ÚLTIMA CARTA DE MAIO – Imagem: arte da
fotógrafa e artista plástica suíça Méret
Oppenheim (1913-1985). - A última canção quase nem terminei,
fez-se menos tons lúgubres que desentoadas entonações. Sou o que sobra da
memória e a casa aos ventos, tenho cá minhas fraquezas e enfermidades. A noite
inteira a minha cabeça às escuras e os ossos expostos na desrazão do crânio. Não
há como sobreviver a si mesmo: o testamento de nada às mãos, asas desabridas
prum voo sonhado da última viagem sagrada na infância e o precipício da queda
ao partir. O último poema eu quase perdi, versos obtusos que se desfizeram por
completa inaptidão. Não os tenho mais e que me tolerem se não quero que me
vejam âncora perdida diante dos louvores com guirlanda de elogios que me fazem gigante
que não vale polegada, sei, são apenas adornos e o atoleiro afronta quem fica
ou se ausenta, nem tudo é como a gente quer e pensa. A última carta quase nem
escrevi, amontoados de frases à fórceps, tão esdrúxulas quanto eu mesmo aos corações
contidos em que sobrevém o recato. Que venham os que pararam e não parem os que
seguiram, ainda que tudo isso seja apenas uma semente qualquer de erva molhada,
para que eu reveja os mortos feitos nas minhas cinzas jogadas ao rio que nasci.
A mim me resta apenas a módica poesia, ela injeta sangue nas veias, uma palavra
após outra quando o pó da noite que nada vale dão meus dentes pra sorrir no
ritual das emoções, mesmo que as dores não tenham sarado o talho da promessa
pra cumprir e o esquecimento. Eu parti pra viver e não mais me engasgar com
picuinhas disso ou daquilo, aos plenos voos o que é o presente senão agora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do percussionista Paulinho da Costa: Agora, Tudo bem com Joe Pass & Bahia Funk com Lee
Ritenour; da cantora e compositora estadunidense Melissa Etheridge: Best songs, Unplugged & The diferente; & muito
mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Os
detentores do poder ficam tão ansiosos por estabelecer o mito da sua
infiabilidade que se esforçam ao máximo para ignorar a verdade. Pensamento
do escritor russo Boris Pasternak
(1890-1960), que também se expressou sobre a ciência: Os progressos da ciência obedecem à lei da
repulsão: para dar um passo em frente, é preciso começar por derrubar o domínio
do erro e das falsas teorias. E sobre a arte: A arte serve a beleza, e a beleza é a felicidade de possuir uma forma,
e a forma é a chave orgânica da existência; tudo o que vive deve possuir uma
forma para poder existir, e, portanto, a arte, mesmo a trágica, conta a
felicidade da existência. Veja mais aqui.
LIVROS NAS ESTÂNCIAS - [...] Podemos
imaginar que também para os livros existe uma “Biblioteca dos destinos”
semelhante, em cujas infinitas prateleiras estão conservadas as variáveis
possíveis de cada obra, os livros que poderíamos ter escrito se, a um certo
ponto, algo não tivesse decidido em favor do livro que acabou sendo escrito e
publicado. O livro real ocupa aqui o ápice de uma pirâmide, em que os inúmeros
livros possíveis se precipitam de andar em andar até o Tártaro, que contém o
livro impossível, que nunca poderíamos ter escrito. Não é uma experiência
fácil, para o autor, entrar em semelhante Biblioteca, porque a seriedade de um
pensamento se mede sobretudo na relação com o passado [...]. O ato de criação não é, na realidade,
segundo a instigante concepção corrente, um processo que caminha da potência
para o ato para nele se esgotar, mas contém no seu centro um ato de descriação,
no qual o que foi e o que não foi acabam restituídos à sua unidade originária
na mente de Deus, e o que podia não ser e foi se dissipa no que podia ser e não
foi. Este ato de descriação é, propriamente, a vida da obra, o que permite a
sua leitura, sua tradução e sua crítica, e o que, em tais coisas, se trata cada
vez mais de repetir. Exatamente por isso, contudo, o ato de descriação, a
despeito de toda perspicácia irônica, foge sempre, em alguma medida, do seu
autor, e só desta maneira lhe consente continuar escrevendo. A tentativa de
apreender integralmente este núcleo des-criatório em toda criação, para
encerrar definitivamente a sua potência, só pode levar o autor à cessação da
escritura ou ao suicídio (Rimbaud e Michelstaeder), e a obra, à sua
canonização. É muito arriscada, para quem escreve, a relação com o passado, ou
seja, com o abismo do qual lhe provém a possibilidade que ele mesmo é. (Se o
autor, no caso do presente livro, ainda está escrevendo, e em que medida, na
esteira e na urgência das possibilidades que este lhe havia aberto, é algo que
outro, melhor do que ele, partindo dos livros sucessivos, poderá julgar.) A
vida do autor coincide, nesta perspectiva, com a vida da obra, e julgar as próprias
obras passadas é o impossível que só a obra ulterior inevitavelmente cumpre e
procrastina. Trechos extraídos da obra Estâncias; a palavra e o fantasma na cultura
ocidental (EdUFMG, 2007), do filósofo italiano Giorgio
Agamben. Veja mais aqui.
VENDER A ALMA AO DIABO - [...] Quando
acordou, Fausto procurou Helena em sua cama, mas a cama estava vazia. Teria
sonhado? Mas as lembranças lhe pareciam tão reais! Se fosse um sonho, será que
ele esqueceria dos detalhes, do cheiro, da cor dos olhos e dos cabelos dela?
Isso o angustiava muito e ele lembrava que seu tempo havia chegado ao fim.
Pensava que não havia perdão para ele, talvez houvesse perdão para a serpente que
ofereceu a maçã para Eva no Paraíso, mas não para Fausto. Desejou que nunca
tivesse aprendido a ler ou que não tivesse sido tão ambicioso. Desejou que
tivesse tido uma vida mais humilde, porém mais livre. Fausto queria chorar, mas
os demônios tinham lhe roubado as lágrimas e apenas um pouco de sangue corria
em sua face. Ele queria pensar em Deus, mas depois de tantos pecados não se
sentia digno, não achava justo procurar por Deus e também temia a vingança de
Lúcifer. Quando faltava uma hora para a meia-noite, para o final de seus
poderes, Fausto desejou que o tempo parasse, que uma hora durasse um dia e que
um dia durasse uma semana e uma semana um mês. Para que tivesse tempo de
recomeçar e de se arrepender. Talvez procurar seus amigos, mas as estrelas
continuavam a se mover no céu e os ponteiros continuavam girando nos relógios. Quando
faltava meia hora para o fim, Fausto desejou que a teoria de Pitágoras
estivesse certa e que quando ele morresse sua alma migrasse para algum animal e
que assim não fosse atormentado nem pelo céu, nem pelo inferno. Quando o
relógio badalou meia-noite, Fausto quis ser uma gota de água que caísse no
oceano e nele se fundisse. Assim ficaria protegido e seguro. Mas o que
aconteceu foi que Satã entrou em seu escritório e abriu as portas do inferno,
de onde serpentes gigantescas vieram ao seu encontro, enrolando-se em suas
pernas e pescoço, sufocando sua respiração e o arrastando para a fogueira das
torturas infernais. Trechos extraídos da obra Trágica história do doutor Fausto (Ridel, 2007), do dramaturgo,
poeta e tradutor inglês Christopher
Marlowe (1564-1593). Veja mais aqui e aqui.
TRÊS POEMAS - A UM
ESTRANHO: Estranho que passa! você não sabe com quanta saudade eu lhe olho, / Você
deve ser aquele a quem procuro, ou aquela a quem procuro, (isso me vem, como em
um sonho,) / Vivi com certeza uma vida alegre com você em algum lugar, / Tudo é
relembrado neste relance, fluído, afeiçoado, casto, maduro, / Você cresceu
comigo, foi um menino comigo, ou uma menina comigo, / Eu comi com você e dormi
com você – seu corpo se tornou não apenas seu, nem deixou o meu corpo somente
meu, / Você me deu o prazer de seus olhos, rosto, carne, enquanto passamos –
você tomou de minha barba, peito, mãos, em retorno, / Eu não devo falar com
você – devo pensar em você quando sentar-me sozinho, ou acordar sozinho à
noite, / Eu devo esperar – não duvido que lhe reencontrarei, / Eu devo garantir
que não irei lhe perder. A VOCÊ: Estranho! se, ao passar, você me encontrar / e
desejar falar comigo, por que não falar comigo? / E por que eu não falaria com
você? ÀS VEZES COM ALGUÉM QUE AMO: Às vezes com alguém que amo, me encho de
fúria, pelo medo de extravasar amor sem retorno; / Mas agora penso não haver
amor sem retorno – o pagamento é certo, de um jeito ou de outro; / (Eu amei
certa pessoa ardentemente, e meu amor não teve retorno; / No entanto, disso
escrevi estas canções.). Poemas do poeta, ensaísta e jornalista estadunidense
Walt Whitman (1819-1892). Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE MÉRET OPPENHEIM
A arte da fotógrafa e artista plástica suíça Méret Oppenheim
(1913-1985).
O Centro
Cultural Vital Corrêa de Araujo informa:
Wilson
Monteiro Cantarolando muito forró & muito mais na Agenda aqui.
&
Cine
Mosquito & Jiddu Saldanha
&
A arte
do cartunista e desenhista Mike Deodato
Jr.