sexta-feira, agosto 21, 2020

IGIABA SCEGO, MONTELO, AGNES DENES, BENTO PRADO, PAULA GLENADEL, ANA LISBOA & SOMA SOMA



DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... DÍVIDA IMPAGÁVEL... Quem aquele só por ter nascido já o culpado de sempre, sem nem ao menos cometer um mínimo ato ou qualquer ação. Quem aquela inocente do amor já com a pena da inveja de todas as acusações, sequer uma escolha que lhe cause o desagrado. De uma, a borboleta carrega as culpas da lagarta, isso é outra coisa, todos pagam. De outra ainda é quem do nada para todos os olhos, o brilho da beleza, a festa do escolhido, algozes ocultos, ardis e manobras. Ou Adua (Nos, 2018), de Igiaba Scego: [...] Sabia que visavam a meu corpo. Não era tão ingênua. Sabia que antes ou depois eu teria que pagar aquele imposto. [...]. E aquela voz da historia e a melhor forma possível de contá-la sobre seus sonhos mais distantes, a mutilação genital e a infâmia. Ou seja, quem herdeiro vítima das previsíveis insatisfações dos postulantes ao poder, ou dos ali agarrados e o rondam no afã da queda, ou a mais inaudita das frustrações mais enraizadas no íntimo daqueles ruminantes contendores de nenhuma perda aceitável para si e só o ganho a qualquer custo e forma. Esses assaltam posse alheia, o direito, o justo; são vencedores na marra com seus golpes de sempre, tristes infelizes por jamais suportarem a felicidade alheia, tristes daqueles com suas ideias inferiores à medição do seu próprio tamanho, porque aos tacanhos os seus próprios destroços e nenhuma poesia há de lhe cair à graça jamais, porque o poema é a redenção e só a quem merece.

DOIS VERSOS E OUTROS DA SAUDADE RECORRENTE – Imagem: ilustração do EP Saudade (Record Sleeve Design, 2019), da banda Soma Soma, cujo som se dá com a fusão de samba, hi-life, afrobeat e bossa – Quem da boca para fora o coração aceso pode sorrir sem sangrar a ausência doída. Aonde for se paisagem esplêndida ou corrimão solitário, o talho de ontem e agora na língua desde a dor anímica. Feito o verso de Bento Prado Júnior: Resta a exaustão, / mãos trêmulas, a cara contra o chão, / resta o lamento. Resta o reinício, / a longa e calcinada espera. Resta-me / reter a força para o outro gesto. O poema lava a alma e eu aprendi com Josué Montelo: Quem tem saudades nunca está só. E a minha voz é o eco das vozes comigo de todos os choros e risos.

TRÊS SÃO PORQUE TUDO É POESIA – Choro e sorrio, a saudade é extrema, a vida prossegue. Sou pela poesia e nela me refaço a todo o momento, como no Teardrop – Monument to Being Earthbound (1984), da artista conceitual húngara Agnes Denes: Lamento muitas coisas sobre a vida humana, sobre a natureza humana. Eu me preocupo com o lado inferior da humanidade, o pensamento ruim versus o bom. Admiro muitas coisas sobre a humanidade, mas também estou ciente de muitos erros que vamos cometer. Isso pode me fazer querer me preocupar com o futuro. Mas acho que vamos conseguir. E é a poesia que me leva até onde não sou e posso estar para enfim ser, como no versar da poeta Paula Glenadel: Atualmente, assim se mostra a poesia para mim: uma ginástica interior visando a uma liberdade maior, a uma espécie de alforria, um modo de naufragar bem, quer dizer, de naufragar bastante e alegremente, de entrar no não-saber da coisa toda, de sustentar o vício da dúvida entre perceber e conhecer, tudo isso na certeza visceral de que pensar pesa. E assim voo porque tudo é poesia, a poesia é tudo. Até mais ver.

ROSAS A MACHADO, DE ANA LISBOA
A arte da gravadora, artista plástica, pesquisadora e professora universitária Ana Lisboa - Ana Elizabeth Lisboa Nogueira Cavalcanti. Veja mais aqui, aqui & aqui.