GINOFAGIA: QUATRO POEMETOS
EM PROSA DE PAIXÃO POR ELA
DITOS & DESDITOS: [...] Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? E necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro. E só deste modo que somos determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois ou, antes, torná-la impossível. [...] Trecho extraído da obra Diferença e Repetição (Graal, 1988) do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Você
sofre da ilusão mais antiga da política. Você acha que pode mudar o mundo conversando com um
líder. Os líderes são os
efeitos, não as causas das mudanças. Pensamento do
escritor e artista britânico Alasdair
Gray (1934-2019), autor da obra Lanark: A Life in Four Books (Harper, 19082), combinando
representações surreais e distópicas de Glasgow. Veja mais aqui.
A
ARTE DA PRUDÊNCIA – [...]
Crê muito quem nunca mente e confia muito
quem nunca engana. [...] É bom
tornar-se conhecido por agradar aos outros. Especialmente se são seus subalternos.
É útil aos líderes obter as boas graças de todos. A única vantagem do poder:
poder fazer o bem mais do que qualquer outro. [...] Sábio é aquele que fica descontente quando suas coisas agradam a
muitos! [...] O que é excesso para
uns é fome para outros. Alguns desperdiçam alimentos finos porque não têm como
digeri-los: Não nasceram para ocupações elevadas e não estão acostumados a elas.
[...] O coração de uma mãe é um abismo
profundo em que no fundo sempre se encontra o perdão. [...]. Trechos
extraídos da obra Oráculo manual y arte
de prudencia (Sextante, 2006), do escritor espanhol Baltasar Gracián y
Morales (1601-1658), reunindo cerca de trezentos aforismos comentados, e
oferece um conjunto de normas e orientações para obter triunfo em uma sociedade
complexa e em crise, como era a do Barroco, contemporânea do autor. Veja mais
aqui.
O
HAVER - Resta, acima de tudo, essa capacidade de
ternura / Essa intimidade perfeita com o silêncio / Resta essa voz íntima
pedindo perdão por tudo / - Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter
nascido... / Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo / Essa mão
que tateia antes de ter, esse medo / De ferir tocando, essa forte mão de homem
/ Cheia de mansidão para com tudo quanto existe. / Resta essa imobilidade, essa
economia de gestos / Essa inércia cada vez maior diante do Infinito / Essa
gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível / Essa irredutível
recusa à poesia não vivida. / Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
/ Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade / Do tempo, essa lenta
decomposição poética / Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius. /
Resta esse coração queimando como um círio / Numa catedral em ruínas, essa
tristeza / Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria / Ao ouvir passos na noite
que se perdem sem história... / Resta essa vontade de chorar diante da beleza /
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido / Essa imensa piedade de si
mesmo, essa imensa / Piedade de si mesmo e de sua força inútil. / Resta esse
sentimento de infância subitamente desentranhado / De pequenos absurdos, essa
capacidade / De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil / E essa coragem
para comprometer-se sem necessidade. / Resta essa distração, essa
disponibilidade, essa vagueza / De quem sabe que tudo já foi como será no
vir-a-ser / E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa / Contemporaneidade
com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje. / Resta essa faculdade
incoercível de sonhar / De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
/ De aceitá-la tal como é, e essa visão / Ampla dos acontecimentos, e essa
impressionante / E desnecessária presciência, e essa memória anterior / De
mundos inexistentes, e esse heroísmo / Estático, e essa pequenina luz
indecifrável / A que às vezes os poetas dão o nome de esperança. / Resta esse
desejo de sentir-se igual a todos / De refletir-se em olhares sem curiosidade e
sem memória / Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade / De não querer ser
príncipe senão do seu reino. / Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa
curiosidade / Pelo momento a vir, quando, apressada / Ela virá me entreabrir a
porta como uma velha amante / Mas recuará em véus ao ver-me junto à
bem-amada... / Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto /
Esse eterno levantar-se depois de cada queda / Essa busca de equilíbrio no fio
da navalha / Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo / Infantil
de ter pequenas coragens. Poema do poeta, dramaturgo, jornalista,
compositor e diplomata brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980). Veja mais
aqui e aqui.