA LOPES DE ALMEIDA, LUÍS CRISPINO, ASTECA & NOS TEARES DA HISTÓRIA


DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... A PERDA & A DESOLAÇÃO ANOITECIDA - A noite instalou-se de repente, perdi a noção das horas e do lugar. O ermo me fez atravessar o rio muitas vezes e o meu rosto estava em toda parte, como se os outros em mim fossem vivos e não havia como me livrar disso. Perdi meu nome e era um caeté sobrevivente diante da bela senhora asteca, Mictlancihuatl, que tomou minhas mãos para percorrer o teatro das apavorantes torturas das nove camadas de Mictlan, e me entregou um volume impresso cujo título era A civilização dos astecas (Ferni, 1975), de Jean Marcilly, no qual pude ler a indicação expressa do iminente quinto fim do mundo: nosso sol, tendo retomado seu curso, depois que as trevas desapareceram e as águas se retiraram, está atualmente em movimento naui ollin, mas terminará seu curso num despedaçamento de toda a terra. Ela leu-me em voz alta o trecho destacado de um modo ternamente incomum, acrescentando que os infernos são a planície divina e da morte nasce a vida. A cena no palco representava o fogo no canavial de João Cabral, o fogaréu no Pantanal de Monjardim, a Amazônia em chamas e a imagem do inferno de Hieronymus Bosch. A plateia inteira em mim assistia a tudo atônito. Se muitos, na verdade, eu não era ninguém e havia perdido até a mim mesmo.

DUAS PASSADAS & O CAMINHO DO CÉU – Havia uma reunião em que todos se preparavam para encenação da peça teatral O caminho do céu (Manuscrito-Campinas, 1883), primeira investida teatral da dramaturga, escritora e abolicionista Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). No tablado discutiam a situação atual com as outras peças da autora, tais como A herança, Doidos de amor, Nos jardins de Saul, Quem não perdoa, As urtigas, Os humildes, Laura, entre outras tantas do seu expressivo repertório, todas recolhidas da publicação A (in)visibilidade de um legado: seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia Lopes de Almeida (Intermeios/Fapesp, 2016), um estudo da socióloga e pesquisadora Michele Asmar Fanini. O debate acalorado entre atores e técnicos foi interrompido pela intervenção inopinada de um sacerdote indígena que aconselhou a todos prestarem bem atenção aos obstáculos do mundo subterrâneo, atentando inicialmente para as ondas largas do rio Chicnahuapan, que se prolongavam pelos mundos infernais até o repouso eterno da noite no nono e último mundo do Chicnahuatmictian. Os presentes se entreolharam interrogativos, ao passo que senti uma mão ao meu braço sussurrando que jamais encenariam seu texto: Quero escrever um livro novo, arrancado do meu sangue e do meu sonho, vivo, palpitante, com todos os retalhos de céu e de inferno que sinto dentro de mim; livro rebelde sem adulações, digno de um homem. Ela afugentou a todos com rispidez e zarpou dali sem se despedir. Não havia como tomar pé da situação, saí imediatamente, apressei o passo sem saber para onde ir. Fui.

TRÊS FOTOS ONÍRICAS - (Imagem: fotogravura do fotógrafo Luís Crispino) - Seria exagero considerar que me perdi na fuga pela sobrevivência, matar a fome, saciar os desejos e gozar realizações, qual nada, esqueci quem sou e folheei um dos supostos livros de Deus e não me encontrei nas suas infinitas páginas, acho que escapei delas para ruminar talvez na loucura. Crispino ao me encontrar assim diante de nada, então me disse: A ideia não é seduzir ninguém, no sentido literal, durante as fotos. Fazer uma boa foto demanda muita concentração. Não sobra espaço para isso. É claro que existe um movimento de “conquistar” quem está sendo fotografada, mas que é muito mais complexo do que a simples sedução, é mais uma “troca” que começa e termina ali, durante as fotos. E me entregou um envelope e lá estava meu coração despedaçado: a primeira, a amada nua em decúbito dorsal; a segunda, era eu desencontrado sem ter para onde ir; a terceira, Clarice n’A Paixão segundo GH: O mundo não tinha mais sentido nenhum, e o homem não me tinha mais sentido nenhum. Ao meu lado, não mais o fotógrafo, mas ela mesma que me chegou com um beijo para ensinar o que sou de todas as coisas. Até mais ver.

NOS TEARES DA HISTÓRIA
[...] emergiu as reflexões associadas à intenção social e à valorização da arquitetura, a partir dos seus usuários, que passam a qualifica-la enquanto lugar [...].
Trecho extraído da obra Nos teares da história: entre fábrica e escola, uma restauração (CEHM, 2015), da professora e pesquisadora Juliana Cunha Barreto, tratando sobre a interpretação histórico-documental dos fios de tecidos da história de Pernambuco, a arquitetura da tecelagem, a declaração de significância e as leis de proteção, a Escola Técnica Estadual, as soluções arquitetônicas, entre outros assuntos. Veja mais aqui, aqui e aqui.