segunda-feira, maio 28, 2018

JAMES JOYCE, OCTAVIO PAZ, LUÍZA BARRETO LEITE, OSMÁRIO MARQUES, JUSSARA SALAZAR DEMOCRACIA, GIAN CORREA & CLÉLIA IRUZUN


CARTA DE PEITO ABERTO - Imagem: a arte do fotógrafo Osmário Marques. - Não nasci para sempre e a cada espanto a sequência da memória que me falha, se entrega ao meu exílio. Pouco sou do que me resta, nada tenho por primazia: sou mato de chão, areia de deserto, estrangeiro para todos, e por todos, cada um, sou comunhão. As palavras antigas agora quase são outras e o Brasil é sempre o mesmo, confunde-se com séculos de ontens, e nem se espera que amanhã seja um outro de tão pretérito, um futuro só passado no agora nem lembrado e sequer vivido diante das desventuras e sem pausas nas recordações. Daqui a gente não sai, apesar do riso de esgar dos que pensam donos dos confins. Ainda é cedo, mesmo que pareça tarde demais e tudo por um fio. Nenhum recado e me adivinho inteiriço nas minhas espessuras, porque perdi o calendário, os dias e os meses – não sei se hoje é quarenta e cinco de outubro, ou trinta e um de fevereiro -, cheguei antes do nome e dissolvo as sombras, fatigado de errar. Sirvo-me da derradeira esperança, escrevo estrelas e reclamam as palavras extraviadas no reino do silêncio. O sortilégio da poesia segue o exemplo luminoso do coração na serena voz, se faz frio ou calor, o corpo é só verdade ao sentimento. Sou o que canto, qualquer maneira, espesso ou insosso, levo o gesto sem demora pra quem punge a lágrima escondida. Canto a pele do rio, o céu azul da cidade, a doce terra, pode ser nada, só o que tenho, e o meu dedo alisa o espaço e toca o tempo – essas ilusões que não resistem aos meus olhos fechados. Cantar sempre foi o meu fraco e se me perguntam se vou, digo chego já, e reparto a colheita do peito sem certeza por mais distante que sejam os caminhos. A morte que me pertence depende de mim e sou nela o vale da eternidade. À minha espera, a paixão em tudo que faço: vivo o instante que me cabe e convivo com o milagre de viver vendaval. A vida é o que me vale, cair na vida pro exercício do amor. Deus abençoe a todos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, arranjador e violonista 7 cordas Gian Correa: Jazzman no Morro, Gênese & Homenagem a Dominguinhos; da pianista Clélia Iruzun: Grand Fantasie Triomphali sur l’Hymne National Bresilien, Choro nº 5 – Alma brasileira & Bachianas Brasileiras nº 4 de Heitor Villa-Lobos; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Nossa constituição é chamada de democracia porque o poder está nas mãos do povo e não de uma minoria. Quando se trata de solucionar rixas particulares, todos são iguais perante a lei; quando se trata de colocar um indivíduo à frente de outro em cargos de responsabilidade pública, o importante não é pertencer a determinada classe, mas sim a capacidade real de que o homem é possuidor. Ninguém, desde que nutra o desejo de servir ao estado, é mantido na obscuridade política por ser pobre... esta é uma peculiaridade nossa; não dizemos que um homem que não tem interesse pela política é um homem que trata de sua própria vida; dizemos que ele não tem absolutamente nada a fazer aqui. [...]. Palavras do estadista, orador e estrategista da Grécia Antiga, Péricles (495/492aC-429aC), durante a Era de Ouro de Atenas, recolhida da obra História das cavernas ao terceiro milênio (Moderna, 2000), de Myriam Becho Mota & Patrícia Ramos Braick. Veja mais aqui e aqui.

A DESCOBERTA & A REVELAÇÃO – [...] A revelação não descobre algo exterior, que estava aí, alheio; o ato de descobrir entranha a criação do que vai ser descoberto: nosso próprio ser. Nesse sentido, pode-se dizer, sem temor de incorrer em contradição, que o poeta cria o ser. Porque o ser não é algo dado, sobre o qual se apoia nosso existir, mas algo que é feito. O ser não pode se apoiar em nada porque o nada é seu fundamento. Assim, não lhe resta outro recurso senão segurar-se em si, criar-se a cada instante. Nosso ser consiste numa possibilidade de ser. Ao ser não lhe resta nada senão ser-se. Sua falta original — ser fundamento de uma negatividade — obriga-o a criar sua abundância ou plenitude. O homem é carência de ser mas também é conquista do ser. O homem é lançado para nomear e criar o ser [...]. Trecho extraído da obra O arco e a lira (Nova Fronteira, 1982), do escritor e diplomata mexicano Octavio Paz (1914-1998) que, em outra obra, Signos em rotação (Perspectiva, 2003), observa que: [...] Com efeito, a linguagem é sentido disto ou daquilo. O sentido é o nexo entre o nome e aquilo que nomeamos. Assim, implica distância entre um e outro. Ao anunciarmos certa classe de proposição (“o telefone é comer”, “Maria é um triângulo”, etc) produz-se um sem-sentido porque o objeto torna-se insalvável: a ponte, o sentido rompeu-se. O homem fica só, encerrado em sua linguagem. Com a imagem sucede o contrário. Longe de aumentar, a distância entre palavra e coisa se reduz ou desaparece por completo: o nome e o nomeado são a mesma coisa. O sentido — na medida em que é nexo ou ponte — também desaparece; já não há nada que aprender, nada que assinalar. Mas não se produz o sem-sentido ou o contra-sentido e sim algo que é indizível e inexplicável, exceto por si mesmo [...]. Veja mais aqui e aqui.

EXILADOS[...] Richard: [Recosta-se, prende as mãos atrás da cabeça.] Ah, se soubesse como estou sofrendo agora! Por sua causa também, mas principalmente por mim mesmo. [Com intensa amargura.] E como eu rezo para que pudesse receber novamente a dureza do coração da minha falecida mãe! Preciso encontrar algum tipo de ajuda, dentro ou fora de mim. E vou encontrar. [BEATRICE levanta-se, olha fixamente para ele e afasta-se até a porta do jardim. Vira-se hesitante, olha novamente para ele, volta até a poltrona e apóia-se nela.] Beatrice: [Calmamente.] Ela o chamou antes de morrer, senhor Rowan? Richard: [Perdido em pensamentos.] Quem? Beatrice: Sua mãe. Richard: [Voltando a si, olha-a pungentemente por um momento.] Então meus amigos também comentaram a respeito disso, que ela mandou me chamar antes de morrer e que eu não fui vê-la. Beatrice: Sim. Richard: [Friamente.] Não, ela não mandou me chamar. Morreu só, sem me perdoar e fortalecida pelos rituais da sagrada igreja. Beatrice: Por que está falando comigo desse jeito, senhor Rowan? Richard: [Levanta-se e anda de um lado para o outro.] E você vai dizer que esse meu sofrimento é minha punição. Beatrice: Ela lhe escreveu? Quer dizer, antes de... Richard: [Parando.] Escreveu. Uma carta com conselhos, mandando que esquecesse o passado e lembrasse das últimas palavras que havia me dito. Beatrice: [Suavemente.] E a morte não o afeta, senhor Rowan? É um fim. Nada mais é tão certo. Richard: Enquanto estava viva, ela virou as costas para mim e para minha família. Isso, sim, é certo. Beatrice: Ao senhor e à sua família... ? Richard: Eu, Bertha, nosso filho. Então, esperei pelo fim, como você diz. E ele veio. Beatrice: [Cobre o rosto com as mãos.] Não, não posso acreditar no que estou ouvindo. Richard: [Furiosamente.] Como minhas palavras poderiam ferir aquele pobre corpo apodrecendo na cova? Você acha que eu não lamento pelo amor frio e virulento que ela tinha por mim? Eu lutei contra o seu espírito enquanto ela viveu, até o amargo fim. [Pressiona a mão contra a testa.] Ele ainda luta contra mim, aqui. Beatrice: [Como antes.] Por favor, não fale assim! Richard: Ela me afastou. Por causa dela vivi anos exilado e na miséria, ou quase. Nunca aceitei as esmolas que ela me mandava pelo banco. E esperei também. Não pela sua morte, mas que me compreendesse de algum modo, o próprio filho, sua carne, seu sangue. Mas isso nunca aconteceu. Beatrice: Nem mesmo depois de Archie? Richard: [Asperamente.] Meu filho, você acha? Uma criança fruto do pecado e da vergonha! Você está falando sério? [Ela levanta a cabeça e olha para ele.] As más-línguas daqui já estavam prontas para contar tudo a ela, para amargurar ainda mais sua mente doentia e instigá-la contra mim, Bertha e nosso filho bastardo e ateu. [Estendendo suas mãos para ela.] Você não consegue ouvi-la desdenhando de mim enquanto falo? Você deve conhecer aquela voz, com certeza, a voz que lhe chama de protestante demoníaca, de filha do pervertido. [Recompondo-se subitamente.] De qualquer forma, uma mulher notável. [...]. Trecho da peça teatral Exilados (Iluminuras, 2003), do escritor irlandês expatriado James Joyce (1882-1941), contando a história de um casal que volta a Dublin depois do exílio e retoma contato com um jornalista que é apaixonado pela esposa do amigo e entra em conflito interno, desenvolvendo uma trama de um triângulo amoroso entre um artista que luta contra as convenções burguesas, sua mulher de caráter forte e insubmisso e um jornalista de temperamento sensual, mostrando a frágil divisão de possessão existente quando amor e amizade realizam-se livremente sem restrições. Veja mais aqui.

CINCO POEMAS - OH MEU SENHOR! I - o modo como ela ouvia a chuva / um último momento e o rapaz lhe salva / quase sempre ele / vai requebra pela calçada / calça justa cabelos negros / sobre a pista de dança daquele modo / como ele / o rapaz / dançava / o corpo nos 70 aquele rapaz / o modo como agora ela reza senhor / saída de um retábulo hieronymus / sobre a mesa da sala/ os pássaros monstros voando como balas / estilhaçando as janelas de um céu azul / os pássaros sem modos do amanhecer / os estridentes “eles" / cristais presos ao vidro / as balas azuis as balas / os cavaleiros com suas caras / a cruz no peito estilhaçado pelos mesmos pássaros / a sala a vala rasa a vara dos / treze anjos no teto a casa / são anjos com olhar afiado / de oh piedade senhor tende de nós / o modo como ela sabia das flores dias / e dias lilases branco pálidos como seu rosto / e as flores até enegrecerem secarem / vivas como velas / tremulando sobre as paredes / bebendo as noites de celan / o modo como ela atravessava e bebia o corredor / e a noite varava / oh senhor! II - oh tereza de ávila entre os muros / de pedra / a minha casa / como a tua lavoura a minha casa / sob os teus pés / mater dolorosa / doce aragem perfumada / sobre o meu retrato paira / ondula esfumaça / cor-de-rosa venenosa / a rosa oh tereza santa / desvairada / a neblina grita guerra / a minha casa arde / e a minha tarde espera / entre as velas / que iluminam as pedras / da muralha sem pássaro / da cidade sem máscara / da outra pedra sem laço / onde o espaço onde / arde o ocaso arde / e queima a casa dela / areia areia areia / minha estrela sobe o sepulcro / areia aleph areia / beijo o muro / e pedra / atravesso a casa / meu livro de letras / movimenta-se / areia / sob o chão de minha casa / movimenta-se / a tua casa escassa / mina e cada passo / acaba / acaba e cada brisa / inicia outra casa / areia areia areia A FIANDEIRA ABRIU: A fiandeira abriu o baú de prata teceu um vestido cor de terra. Vestiu-o e adormeceu em meio ao mato que cobriu a casa branca do cal da escuridão. Nunca mais despertou. O diabo sentado para o jantar ouviu tudo. A noite misteriosa nada escutou: a cruz no peito e o diabo nos feitos As saias de Juana, a alma, são brancas Todos os vestidos das mulheres da casa são negros guardados em baús dobrados no desalinho do tempo No verão enquanto os tamanduás passeiam os focinhos compridos as mulheres de negro cerram as janelas e fingem o luto choram como bezerras Rezam ao pé da cruz se descabelam para depois pecar ao sol com suas vestes pássaras cantam seus rondós silvestres pintam os olhos que exibem esquecem São criaturas de um outro mundo Juana, a alma de porcelana, nunca chorou 1300 Mis saetas ligeras les tiraré, y la hambre corte el vital estambre; y de aves carniceras TYRANA CANTADA À SACRA PRECLARÍSSIMA SANTA JOANA PRINCESA EM SEU LEITO DE MORTE – 1 Ela disse ao coração do cantor / não cante/aos corvos / ela disse ao mar profundo / jazem/as brumas da ira / ela disse não cante /apenas diga / ao silêncio/que plante / aquela flor/ e rasgando a sombra/cuja mão / ela /esguia como um longo cravo/ segurava/disse ao tempo/ não espantes/o sol com a tua dor BESTIÁRIO - a minha guerra será a tua guerra / não a guerra dos homens /mas a dos pássaros desgarrados / o nosso bestiário será esse / o do contrário nunca jamais / e a minha casa será a tua guerra / o nosso bestiário será esse / o do contrário o dos urubus diários / e a minha carne será a tua guerra / o nosso bestiário será esse / o dos monstros submersos que eunoé lembrará / quando a minha cruz for a tua guerra / então o nosso bestiário será esse / canto perdido sem prumo retalhado / sem dor sem beleza nem terra / e a minha guerra será a tua guerra. Poemas da poeta e artista plástica Jussara Salazar, autora dos livros Carpideiras (2011), Natália (2004) e Coloraurisonoros (2008), entre outros.

A ARTE LUIZA BARRETO LEITE
A atriz, crítica e diretora teatral Luíza Barreto Leite (1909-1996), estreou no cinema com o filme Sob a luz de meu bairro, em 1946, tornando-se uma das fundadoras do grupo teatral Os comediantes e foi diretora de radioteatro da Rádio Mec. Ela também foi ensaísta, professora e é autora dos livros A mulher no teatro brasileiro (Espetáculos, 1965), Teatro na educação (INP, 1954), Teatro e criatividade (MEC/SNT, 1975) e O teatro na educação artística (Achiamé, 1980), entre outros.


O livro Palpo a quimera e o tremor, de Vital Corrêa de Araújo & muito mais na Agenda aqui.
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A arte de Osmário Marques
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Coisas da vida de rir & chorar, a literatura de Ferreira Gullar & Patrick McGrath, a fotografia de Max Dupain & JR aqui.