domingo, fevereiro 01, 2015

ARIÉS, HUIZINGA, LEVERTOV, CAMARGO GUARNERI, NOLDE, LAURI BLANK & KIM THOMSON


O UMBIGO NO CULTO DA AVAREZA – Imagem: Dança ao redor do bezerro de ouro, do pintor expressionista alemão Emil Nolde (1867-1956) - Muito demais, sempre! Essa a lei na fivela do umbigo. Quem tem um, não tem nada; dois, muito menos. O certo é pra mais de quatro e disso pra mais nos teres e haveres, sem precisão, premência, penúria. É preciso olvidar de Fedro e ser guarda e senhor; de Publílio Siro: excitar e jamais saciar; e caçoar da abundância de Montaigne. O pouco não satisfaz, só o desmedido, o excedente, as sobras: só baldear o que esborra pelo ladrão e até onde a vista der no que é de seu. A posse é a alma, nada de invisível: a gente só tem o que pega. Viu, tá feito. E administrar levando no muque, resolvendo no pulso: um olho na missa, outro no padre. O que é meu, é meu. Na terra de tartufos arroto imodéstia. Dou de troco a ganância, afinal, o que vale é Bezerro de Ouro, conforto e privilégio. Não vacilo, dou de bênção a 10% e por que não? Valei-me, minha santa usura, meu fio condutor pras etiquetas, pras impressões de chegada, pros barrunfos e carteiradas. Sou o que sou de mim pra mim. Cada um que cuide de si, dos seus saltos altos, suas vidraças trincadas. Já vi bispos e frades agiotas! Só me vali de oração e promessa quando não tinha precisão. Hoje sou reza e oração de mim mesmo. Peguei a oportunidade pelos cornos. Ninguém é besta de cochilar das benesses - louvado seja e que venha a nós o que seja vosso! Ao que tem, mais se lhe dará: Mateus 13,13. Carece de precaução: comigo ninguém pode. O verbo sou eu e nenhum pronome a mais além de meu. Só assim me basto! © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui e aqui,

Imagem: Mar sonoro, da artista plástica estadunidense Lauri Blank.

Ouvindo Sinfonia nº 2 Uirapuru (1945) do maestro e compositor brasileiro Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993) pela Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, diretta da Benito Juarez.


A MULHER DE ABEL – A poeta e tradutora inglesa Denise Levertov (1923-1997), desenvolveu uma poesia de equilíbrio interior onde o conteúdo determinava a forma. Ela foi ligada à Geração Beat e se mostrava preocupada com a situação da mulher, embora não tenha sido propriamente uma militante, porem com um despertar político tornou-a contudo menos reticente. Dela destacamos o poema A mulher de Abel: A mulher teme pelo homem, ele vai / sozinho ao trabalho. Nenhum espelho / se aninha no seu bolso. Seu rosto / se abre e fecha na esperança. / seu sexo aflora, descoberto, / ou acorda antes dele, / cego e ansioso. / Ela se suga / com sorte. Mas triste, ao sair, / ela olha-se no espelho, lembra-se / de si. Pedras, carvão, / o chiado da água nos ramos / queimados – e seu ser / é uma caverna, já ossos no lar. Veja mais aquiaquiaqui

HOMO LUDENS – O professor e historiador neerlandês Johan Huizinga (1872-1945), realizou diversos estudos que resultaram em trabalhos sobre a Idade Média, a Reforma e o Renascimento, concentrando-se, posteriormente, no papel do jogo no contexto educacional. A sua tese é de ao invés do homo sapiens, deveria ser homo ludens, conforme explicita nos seus estudos: Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a designação de Homo sapiens. Com o passar do tempo, acabamos por compreender que afinal de contas não somos tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século XVIII nos fizeram supor, e passou a ser de moda designar nossa espécie como Homo faber. Embora faber não seja uma definição do ser humano tão inadequada como sapiens, ela é, contudo, ainda menos apropriada do que esta, visto poder servir para designar grande número de animais. Mas existe uma terceira função, que se verifica tanto na vida humana como na animal, e é tão importante como o raciocínio e o fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo faber e talvez ao mesmo nível de Homo sapiens, a expressão Homo ludens merece um lugar em nossa nomenclatura. [...] Sempre que nos sentirmos presos de vertigem, perante a secular interrogação sobre a diferença entre o que é sério e o que é jogo, mais uma vez encontraremos no domínio da ética o ponto de apoio que a lógica é incapaz de oferecer-nos. Conforme dissemos desde o início, o jogo está fora desse domínio da moral, não é em si mesmo nem bom nem mau. Mas sempre que tivermos de decidir se qualquer ação a que somos levados por nossa vontade é um dever que nos é exigido ou é lícito como jogo, nossa consciência moral prontamente nos dará a resposta. Sempre que nossa decisão de agir depende da verdade ou da justiça, da compaixão ou da clemência, o problema deixa de ter sentido. Basta uma gota de piedade para colocar nossos atos acima das distinções intelectuais. Em toda consciência moral baseada no reconhecimento da justiça e da graça, o dilema do jogo e da seriedade, até aqui insolúvel, deixará de poder ser formulado. Veja mais aquiaqui.

A SOCIEDADE MODERNA E AS RELAÇÕES HUMANAS – Em sua obra Historia social da criança e da família, o historiador Philippe Ariés (1914-1984), procede a uma abordagem acerca da sociedade moderna e das relações humanas, observando o desenvolvimento da criança e da família nesse contexto: [...] A família moderna retirou da vida com um não apenas as crianças, mas uma grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a uma necessidade de intimidade e também de identidade: os membros da familia se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de vida. As promiscuidades impostas pela antiga sociabilidade lhes repugnam. Compreende-se que essa ascendência moral da famllia tenha sido originariamente um fenômeno burguês: a alta nobreza e o povo, situados nas duas extremidades a escala social, conservaram por mais tempo as boas maneiras tradicionais, e permaneceram indiferentes à pressão exterior. As classes populares mantiveram até quase nossos dias esse gosto pela multidão. Existe portanto uma relação entre o sentimento da familia e o sentimento de classe. Em várias ocasiões, ao longo deste estudo, vimos que eles se cruzavam. Durante séculos, os mesmos jogos foram comuns às diferentes condições sociais; a partir do início dos tempos modernos, porém, operou-se uma seleção entre eles: alguns foram reservados aos bem nascidos, enquanto outros foram abandonados ao mesmo tempo às crianças e ao povo. As escolas de caridade do século XVII, fundadas para os pobres, atraiam também as crianças ricas. Mas a partir do século XVIII, as familias burguesas não aceitaram mais essa mistura, e retiraram suas crianças daquilo que se tornaria um sistema de ensino primário popular, para colocá-las nas pensões ou nas classes elementares dos colégios, cujo monopólio conquistaram. Os jogos e as escolas, inicialmente comuns ao conjunto da sociedade, ingressaram então num sistema de classes. Foi como se um corpo social polimorfo erigido se desfizesse e fosse substituido por uma infinidade de pequenas sociedades - as familias, e por alguns grupos maciços - as classes. As familias e as classes reuniam indivíduos que se aproximavam por sua semelhança moral e pela identidade de seu gênero de vida. O antigo corpo social único, ao contrário, englobava a maior variedade possivel de idade e condições. Pois ai as condições eram tanto mais claramente distinguidas e hierarquizadas quanto mais se aproximavam no espaço. As distâncias morais supriam as distâncias fisicas. O rigor dos sinais exteriores de respeito e das diferenças de vestuário corrigia a familiaridade da vida comum. O criado nunca deixava seu senhor, de quem se tornava amigo e cúmplice passadas as camaradagens da adolescência; a altura do senhor correspondia à insolência do servidor, e restabelecia, para o bem ou para o mal, uma hierarquia que uma excessiva e constante familiaridade estava sempre colocando em questão. As pessoas viviam num estado de contraste; o nascimento nobre ou a fortuna andavam lado a lado com a miséria, o vicio com a virtude, o escandalo com a devoção. Apesar de seus contrastes estridentes, essa miscelanea não surpreendia ninguém: ela pertencia à diversidade do mundo, que devia ser aceita como um dado natural. Um homem ou uma mulher bem nascidos não viam nenhum problema em visitar vestidos com seus trajes suntuosos os miseráveis das prisões, dos hospitais ou das ruas, quase nus debaixo de seus farrapos. A justaposição desses extremos, assim como não tolhia os ricos, não humilhava os pobres. Hoje ainda resta alguma coisa desse clima moral na Itália meridional. Mas chegou um momento em que a burguesia não suportou mais a pressão da multidão, nem o contato com o povo. Ela cindiu: retirou-se da vasta sociedade polimorfa para se organizar à parte, num meio homogêneo, entre suas familias fechadas, em habitações previstas para a intimidade, em bairros novos, protegidos contra toda contaminação popular. A justaposição das desigualdades, outrora natural, tornou-se-lhe intolerável: a repugnancia do rico precedeu a vergonha do pobre. A procura da intimidade e as novas necessidades de conforto que ela suscitava (pois existe uma relação estreita entre o conforto e a intimidade) acentuavam ainda mais o contraste entre os tipos de vida material do povo e da burguesia. A antiga sociedade concentrava um número máximo de gêneros de vida num mínimo de espaço, e aceitava - quando não procurava - a aproximação barroca das condições sociais mais distantes. A nova sociedade, ao contrário, assegurava a cada gênero de vida um espaço reservado, cujas caracteristicas dominantes deviam ser respeitadas: cada pessoa devia parecer com um modelo convencional, com um tipo ideal, nunca se afastando dele, sob pena de excomunhão. O sentimento da família, o sentimento de classe e talvez, em outra área, o sentimento de raça surgem portanto como as manifestacões da mesma intolerância diante da diversidade; de uma mesma preocupação de uniformidade. Veja mais aqui, aquiaqui.

EM NOME DE DEUS – Em  1988, a atriz inglesa Kim Thomson estrelou ao lado de Derek de Lint, o papel de Heloísa no filme Stealing Heaven (Em Nome de Deus), um drama baseado em fatos reais do romance medieval francês do século XII vivido pelo filósofo e teólogo Pedro Abelardo e a jovem Heloísa, numa produção do Reino Unido/Yugoslávia, dirigido por Clive Donner. Por sua participação no filme, nossos aplausos na certidão de meritória inclusão na campanha todo dia é dia da mulher. Veja mais aqui.





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