quinta-feira, maio 31, 2018

WHITMAN, AGAMBEN, PASTERNAK, MARLOWE, MÉRET OPPENHEIM, PAULINHO DA COSTA & MELISSA ETHERIDGE


ÚLTIMA CARTA DE MAIO – Imagem: arte da fotógrafa e artista plástica suíça Méret Oppenheim (1913-1985). - A última canção quase nem terminei, fez-se menos tons lúgubres que desentoadas entonações. Sou o que sobra da memória e a casa aos ventos, tenho cá minhas fraquezas e enfermidades. A noite inteira a minha cabeça às escuras e os ossos expostos na desrazão do crânio. Não há como sobreviver a si mesmo: o testamento de nada às mãos, asas desabridas prum voo sonhado da última viagem sagrada na infância e o precipício da queda ao partir. O último poema eu quase perdi, versos obtusos que se desfizeram por completa inaptidão. Não os tenho mais e que me tolerem se não quero que me vejam âncora perdida diante dos louvores com guirlanda de elogios que me fazem gigante que não vale polegada, sei, são apenas adornos e o atoleiro afronta quem fica ou se ausenta, nem tudo é como a gente quer e pensa. A última carta quase nem escrevi, amontoados de frases à fórceps, tão esdrúxulas quanto eu mesmo aos corações contidos em que sobrevém o recato. Que venham os que pararam e não parem os que seguiram, ainda que tudo isso seja apenas uma semente qualquer de erva molhada, para que eu reveja os mortos feitos nas minhas cinzas jogadas ao rio que nasci. A mim me resta apenas a módica poesia, ela injeta sangue nas veias, uma palavra após outra quando o pó da noite que nada vale dão meus dentes pra sorrir no ritual das emoções, mesmo que as dores não tenham sarado o talho da promessa pra cumprir e o esquecimento. Eu parti pra viver e não mais me engasgar com picuinhas disso ou daquilo, aos plenos voos o que é o presente senão agora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do percussionista Paulinho da Costa: Agora, Tudo bem com Joe Pass & Bahia Funk com Lee Ritenour; da cantora e compositora estadunidense Melissa Etheridge: Best songs, Unplugged & The diferente; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIAOs detentores do poder ficam tão ansiosos por estabelecer o mito da sua infiabilidade que se esforçam ao máximo para ignorar a verdade. Pensamento do escritor russo Boris Pasternak (1890-1960), que também se expressou sobre a ciência: Os progressos da ciência obedecem à lei da repulsão: para dar um passo em frente, é preciso começar por derrubar o domínio do erro e das falsas teorias. E sobre a arte: A arte serve a beleza, e a beleza é a felicidade de possuir uma forma, e a forma é a chave orgânica da existência; tudo o que vive deve possuir uma forma para poder existir, e, portanto, a arte, mesmo a trágica, conta a felicidade da existência. Veja mais aqui.

LIVROS NAS ESTÂNCIAS - [...] Podemos imaginar que também para os livros existe uma “Biblioteca dos destinos” semelhante, em cujas infinitas prateleiras estão conservadas as variáveis possíveis de cada obra, os livros que poderíamos ter escrito se, a um certo ponto, algo não tivesse decidido em favor do livro que acabou sendo escrito e publicado. O livro real ocupa aqui o ápice de uma pirâmide, em que os inúmeros livros possíveis se precipitam de andar em andar até o Tártaro, que contém o livro impossível, que nunca poderíamos ter escrito. Não é uma experiência fácil, para o autor, entrar em semelhante Biblioteca, porque a seriedade de um pensamento se mede sobretudo na relação com o passado [...]. O ato de criação não é, na realidade, segundo a instigante concepção corrente, um processo que caminha da potência para o ato para nele se esgotar, mas contém no seu centro um ato de descriação, no qual o que foi e o que não foi acabam restituídos à sua unidade originária na mente de Deus, e o que podia não ser e foi se dissipa no que podia ser e não foi. Este ato de descriação é, propriamente, a vida da obra, o que permite a sua leitura, sua tradução e sua crítica, e o que, em tais coisas, se trata cada vez mais de repetir. Exatamente por isso, contudo, o ato de descriação, a despeito de toda perspicácia irônica, foge sempre, em alguma medida, do seu autor, e só desta maneira lhe consente continuar escrevendo. A tentativa de apreender integralmente este núcleo des-criatório em toda criação, para encerrar definitivamente a sua potência, só pode levar o autor à cessação da escritura ou ao suicídio (Rimbaud e Michelstaeder), e a obra, à sua canonização. É muito arriscada, para quem escreve, a relação com o passado, ou seja, com o abismo do qual lhe provém a possibilidade que ele mesmo é. (Se o autor, no caso do presente livro, ainda está escrevendo, e em que medida, na esteira e na urgência das possibilidades que este lhe havia aberto, é algo que outro, melhor do que ele, partindo dos livros sucessivos, poderá julgar.) A vida do autor coincide, nesta perspectiva, com a vida da obra, e julgar as próprias obras passadas é o impossível que só a obra ulterior inevitavelmente cumpre e procrastina. Trechos extraídos da obra Estâncias; a palavra e o fantasma na cultura ocidental (EdUFMG, 2007), do filósofo italiano Giorgio Agamben. Veja mais aqui.

VENDER A ALMA AO DIABO - [...] Quando acordou, Fausto procurou Helena em sua cama, mas a cama estava vazia. Teria sonhado? Mas as lembranças lhe pareciam tão reais! Se fosse um sonho, será que ele esqueceria dos detalhes, do cheiro, da cor dos olhos e dos cabelos dela? Isso o angustiava muito e ele lembrava que seu tempo havia chegado ao fim. Pensava que não havia perdão para ele, talvez houvesse perdão para a serpente que ofereceu a maçã para Eva no Paraíso, mas não para Fausto. Desejou que nunca tivesse aprendido a ler ou que não tivesse sido tão ambicioso. Desejou que tivesse tido uma vida mais humilde, porém mais livre. Fausto queria chorar, mas os demônios tinham lhe roubado as lágrimas e apenas um pouco de sangue corria em sua face. Ele queria pensar em Deus, mas depois de tantos pecados não se sentia digno, não achava justo procurar por Deus e também temia a vingança de Lúcifer. Quando faltava uma hora para a meia-noite, para o final de seus poderes, Fausto desejou que o tempo parasse, que uma hora durasse um dia e que um dia durasse uma semana e uma semana um mês. Para que tivesse tempo de recomeçar e de se arrepender. Talvez procurar seus amigos, mas as estrelas continuavam a se mover no céu e os ponteiros continuavam girando nos relógios. Quando faltava meia hora para o fim, Fausto desejou que a teoria de Pitágoras estivesse certa e que quando ele morresse sua alma migrasse para algum animal e que assim não fosse atormentado nem pelo céu, nem pelo inferno. Quando o relógio badalou meia-noite, Fausto quis ser uma gota de água que caísse no oceano e nele se fundisse. Assim ficaria protegido e seguro. Mas o que aconteceu foi que Satã entrou em seu escritório e abriu as portas do inferno, de onde serpentes gigantescas vieram ao seu encontro, enrolando-se em suas pernas e pescoço, sufocando sua respiração e o arrastando para a fogueira das torturas infernais. Trechos extraídos da obra Trágica história do doutor Fausto (Ridel, 2007), do dramaturgo, poeta e tradutor inglês Christopher Marlowe (1564-1593). Veja mais aqui e aqui.

TRÊS POEMAS - A UM ESTRANHO: Estranho que passa! você não sabe com quanta saudade eu lhe olho, / Você deve ser aquele a quem procuro, ou aquela a quem procuro, (isso me vem, como em um sonho,) / Vivi com certeza uma vida alegre com você em algum lugar, / Tudo é relembrado neste relance, fluído, afeiçoado, casto, maduro, / Você cresceu comigo, foi um menino comigo, ou uma menina comigo, / Eu comi com você e dormi com você – seu corpo se tornou não apenas seu, nem deixou o meu corpo somente meu, / Você me deu o prazer de seus olhos, rosto, carne, enquanto passamos – você tomou de minha barba, peito, mãos, em retorno, / Eu não devo falar com você – devo pensar em você quando sentar-me sozinho, ou acordar sozinho à noite, / Eu devo esperar – não duvido que lhe reencontrarei, / Eu devo garantir que não irei lhe perder. A VOCÊ: Estranho! se, ao passar, você me encontrar / e desejar falar comigo, por que não falar comigo? / E por que eu não falaria com você? ÀS VEZES COM ALGUÉM QUE AMO: Às vezes com alguém que amo, me encho de fúria, pelo medo de extravasar amor sem retorno; / Mas agora penso não haver amor sem retorno – o pagamento é certo, de um jeito ou de outro; / (Eu amei certa pessoa ardentemente, e meu amor não teve retorno; / No entanto, disso escrevi estas canções.). Poemas do poeta, ensaísta e jornalista estadunidense Walt Whitman (1819-1892). Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE MÉRET OPPENHEIM
A arte da fotógrafa e artista plástica suíça Méret Oppenheim (1913-1985).


Wilson Monteiro Cantarolando muito forró & muito mais na Agenda aqui.
&
Cine Mosquito & Jiddu Saldanha
&
A arte do cartunista e desenhista Mike Deodato Jr.
 

quarta-feira, maio 30, 2018

ONETTI, BAKUNIN, KALJU LEPIK, HJELMSLEV, MARÍA LA RIBOT, LYNN BIANCHI, WALTER SMETAK & VÂNIA ABREU


PENÚLTIMA CARTA DE MAIO - Imagem: arte da pintora, escultora e fotógrafa estadunidense Lynn Bianchi. - Estou aqui há tempo e nem sei mais o exato ou não, encolhido, deste tamaínho, milhares de abismos em mim para me perder e, para não cair, me deitei no chão frio na hora grande da solidão. Comumente é assim: eu daria o mundo para não tombar em vão, inútil deriva onírica carregada de vertigens. O que aconteceu comigo, já despenquei não sei quantos epigramas e me arrasto carregando meu fardo pelo assoalho nada aconchegante na hora errada dos vacilos. Em nome de quem estiro minhas costelas pelo pó da velharia escolar, sem casa nem teto, a me valer do que não tenho, a sentir-me na terceira margem, pra saber que o lado de cá é sempre menor que tantos outros. Nunca pensei que algo acabasse assim, para mim há sempre uma gota de sangue em cada palavra e um gole de veneno em cada pronúncia, e o gozo entre um e outro, a eterna vigília que de nada adianta ao desabar. Todos querem um mundo melhor e só tornam as coisas piores, a inumerável realidade volúvel, o mundo vivo das notícias tristes e a certeza da incerteza. Da penúltima vez era quase agora, quase última, de nenhuma ou talvez. Nem sabia que era e foi aquele gosto de véspera. Da penúltima vez eu quase não sabia nada, talvez ainda julgasse pelas aparências ou não havia me dado conta de que podia sonhar o impossível e realizá-lo de olhos bem abertos. Eu não via o que não era, ignorava o segredo por trás de todas as expressões, sequer sabia que não era nem segredo, não havia aprendido a amar de verdade. Não havia espera, eu era todas as funduras da unidade. Não havia depois naquele momento de ontem e amanhã, o gosto da eternidade. Mais soubesse teria feito tudo de novo pra não me arrepender de nada, nunca me arrependi. Mais soubesse não haveria última: tudo faz parte do todo. Eu apenas sonhava e era real. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do professor, músico e pesquisador Walter Smetak (1913-1984): Música dos mendigos, Uibitus Beija-flores e ETC & Interregno; da cantora Vânia Abreu: Seio da Bahia, Pra mim & Dó de mim; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. 

PENSAMENTO DO DIA – [...] A linguagem (a fala humana) constitui uma fonte inesgotável de múltiplos tesouros. Inseparável do homem, sempre presente em todos os seus atos, é a linguagem que dá forma a seu pensamento e sentimentos, assim como a seus esforços vontades e ações. Fundamento último da sociedade humana, a linguagem é a marca da personalidade individual, do país natal e da nação. O título de nobreza do homem [...]. Pensamento do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev (1899-1965), que desenvolveu a teoria da Glossemática, caracterizada por um alto grau de formalismo por estar interessada em descrever as características formais da linguagem no contexto da lógica. Veja mais aqui e aqui.

DEUS & O ESTADO – [...] Todos os ramos da ciência moderna, da verdadeira e desinteressada ciência, concorrem para proclamar esta grande verdade, fundamental e decisiva: o mundo social, o mundo propriamente humano, a humanidade numa palavra, outra coisa não é senão o desenvolvimento supremo, a manifestação mais elevada da animalidade pelo menos para nós e em relação ao nosso planeta. Mas como todo desenvolvimento implica necessariamente uma negação, a da base ou do ponto de partida, a humanidade é, ao mesmo tempo e essencialmente, a negação refletida e progressiva da animalidade nos homens; e é precisamente esta negação, racional por ser natural, simultaneamente histórica e lógica, fatal como o são os desenvolvimentos e as realizações de todas as leis naturais no mundo, é ela que constitui e que cria o ideal, o mundo das convicções intelectuais e morais, as ideias. [...] Assim, todas as vezes que um chefe do Estado fala de Deus, quer seja o imperador da Alemanha ou o presidente de uma república qualquer, estai certo de que ele se prepara para tosquiar de novo seu povo-rebanho. [...]. Trechos extraídos da obra Deus e o Estado (Cortez, 2011), do escritor, ativista anarquista e teórico libertário russo Mikhail Bakunin (1814-1876). Veja mais aqui.

AMANHÃ SERÁ OUTRO DIA – [...] A chuva deixara os bulevares quase vazios e só restava gente agrupada no café envidraçado onde, havia meses, não a deixavam entrar. Sonia, de pé no vestíbulo da casa vazia, viu que a chuva passava, fatigada, a manso chuvisco, viu-a cessar enquanto aumentava o frio do vento, e pensou que aquilo era sinal de boa sorte. Um pouco mais longe, do outro lado do amplo passeio, as luzes da cidade começavam a se acender. A noite tinha início, e, respirando o aroma tristonho de seu casaco molhado, Sonia pensou que também a esperança tinha início. Sorriu, sem realmente acreditar, como uma menina para a qual recitaram uma história já ouvida e inverossímil. Apalpou novamente a crespa peruca loira e com grande cuidado — tinha as unhas muito compridas — foi esticando as meias ensopadas presas pelas ligas. Sentiu fome de novo e lembrou que tinha um sanduíche de presunto no bolso. Mas não podia estragar o desenho da boca que fizera com batom e com tanto cuidado. Também lembrou que até o fim do mês estava em ordem com a polícia e obrigou-se a caminhar, aproximando-se da beira das calçadas para sorrir para os carros, rebolar e parar, fingindo procurar alguma coisa na bolsa enorme. Mas nada, ninguém, e sem dinheiro para tentar a sorte em bares onde ainda a deixavam entrar. Era noite e depois madrugada no bairro sujo da grande cidade. E Sonia, já sem fome, quase sem esperanças, continuava caminhando sobre a dor dos sapatos de salto agulha. Repetiram-se os breves diálogos com os homens que passavam. — Vamos. Você vem? — Vá tomar no cu. — Gosto disso. Eu também posso botar se quiser experimentar. Homens e homens e seu asco por eles. A luz limpa ameaçava chegar do porto e as outras iam se apagando. Subiu as escadas pisando com as meias de seda caras. Abriu a porta manchada e acendeu a luz do teto. O rapaz, que sentou- se na cama, perguntou com medo: — Como foi? — Uma merda, boneca. Estou faminta. Acho que tínhamos uma lata de sardinha e sobrou pão do café-da-manhã. O menino, moreno e magro, levantou-se da cama e começou a remexer no armário; disse com voz de mimo e queixa: — Você ainda não me beijou. — Agora. Diante do espelho Sonia tirou a peruca e acariciou as faces. — Outra vez barbuda. Depois tirou a roupa e ficou olhando os peitos inchados com silicone e o sexo que penderia trêmulo e inútil mesmo depois das sardinhas. [...]. Trechos extraídos da obra 47 contos de Juan Carlos Onetti (Companhia Das Letras, 2006), do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994). Veja mais aqui e aqui.

PRAGA - Se destruíres nosso povo / Que a chuva vire pedra sobre teus campos. / Que a pedra dispare brotos de pedra. / Que pão de pedra esteja em tua mesa. / Que pétreo seja o chão em que pisas. / Que pétreo seja teu céu acima. / Que o mar vire pedra. / Vire pedra como teu coração é de pedra / Contra nossa terra e nosso povo. Poema do poeta estoniano Kalju Lepik (1920-1999).

A ARTE MARÍA LA RIBOT
A arte da bailarina e coreógrafa performática espanhola María La Ribot.


II Festival Internacional de Música de Campina Grande – II FIMUS Jazz, dias 14 e 15 de julho de 2018, no Teatro Municipal & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte da pintora, escultora e fotógrafa estadunidense Lynn Bianchi.
&
Brincava e aprendia, a literatura de Autran Dourado, a poesia de Vielimir Khlébnikov & a fotografia de Colin Solomon aqui.
 

terça-feira, maio 29, 2018

CAETANO VELOSO, JUAN JIMÉNEZ, ALFONSINA STORNI, HUIZINGA, CHESTERTON, KÜHNER & GHUHA TÁVORA


MISSIVA RENASCIDA - Imagem: arte do artista visual Ghuga Távora - Amanheço com as zis cores do amor no coração e da janela quase não sobra mais nenhuma delas no cinza de tanto desalento. Acordar é difícil num momento em que tudo é inseguro. Abro a porta e caminho ao derradeiro amor de cidade em cidade, onde sou lá de baixo ou de cima no fogo aceso dos galopes insones pra garimpar a imensidão do céu, com o perfume de incenso de estranha casa flutuante na frieza dos que se escondem pra se safar do que causam aos sofrimentos alheios e a se perguntar o que fazer numa hora dessas, mais dia, menos dia, a avalanche do desespero catatônico. Sigo entre estrondos e migalhas e não sabia por onde o morro trêmulo no meio da curva com grilhões de ferro nas trevas sobre-humanas, a ninguém interessa a minha e a nossa tristeza, quem se importa, pode não mais existir ou sucumbiu deprimido pela inglória de ser vivo num tempo tão sem alma. A audácia de muitos escolheu outros caminhos mais curtos e menos tortuosos, para encherem seus bolsos e nem aí pra mais nada de si e do mundo, não sabem as labaredas queimando seus próprios rastros. As ruas atravessam meu peito pro passo em uma entre tantas direções dos meus pés fugidios, pelas trincheiras de dias terríveis, e despejo a minha alma sem desperdiçar um único afago, mesmo que me submetam ao fuzilamento da discórdia, não haverei de mudar, mesmo que eu seja o alvo do ódio e a minha boca sangre com o espinho da rosa anímica pro coágulo de sangue último na imagem do rosto de pedra no norte gelado, amarrada ao pescoço pelo nó apertado dos horrores na face desfigurada entre flores e ervas oferecidas. Sigo em frente e das minhas vértebras emerge o imigrante coração da via láctea e a mão próxima solta as minhas que se perde com nenhum brilho no teto da noite e nenhuma palavra de dor fosse ouvida de ninguém, mas fui vencido pela cúpula fria dos que abafam o gemido alheio. Quem dera eu fosse os oceanos para ensinar a vida e afugentar a sombra da morte que ameaça e ronda o planeta estremecido. Quem dera da plena manhã tomasse uns versos alegres para o verão de todas as oportunidades paratodos. Quem dera da tarde eu tivesse a primavera das conquistas e distribuísse a quem chegasse. Quem dera da noite eu pudesse ao outro do aprendizado pro descanso e da minha voz fazer coisas possíveis nas flores dos sorrisos das minhas para todas as mãos e me atirar de cabeça pra reinventar a vida no júbilo de ser vivo e poder comungar da festa dos seres e coisas da Terra. Quem dera, um dia mais outro, nem há de esquecer, é a vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico, produtor, arranjador e escritor Caetano Veloso & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Se queremos, pois, salvar esta civilização [...] torna-se, sem dúvida, necessário que todos os viventes compreendam bem até que ponto a decadência já avançou [...]. Pensamento extraído da obra Nas sombras do amanhã: diagnóstico da enfermidade espiritual do nosso tempo (Armênio Amado, 1944), do professor e historiador neerlandês Johan Huizinga (1872-1945), que em outra obra L’uomo e la cultura (La Nuova Italia, 1948), expressa que: Nós todos queremos vê-la segura, esta cultura [...] protegida daquela terrível selvageria que em nossa volta se propaga. E nós sabemos que se a cultura deve ser recuperada, isso deve ser a tarefa de nós homens [...]. Veja mais aqui.

MANDANDO VER - A comédia do homem sobrevive à sua tragédia. As falácias não se tornam menos falácias porque se tornaram modas. Costumes são, geralmente, generosos. Hábitos, são quase sempre, egoístas. Acredito que o que realmente acontece na história é o seguinte: o homem idoso está sempre errado; e os jovens estão sempre errados sobre o que está errado. A forma prática que isso toma é a seguinte: enquanto o homem idoso se apega a algum costume estúpido, o homem jovem sempre o ataca, com alguma teoria que se mostra igualmente estúpida. Ultimamente não temos tido boas óperas cômicas, pois, o mundo real tem sido mais cômico que qualquer ópera imaginável. Quando homens instruídos começam a usar a razão, então, geralmente, descubro que eles não a têm. O esteta aspira à harmonia, não à beleza. Se seu cabelo não combina com o purpúreo por do sol, contra o qual ele se posta, ele rapidamente tinge seu cabelo com uma sombra de púrpura. Se sua esposa não combina com o papel de parede, ele se divorcia. O reformador está sempre certo sobre o que está errado. Ele, geralmente, está errado sobre o que está certo. Os primeiros dois fatos que um menino ou menina saudável sentem sobre o sexo são: primeiro que é bonito e depois que é perigoso. Trechos recolhidos de textos publicado no International Lunar Network, escritos pelo escritor, filósofo, dramaturgo, jornalista e crítico de arte inglês, Gilbert Keith Chesterton (1874–1936).

O MENINO E A FONTE – [...] Na aridez abrasada de sol do grande lago poeirento que, por mais leve que se pise, cobre a gente, até os olhos, de branca poeira peneirada, o menino e a fonte formam um grupo risonho e esplêndido, cada qual com a sua alma. Embora ali não haja uma única árvore, o coração, em chegando, se enche de uma palavra que os olhos fixam, gravada no céu azul da Prússia, com grandes letras de luz: OÁSIS. A manhã já tem um calor de sesta e a cigarra chia nas oliveiras, para as bandas do cercado de San Francisco. O sol bate em cheio na cabeça do menino. Ele, porém, distraído com a água, não sente. Estendido no chão, está com a mão sob o jorro vivo, e a água lhe põe na palma um borbotante tesouro de frescura e de graça que seus negros olhos comtemplam em êxtase. Fala sozinho, respira fundo, coça-se aqui e ali, com a outra mão. O tesouro, sempre igual e diferente sempre, desfaz-se às vezes. O menino, então, se retrai, apruma-se, concentra-se para que nem essa pulsação do sangue que, como um espelho que se movesse sozinho, muda a sensível imagem do caleidoscópio, roube à água a primitiva forma surpreendida. Platero, não sei se entenderás ou não o que te digo: mas esse menino tem a minha alma em sua mão. [...]. Trecho extraído da obra Platero e eu (Martins Fontes, 2010), do poeta espanhol e Prêmio Nobel de Literatura de 1956, Juan Ramón Jiménez (1881-1958). Veja mais aqui.

DOIS POEMASPRESSENTIMENTO: Tenho o pressentimento de que viverei pouco. / Esta minha cabeça, semelhante ao crisol, / Purifica e consome. / Mas sem nenhuma queixa, sem nenhum sinal de horror, / Quero para o meu fim que em uma tarde sem nuvens, / Sob o límpido sol, / Nasça de um grande jasmim uma serpente branca / Que doce, docemente, me pique o coração. DOCE TORTURA: Poeira de ouro em tuas mãos foi minha melancolia; / Em tuas mãos compridas esparramei minha vida; / Minhas doçuras às tuas mãos ficaram presas; / Agora sou uma ânfora de perfumes vazia. / Quanta doce tortura quietamente sofrida, / Quando, ferida a alma de tristeza sombria, / Ciente de enganos, eu passava os dias / Beijando as duas mãos que me sugavam a vida! Poemas da poeta argentina Alfonsina Storni (1892-1938).

A ARTE MARIA HELENA KUHNER
A dramaturga, escritora e pesquisadora, Maria Helena Kühner, é autora de diversas obras já destacadas aqui, entre elas Teatro em Tempo de Síntese (Paz e Terra, 1971) e Teatro Popular: Uma Experiência (Francisco Alves, 1974), entre outras. Veja mais aqui e aqui.
2º Aberto de Xadrez da Escola Municipal Lauro Chaves & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte do artista visual Ghuga Távora
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Brasil a sério, não ria!, a literatura de Manuel Scorza, o cinema de Michelangelo Antonioni, Fecamepa, a arte de Marina Abramovic, Andrey Kuzmin & Vitor Loli aqui.
 

segunda-feira, maio 28, 2018

JAMES JOYCE, OCTAVIO PAZ, LUÍZA BARRETO LEITE, OSMÁRIO MARQUES, JUSSARA SALAZAR DEMOCRACIA, GIAN CORREA & CLÉLIA IRUZUN


CARTA DE PEITO ABERTO - Imagem: a arte do fotógrafo Osmário Marques. - Não nasci para sempre e a cada espanto a sequência da memória que me falha, se entrega ao meu exílio. Pouco sou do que me resta, nada tenho por primazia: sou mato de chão, areia de deserto, estrangeiro para todos, e por todos, cada um, sou comunhão. As palavras antigas agora quase são outras e o Brasil é sempre o mesmo, confunde-se com séculos de ontens, e nem se espera que amanhã seja um outro de tão pretérito, um futuro só passado no agora nem lembrado e sequer vivido diante das desventuras e sem pausas nas recordações. Daqui a gente não sai, apesar do riso de esgar dos que pensam donos dos confins. Ainda é cedo, mesmo que pareça tarde demais e tudo por um fio. Nenhum recado e me adivinho inteiriço nas minhas espessuras, porque perdi o calendário, os dias e os meses – não sei se hoje é quarenta e cinco de outubro, ou trinta e um de fevereiro -, cheguei antes do nome e dissolvo as sombras, fatigado de errar. Sirvo-me da derradeira esperança, escrevo estrelas e reclamam as palavras extraviadas no reino do silêncio. O sortilégio da poesia segue o exemplo luminoso do coração na serena voz, se faz frio ou calor, o corpo é só verdade ao sentimento. Sou o que canto, qualquer maneira, espesso ou insosso, levo o gesto sem demora pra quem punge a lágrima escondida. Canto a pele do rio, o céu azul da cidade, a doce terra, pode ser nada, só o que tenho, e o meu dedo alisa o espaço e toca o tempo – essas ilusões que não resistem aos meus olhos fechados. Cantar sempre foi o meu fraco e se me perguntam se vou, digo chego já, e reparto a colheita do peito sem certeza por mais distante que sejam os caminhos. A morte que me pertence depende de mim e sou nela o vale da eternidade. À minha espera, a paixão em tudo que faço: vivo o instante que me cabe e convivo com o milagre de viver vendaval. A vida é o que me vale, cair na vida pro exercício do amor. Deus abençoe a todos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, arranjador e violonista 7 cordas Gian Correa: Jazzman no Morro, Gênese & Homenagem a Dominguinhos; da pianista Clélia Iruzun: Grand Fantasie Triomphali sur l’Hymne National Bresilien, Choro nº 5 – Alma brasileira & Bachianas Brasileiras nº 4 de Heitor Villa-Lobos; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Nossa constituição é chamada de democracia porque o poder está nas mãos do povo e não de uma minoria. Quando se trata de solucionar rixas particulares, todos são iguais perante a lei; quando se trata de colocar um indivíduo à frente de outro em cargos de responsabilidade pública, o importante não é pertencer a determinada classe, mas sim a capacidade real de que o homem é possuidor. Ninguém, desde que nutra o desejo de servir ao estado, é mantido na obscuridade política por ser pobre... esta é uma peculiaridade nossa; não dizemos que um homem que não tem interesse pela política é um homem que trata de sua própria vida; dizemos que ele não tem absolutamente nada a fazer aqui. [...]. Palavras do estadista, orador e estrategista da Grécia Antiga, Péricles (495/492aC-429aC), durante a Era de Ouro de Atenas, recolhida da obra História das cavernas ao terceiro milênio (Moderna, 2000), de Myriam Becho Mota & Patrícia Ramos Braick. Veja mais aqui e aqui.

A DESCOBERTA & A REVELAÇÃO – [...] A revelação não descobre algo exterior, que estava aí, alheio; o ato de descobrir entranha a criação do que vai ser descoberto: nosso próprio ser. Nesse sentido, pode-se dizer, sem temor de incorrer em contradição, que o poeta cria o ser. Porque o ser não é algo dado, sobre o qual se apoia nosso existir, mas algo que é feito. O ser não pode se apoiar em nada porque o nada é seu fundamento. Assim, não lhe resta outro recurso senão segurar-se em si, criar-se a cada instante. Nosso ser consiste numa possibilidade de ser. Ao ser não lhe resta nada senão ser-se. Sua falta original — ser fundamento de uma negatividade — obriga-o a criar sua abundância ou plenitude. O homem é carência de ser mas também é conquista do ser. O homem é lançado para nomear e criar o ser [...]. Trecho extraído da obra O arco e a lira (Nova Fronteira, 1982), do escritor e diplomata mexicano Octavio Paz (1914-1998) que, em outra obra, Signos em rotação (Perspectiva, 2003), observa que: [...] Com efeito, a linguagem é sentido disto ou daquilo. O sentido é o nexo entre o nome e aquilo que nomeamos. Assim, implica distância entre um e outro. Ao anunciarmos certa classe de proposição (“o telefone é comer”, “Maria é um triângulo”, etc) produz-se um sem-sentido porque o objeto torna-se insalvável: a ponte, o sentido rompeu-se. O homem fica só, encerrado em sua linguagem. Com a imagem sucede o contrário. Longe de aumentar, a distância entre palavra e coisa se reduz ou desaparece por completo: o nome e o nomeado são a mesma coisa. O sentido — na medida em que é nexo ou ponte — também desaparece; já não há nada que aprender, nada que assinalar. Mas não se produz o sem-sentido ou o contra-sentido e sim algo que é indizível e inexplicável, exceto por si mesmo [...]. Veja mais aqui e aqui.

EXILADOS[...] Richard: [Recosta-se, prende as mãos atrás da cabeça.] Ah, se soubesse como estou sofrendo agora! Por sua causa também, mas principalmente por mim mesmo. [Com intensa amargura.] E como eu rezo para que pudesse receber novamente a dureza do coração da minha falecida mãe! Preciso encontrar algum tipo de ajuda, dentro ou fora de mim. E vou encontrar. [BEATRICE levanta-se, olha fixamente para ele e afasta-se até a porta do jardim. Vira-se hesitante, olha novamente para ele, volta até a poltrona e apóia-se nela.] Beatrice: [Calmamente.] Ela o chamou antes de morrer, senhor Rowan? Richard: [Perdido em pensamentos.] Quem? Beatrice: Sua mãe. Richard: [Voltando a si, olha-a pungentemente por um momento.] Então meus amigos também comentaram a respeito disso, que ela mandou me chamar antes de morrer e que eu não fui vê-la. Beatrice: Sim. Richard: [Friamente.] Não, ela não mandou me chamar. Morreu só, sem me perdoar e fortalecida pelos rituais da sagrada igreja. Beatrice: Por que está falando comigo desse jeito, senhor Rowan? Richard: [Levanta-se e anda de um lado para o outro.] E você vai dizer que esse meu sofrimento é minha punição. Beatrice: Ela lhe escreveu? Quer dizer, antes de... Richard: [Parando.] Escreveu. Uma carta com conselhos, mandando que esquecesse o passado e lembrasse das últimas palavras que havia me dito. Beatrice: [Suavemente.] E a morte não o afeta, senhor Rowan? É um fim. Nada mais é tão certo. Richard: Enquanto estava viva, ela virou as costas para mim e para minha família. Isso, sim, é certo. Beatrice: Ao senhor e à sua família... ? Richard: Eu, Bertha, nosso filho. Então, esperei pelo fim, como você diz. E ele veio. Beatrice: [Cobre o rosto com as mãos.] Não, não posso acreditar no que estou ouvindo. Richard: [Furiosamente.] Como minhas palavras poderiam ferir aquele pobre corpo apodrecendo na cova? Você acha que eu não lamento pelo amor frio e virulento que ela tinha por mim? Eu lutei contra o seu espírito enquanto ela viveu, até o amargo fim. [Pressiona a mão contra a testa.] Ele ainda luta contra mim, aqui. Beatrice: [Como antes.] Por favor, não fale assim! Richard: Ela me afastou. Por causa dela vivi anos exilado e na miséria, ou quase. Nunca aceitei as esmolas que ela me mandava pelo banco. E esperei também. Não pela sua morte, mas que me compreendesse de algum modo, o próprio filho, sua carne, seu sangue. Mas isso nunca aconteceu. Beatrice: Nem mesmo depois de Archie? Richard: [Asperamente.] Meu filho, você acha? Uma criança fruto do pecado e da vergonha! Você está falando sério? [Ela levanta a cabeça e olha para ele.] As más-línguas daqui já estavam prontas para contar tudo a ela, para amargurar ainda mais sua mente doentia e instigá-la contra mim, Bertha e nosso filho bastardo e ateu. [Estendendo suas mãos para ela.] Você não consegue ouvi-la desdenhando de mim enquanto falo? Você deve conhecer aquela voz, com certeza, a voz que lhe chama de protestante demoníaca, de filha do pervertido. [Recompondo-se subitamente.] De qualquer forma, uma mulher notável. [...]. Trecho da peça teatral Exilados (Iluminuras, 2003), do escritor irlandês expatriado James Joyce (1882-1941), contando a história de um casal que volta a Dublin depois do exílio e retoma contato com um jornalista que é apaixonado pela esposa do amigo e entra em conflito interno, desenvolvendo uma trama de um triângulo amoroso entre um artista que luta contra as convenções burguesas, sua mulher de caráter forte e insubmisso e um jornalista de temperamento sensual, mostrando a frágil divisão de possessão existente quando amor e amizade realizam-se livremente sem restrições. Veja mais aqui.

CINCO POEMAS - OH MEU SENHOR! I - o modo como ela ouvia a chuva / um último momento e o rapaz lhe salva / quase sempre ele / vai requebra pela calçada / calça justa cabelos negros / sobre a pista de dança daquele modo / como ele / o rapaz / dançava / o corpo nos 70 aquele rapaz / o modo como agora ela reza senhor / saída de um retábulo hieronymus / sobre a mesa da sala/ os pássaros monstros voando como balas / estilhaçando as janelas de um céu azul / os pássaros sem modos do amanhecer / os estridentes “eles" / cristais presos ao vidro / as balas azuis as balas / os cavaleiros com suas caras / a cruz no peito estilhaçado pelos mesmos pássaros / a sala a vala rasa a vara dos / treze anjos no teto a casa / são anjos com olhar afiado / de oh piedade senhor tende de nós / o modo como ela sabia das flores dias / e dias lilases branco pálidos como seu rosto / e as flores até enegrecerem secarem / vivas como velas / tremulando sobre as paredes / bebendo as noites de celan / o modo como ela atravessava e bebia o corredor / e a noite varava / oh senhor! II - oh tereza de ávila entre os muros / de pedra / a minha casa / como a tua lavoura a minha casa / sob os teus pés / mater dolorosa / doce aragem perfumada / sobre o meu retrato paira / ondula esfumaça / cor-de-rosa venenosa / a rosa oh tereza santa / desvairada / a neblina grita guerra / a minha casa arde / e a minha tarde espera / entre as velas / que iluminam as pedras / da muralha sem pássaro / da cidade sem máscara / da outra pedra sem laço / onde o espaço onde / arde o ocaso arde / e queima a casa dela / areia areia areia / minha estrela sobe o sepulcro / areia aleph areia / beijo o muro / e pedra / atravesso a casa / meu livro de letras / movimenta-se / areia / sob o chão de minha casa / movimenta-se / a tua casa escassa / mina e cada passo / acaba / acaba e cada brisa / inicia outra casa / areia areia areia A FIANDEIRA ABRIU: A fiandeira abriu o baú de prata teceu um vestido cor de terra. Vestiu-o e adormeceu em meio ao mato que cobriu a casa branca do cal da escuridão. Nunca mais despertou. O diabo sentado para o jantar ouviu tudo. A noite misteriosa nada escutou: a cruz no peito e o diabo nos feitos As saias de Juana, a alma, são brancas Todos os vestidos das mulheres da casa são negros guardados em baús dobrados no desalinho do tempo No verão enquanto os tamanduás passeiam os focinhos compridos as mulheres de negro cerram as janelas e fingem o luto choram como bezerras Rezam ao pé da cruz se descabelam para depois pecar ao sol com suas vestes pássaras cantam seus rondós silvestres pintam os olhos que exibem esquecem São criaturas de um outro mundo Juana, a alma de porcelana, nunca chorou 1300 Mis saetas ligeras les tiraré, y la hambre corte el vital estambre; y de aves carniceras TYRANA CANTADA À SACRA PRECLARÍSSIMA SANTA JOANA PRINCESA EM SEU LEITO DE MORTE – 1 Ela disse ao coração do cantor / não cante/aos corvos / ela disse ao mar profundo / jazem/as brumas da ira / ela disse não cante /apenas diga / ao silêncio/que plante / aquela flor/ e rasgando a sombra/cuja mão / ela /esguia como um longo cravo/ segurava/disse ao tempo/ não espantes/o sol com a tua dor BESTIÁRIO - a minha guerra será a tua guerra / não a guerra dos homens /mas a dos pássaros desgarrados / o nosso bestiário será esse / o do contrário nunca jamais / e a minha casa será a tua guerra / o nosso bestiário será esse / o do contrário o dos urubus diários / e a minha carne será a tua guerra / o nosso bestiário será esse / o dos monstros submersos que eunoé lembrará / quando a minha cruz for a tua guerra / então o nosso bestiário será esse / canto perdido sem prumo retalhado / sem dor sem beleza nem terra / e a minha guerra será a tua guerra. Poemas da poeta e artista plástica Jussara Salazar, autora dos livros Carpideiras (2011), Natália (2004) e Coloraurisonoros (2008), entre outros.

A ARTE LUIZA BARRETO LEITE
A atriz, crítica e diretora teatral Luíza Barreto Leite (1909-1996), estreou no cinema com o filme Sob a luz de meu bairro, em 1946, tornando-se uma das fundadoras do grupo teatral Os comediantes e foi diretora de radioteatro da Rádio Mec. Ela também foi ensaísta, professora e é autora dos livros A mulher no teatro brasileiro (Espetáculos, 1965), Teatro na educação (INP, 1954), Teatro e criatividade (MEC/SNT, 1975) e O teatro na educação artística (Achiamé, 1980), entre outros.


O livro Palpo a quimera e o tremor, de Vital Corrêa de Araújo & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte de Osmário Marques
&
Coisas da vida de rir & chorar, a literatura de Ferreira Gullar & Patrick McGrath, a fotografia de Max Dupain & JR aqui.
 

sexta-feira, maio 25, 2018

JAMES BALDWIN, ANTÔNIO TORRES, LÉVINAS, HABERMAS, ANGÉLICA FREITAS, CRISTINA RIPPER, EDUCAÇÃO, LUIZ TATIT & LUIZA POSSI


CARTA DE CONDOLÊNCIAS - Imagem: arte da escultora e artista visual Cristina Ripper. - A cada passo eu piso em falso pela paisagem embaraçada em pleno meio dia e para que a tarde seja tão imprevisível quanto a noite confusa no céu impossível. Para quem perdeu o sono, o amanhecer é escasso como aqueles que fazem o pequeno número no rol do apreço, de contar nos dedos e quase nem vê-los escapulindo por trás dos montes do desprezo. Assimilo à contraluz a insensatez – oh, humanidade canhestra -, o reverso da medalha e os golpes contínuos no abrigo dos vivos, confinado aos gestos e atitudes que passam lá longe e alheios aos acontecimentos, e absortos pela negra venda da ignorância cega à vasilha do destino e ao recipiente da morte, para nos mostrar as misérias da fortuna. Estou só, quem não está nessa hora, eu bem sei. Nunca esperei nada, nem do merecido, muito menos o prometido, e para quem não sabe o que fazer na vida, lançado ao fogo ou abandonado à própria sorte e à explosiva força centrífuga dos desenganos, o meu abraço fraternal. Estou peito aberto para quem foi pro fundo do poço e não saiu de lá, porque ainda há tempo, e Thiago canta versos do coração diante do inevitável desfecho suspeito de proibições formais e sujeito a toda sorte de calamidade, aqui estou eu. Sou mãos de peito aberto para quem restou apenas o telhado a céu perdido e os males voando por todos os lados, cansado já de agitar os braços infelizes por socorro, rendendo-se de cócoras e desafortunado, com menos de meia dúzia de opções baldadas, na sua ignorância-plutão de vê-se condenado desde o pecado original até ao mais recente decreto municipal, para cumprir mais esmerado a sua tarefa sobre a tampa de um tonel inflamável com a dádiva das coisas, aqui estou, estamos. Sou abraço de peito aberto para quem perdeu a esperança, como se Pandora trouxesse uma nuvem negra e o Sol deixasse de eclodir no Leste, mesmo que ela pareça que voou e foi embora com suas vestes esvoaçantes, nada mais de nada mais, sou coração solidário para que juntos possamos irromper foco de luz capaz de mostrar que somente a esperança permanece dentro, e aqui estou, estamos, vamos juntos. E mesmo que soem condolências, não olho pra trás, nem posso ou deva, sou mãos postas e braços peito aberto para que a saibamos desencontrados, lamentando a distância regulamentar pela correria no afã do ouro com seus laços dissolutos, aqui estou, estamos. Aqui estou a desculpar da pressa do relógio com sua lâmina afiada degolando sentimentos e a lamentar do corte na ternura para quem hasteou a soberba de bloco do eu sozinho na pisada de uns sobre outros, pela competitividade e conquistas de nada, aqui estou, estamos. Aqui estou a perdoar dos ardis com seus toques de arrodeio só para chegar antes que todos ao pódio, com todas as comemorações dissimuladas de sabedoria ádvena da lealdade, aqui estou, estamos. Aqui estou e só nos resta, nada mais, só as mãos postas, espalmadas, o peito aberto e o abraço, agora vamos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico, linguista e professor universitário Luiz Tatit: Rodopio, Depois melhora & A companheira; da cantora e compositora Luiza Possi: Sobre o amor e o tempo, A vida é mesmo agora & Seguir cantando; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] A questão não é a de saber se conseguimos esgotar um potencial disponível ou a ser ainda desenvolvido, mas a de saber se escolhemos aquilo que podemos querer para os fins de uma pacificação e satisfação da existência. [...]. Trecho extraído da obra Técnica e ciência enquanto ideologia (Edições 70, 1968), do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. Veja mais aqui.

LÉVINAS & A EDUCAÇÃO – [...] Pensar a educação como acontecimento ético implica fazer da experiência educativa um lugar de encontro com o Outro; significa, de modo contrário à relação que visa à objetivação do Outro na educação, estar disposto a lançar-se a novos horizontes desconhecidos, expondo-se, com isso, ao inesperado, ao imprevisível, ao irredutível do Outro, com todos o riscos que o encontro exige e toda insegurança e inquietação que ele provoca. Na educação, o sujeito que não se expõe ao desconhecido é incapaz de sentir a força transformadora do encontro com o Outro, a qual está na base da experiência educativa. Lá onde acontece a educação, produz-se um encontro do professor (não como um sujeito que sabe) com o aluno (não como aquele que não sabe). Uma relação que não pressupõe o exercício de transmissão de saberes, mas o encontro do que se sabe responsável pelo outro, obrigado a dar-lhe uma resposta na situação de radical alteridade. [...]. Trecho extraído do artigo Lévinas e a reconstrução da subjetividade ética aproximações com o campo da educação (Revista Brasileira de Educação, 2014), de José Valdinei Albuquerque de Miranda. Veja mais aqui e aqui.

GIOVANI - [...] Impaciente, fico imaginando o motivo pelo qual ela parece tão preocupada. Mas a mulher sorri assim que abro a porta, num sorriso que emana a coquete e a matrona. Ela já é bastante idosa e, na realidade, não é francesa. Veio para a França já muitos anos, “quando era muito novinha, senhor”, cruzando a fronteira e saindo da Itália. Como a maioria das mulheres dali, parece ter entrado em luto assim que o último filho deixou de ser criança. Hella achava que eram todas viúvas, mas verificamos que a maioria tinha maridos ainda vivos. Esses maridos pareciam seus filhos e às vezes jogavam belote num campo próximo à nossa casa e seus olhos, quando viam Hella, continham a vigilância orgulhosa de um pai e a especulação vigilante de um homem. [...] Tratavam-me como o filho há pouco iniciado na idade adulta, mas ao mesmo tempo com grande distância, pois eu realmente não pertencia a qualquer um deles, e eles também sentiam (ou eu achava que sim) alguma coisa em mim, coisa essa que não era de sua conta aprofundar. [...]. Trechos extraídos da obra Giovanni (Civilização Brasileira, 1968), do escritor norte-americano James Baldwin (1924-1987), contando a história de dois jovens em Paris para resolverem a relação de todos os problemas da existência, angustiada e cheia de variados sentimentos. Veja mais aqui.

TRÊS POEMAS - RILKE SHAKE: salta um rilke shake / com amor & Ovomaltine / quando passo a noite insone / e não há nada que ilumine / eu peço um rilke shake / e como um toasted Blake / sunny side pra cima / quando estou triste / & sozinha enquanto / o amor não cega / eu bebo um rilke shake / e roço um toasted Blake / na epiderme da manteiga / nada bate um rilke shake / no quesito anti-heartache / nada supera a batida / de um rilke com sorvete / por mais que você se deite / se deleite e se divirta / tem noites que a lua é fraca / as estrelas somem no piche / e aí quando não há cigarro / não há cerveja que preste / eu peço um rilke shake / engulo um toasted blake / e danço que nem dervixe. A MINA DE OURO DE MINHA MÃE & DE MINHA TIA: se chamava / ilha da feitoria / ou ilha do meio / onde as duas vendiam / cosméticos avon / chegavam de bote / motorizado / com fardos de produtos / batons rímeis perfumes / e sobretudo rouges / eram recebidas / pelas donas de casa / cabeludas / bigodudas / panos de prato no ombro / filhos ranhentos no colo / minha mãe & minha tia procediam / ao embelezamento das nativas / devolviam-lhes cores / às faces / todo o espectro de cores / de um céu de fim de tarde / na lagoa dos patos / azuis e roxos e laranjas e rosas / e depois lhes emprestavam / espelhos / as donas de casa da ilha do meio / compravam muita maquiagem / minha mãe & minha tia / enchiam sacos de dinheiro. MULHER DE ROLLERS: no condomínio querem saber / se ela pirou de vez / ou se vai competir / nalguma espécie de jogos olímpicos / porque deu para andar de rollers / na área comum do prédio / prejudicando a saída / e a entrada de veículos / ainda por cima anda mal / nem ganhou velocidade / pirueta é coisa então / para a próxima encarnação / consternação entre condôminos / com seu senso do ridículo / “essa daí vai acabar / como na música do chico ”/ “vai passar na avenida / um samba popular?” / “não, atrapalhando o tráfego”. Poemas da poeta e tradutora Angélica Freitas, autora dos livros Rilke Shake (São Paulo: Cosac Naify, 2007) e um útero é do tamanho de um punho (São Paulo: Cosac Naify, 2013).

A ARTE DE ANTONIO TORRES
O premiadíssimo escritor, jornalista e ocupante da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, Antônio Torres, é autor de diversas obras, entre as quais destacamos Essa Terra, relato emocionante de um homem que retorna à cidade natal depois de vinte anos de ausência, desiludindo-se com tudo que reencontra, enforcando-se, por conta disso no gancho de uma rede. A obra já foi destacada neste espaço, como também alguns dos seus títulos infanto-juvenis. Por conta disso, veja mais aqui, aqui e aqui.


Exposição Em-Cantos de Palmares, do artista plástico José Durán y Duran & muito mais na Agenda aqui.
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A arte da escultora e artista visual Cristina Ripper aqui.
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Tudo dela pra mim, O livro vermelho de Carl Gustav Jung, a música de Livio Tragtenberg & a arte de Luciah Lopez aqui.
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Das coisas & coisas, a literatura de Paul Auster, a coreografia de Luciana Achugar, a arte de Debbie Lee & a música de Marisa Ricco aqui.