sexta-feira, abril 12, 2019

MANOEL DE BARROS, KURT GÖDEL, ANGELINA SILVA, GHUGHA TÁVORA & O PUM DA BATATA


O PUM DA BATATA - Era uma vez um rapaz que se engraçou duma moça faceira. Trocaram olhares, passaram um pelo outro no meio do festeiro, sumiram e voltaram, até que um dia se encontraram e trocaram conversa para lá e para cá, se riram, se engraçaram e, depois de mais de nove horas, namoraram. Foi aquele amor. Beijos e abraços, ficou acertado domingo dele ir para a casa dela passar o dia, conhecer os pais, e assim se deu. Chegando lá, foi apresentado aos familiares dela, pais, irmãos e irmãs dela, mais de oito arrodeando a mesa farta no almoço. Chegou a hora, um peru assado à mesa, muita comida, pediram para ele destrinchar. Na horagá que passou a faca de banda, pum! Eita! Todos se riram, ele ficou encabulado. Aí o sogro disse: Aí, peidão, passa a coxa desse peru pra cá! Risadas. Ele todo chateado foi servindo uns e outras a cada pedido. Findaram de almoçar e a mangação corria solta, até chegar a hora de ir embora. Despediu-se e foi para casa todo borocochô e jurando: Nunca mais volto lá. Morava sozinho, sem pai nem mãe, um tio deu as caras e ele contou. Oxe, que é que é isso, meu filho, quer se vingar? Como? Vá lá no mato, arranque uma batata e bote enterrado do lado do batente, lá na casa deles, antes deles acordarem. Oxente? Depois cochichou no ouvido dele, ah, tá! Vá. Ele foi, arrancou a batata e plantou ainda de madrugada no batente da casa do sogro. Uma semana depois ele apareceu, era véspera de São João e iam fazer uma fogueira na frente de casa. O sogro ia saindo na porta, deu um espirro e atchim, poim! Eita! O que é isso? Poin. Ai, meu Deus? Prum. A sogra veio, toda se acabando de rir dele: Que é isso, homem? Poim. Eita, até tu véia? E ela: Eu não, pum!Aí, tais vendo? Tu também. E se riam e peidavam: Isso é contagioso! O irmão mais velho: Que é que tá havendo, hem? Poin! Vixe! A irmã encostada: Que fedor é esse, gente? Poim. Tu também? Ih! Pegou! Pronto, Zé, pum, Maria, poin, Zefinha, puf, Judite, prei, tudo peidando, que é que houve? O genro só olhando. Eles se dizendo: Pegamos um mal feio! A do meio veio: Bença, pai! Brum. Eita, esse veio danado! Fedor da peste! Pegamos a doença de Abinagildo, foi? Chama João! Pei. Oi, pai! Puf. Vai chamar o boticário, vai! Pif. O boticário quando viu: Tem jeito não, pof, eu tô me peidando todo agora também! Vamos buscar o doutor e ele: Vôte! Vrum! O que é isso? Poin. Lá em casa está todo mundo assim e o boticário também! Pei. Eu também agora, pof! Tem remédio pra isso não! Toin. Nessa hora o padre ia passando e poin! Danou-se! Até o padre? Valei-me, puf. É lá na casa deles, tuf, estão todos, poin, se peidando, poin, assim! Benzodeus. Vamos todos para lá, poin, vamos. O padre pegou a água benta, puf, benzeu-se e foram todos para a casa dos peidões, poin, poin. Rezas de joelhos a manhã toda, toin, orações de todo jeito tarde para noite, poin, e nada, pum, só poin, poin, poin. Aí o genro vendo tudo aquilo, falou: Eu tenho um remédio pra isso que é tiro e queda! Como? Pelamordedeus diga logo qual o xarope pra cura disso, vá! E tome poin, puf, pei! Pum! Entrem todos no quarto que eu vou resolver essa bronca agora. Ninguém aguenta não! Entrem! Vamos morrer enturidos! Vambora! Entraram e, conforme o tio havia cochichado no ouvido dele, foi no mato, pegou uma tora de pinhão, chegou lá, ficou dando uma pisa de pinhão em cada um, umas lapadas de volta e outra vez, pronto, tudo curado. Viva! Agora ninguém peida mais! Só depois do café da manhã, do almoço e da ceia. Ah, não! Ah, sim. Aí ele tornou-se o genro querido do sogro e muito agradado por todos, casou-se com a filha formosa que namorava e não se sabe, ao certo, se foram felizes para sempre ou não, mas que casaram, casaram. E peidaram muito daí por diante. Pum, poin. PS: recriação de narrativa de Cêça - Conceição de Oliveira Cavalcanti, de Arcoverde, recolhida de Contos Populares Brasileiros: Pernambuco (Massangana/Fundaj, 1994), organizada por Roberto Benjamim. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo & aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Qualquer coisa em que você pode desenhar um círculo ao redor não pode ser explicada por si mesma sem se referir a algo fora do círculo – algo que você tem que assumir mas não pode provar. Eu estou mentindo. [...] É claro que hoje estamos longe de poder fundamentar a visão teológica de mundo cientificamente, mas acredito que já é possível apreender de maneira puramente racional (sem ter que recorrer a alguma religião ou crença) que a visão teológica de mundo é completamente compatível com todos os fatos conhecidos (inclusive as condições que reinam sobre a nossa Terra). O famoso matemático e filósofo Leibniz tentou demonstrar isto 250 anos atrás, e é isto que tentei fazer nas minhas últimas cartas. O que chamo de visão teológica de mundo é a ideia que o mundo e tudo que nele existe tem um significado e uma razão e na verdade um significado bom e inquestionável. Disto segue imediatamente que nossa existência terrestre, uma vez que ela tem um significado muito duvidoso, só pode ser o meio cujo objetivo é uma outra existência. A ideia que tudo no mundo tem um significado é, afinal, exatamente análoga à ideia que tudo tem uma causa, e é sobre esta que toda ciência está baseada. [...]
Trecho extraído da obra Collected Works (v. III, Oxford, 1995), do filósofo, matemático e lógico austríaco Kurt Gödel (1906-1978), criou a teoria da indecidibilidade lógica com os teoremas da incompletude, o primeiro deles, o da numeração, que assinala que qualquer sistema axiomático recursivo autoconsistente capaz de descrever a aritmética dos números naturais, há proposições naturais verdadeiras que não podem ser provadas a partir dos axiomas, codificando expressões formais como números naturais. O segundo teorema da incompletude, uma extensão do primeiro, mostra que tal sistema não pode demonstrar sua própria consistência.

A POESIA DE MANOEL DE BARROS
[...]
II
Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.
[...]
palavra que eu uso me inclui nela
[...]
Extraído de O livro das ignorãças (Civilização Brasileira, 1993), do poeta Manoel de Barros (1916-2014), livro este em que o autor desvenda os caminhos de sua criação poética, que em uma entrevista concedida à jornalista Martha Barros, do Correio Brasiliense (1990), expressou que:
Ao poeta penso que cabe a tarefa de arejar as palavras. E não deixar que morram de clichês. Pegar as mais espolegadas, as mais prostituídas pelos lugares-comuns e lhes dar novas sintaxes, novas companhias. Colocar, por exemplo, ao lado de uma palavra solene, um pedaço de esterco. O poeta precisa reaprender a errar a língua. Esse exercício poderá nos devolver a inocência da fala. Porque no assunto não há nada de novo. Tudo creio que já foi pensado e dito por tantos e tontos. Ou quase tudo. Ou quase tontos. De modo que não há novidades debaixo do Sol – e isso também já foi dito. Então, o que se pode fazer é dizer de outra forma. Se for para tirar gosto poético, é bom perverter a linguagem. Temos de molecar o idioma, os idiomas. O nosso paladar de ler anda com tédio. É preciso injetar nos verbos insanidades, para que eles transmitam aos nomes os seus delírios. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE ANGELINA SILVA
A arte da artista visual portuguesa Angelina Silva. Veja mais aqui.

A ARTE IMAGINAUTA DE GHUGHA TÁVORA
A arte do artista visual imaginauta, designer educacional e empreendedor socio-cultural Ghugha Távora em uma entrevista exclusiva. Confira aqui.
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