terça-feira, abril 24, 2012

VINICIUS, ALASDAIR GRAY, BALTASAR GRACIÁN, DELEUZE & GINOFAGIA


Imagem: Perspectiva 2 - Wicked Nurse of the West (nude painting of woman), da pintora estadunidense Victoria Selbach.

 

GINOFAGIA: QUATRO POEMETOS EM PROSA DE PAIXÃO POR ELA

 

AMBIÇÃO - O relógio. O beijo e seu contágio: o desejo. Revejo ontens, prevejo manhãs, dias. Toda orgia, teréns, Teerãs. Corpos expostos. Somos nós sem rostos, sem pudor. Valendo o amor dos inominados, endemoninhados nos ventres alados, insaciáveis. E que se entregam amáveis, felizes com seus atos condenáveis feito meretrizes com seus machos, no meio de trizes e esculachos mútuos, sem tudo a ver, revolutos, provocando circuitos por puro prazer de transgredir os limites, como reais pedintes em ação, com toda transgressão sexual, toda felação no plural, toda danação, toda ambição canibal tecendo o querer pra ser muito mais que barato de estupefato animal de estimação com meu pássaro na mão e ela voando à vela, eu viajando nela qual furacão que devasta sua compleição para nos satisfazer na paixão.

FEBRE - Em tua carne febril de manhãs amorosas a libertação do poema pelo canto que ensaio presente em meu querer despudorado e que se multiplica e nos multiplicamos na minha canção visitante civil e indômita na tua agasalhadora sedução que me faz canção no teu ouvido e a minha volúpia danada não cabe entre teus seios de setembro ensolarado porque a primavera é viva demais no meu inquieto sexo que quer lambuzar com meus poemas atiçadores a tua pele corpo e alma azul inventando a vida para provar de todo o pomar que é a tua inteira carne como a noite e renascida como o dia até tê-la desalinhada e crua, ai meu deus do céu, com teu césio 137 na velocidade 5 dançando nua no meu créu.

INCÊNDIO DA PAIXÃO - Ela deu-me o seu corpo em brasa para incendiar os meus desejos indômitos. Ela deu-me a sua alma em chamas para incinerar minhas loucuras concupiscentes. Ela assim me veio como quem entrega a sua vida ao carrasco. E pronta para ser usada, seviciada, ultrajada, vilipendiada, até ver-se exaurida de todas as satisfações, ainda deu-me a boca sedenta de todas as sedes seculares. E ainda deu-me o ventre faminto de todo o cio acumulado. E ainda deu-me o gozo de todas as vontades satisfeitas. E assim viramos um do outro em si para sempre acasalados no incêndio das paixões.

CONSOLO - Quando ela me encara, linda, bela, deusa seminua, sussurra mansinho: sou tua! Tudo é festa no meu coração. É pra lá de bão. É quando ela me faz seu consolo, seu predileto bolo, seu saboroso pirão. Aí eu solto rojão pra que ela se molhe linda Lara Flynn Boyle só sedução. Maior perdição, sou só bola ao cesto com todos os poderes de Grayscow da minha possessão. Ela é minha salvação, a pedra de Esmeralda na verdadeira estrada da comunhão. Ela é minha oração, a pedra filosofal. A virgem vestal da minha celebração. E é meu verão, minhas poesias, meus versos, ela Marie Curie, eu Paracelsus, no fervor da paixão. Minha maior oração na nossa fantasia além da alquimia, além de Plutão, além do que tudo então o nosso convênio na paz dos essênios, no amor eterno temporão. Veja mais aqui, aqui e aqui.
 


DITOS & DESDITOS: [...] Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? E necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro. E só deste modo que somos determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois ou, antes, torná-la impossível. [...] Trecho extraído da obra Diferença e Repetição (Graal, 1988) do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995). Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Você sofre da ilusão mais antiga da política. Você acha que pode mudar o mundo conversando com um líder. Os líderes são os efeitos, não as causas das mudanças. Pensamento do escritor e artista britânico Alasdair Gray (1934-2019), autor da obra Lanark: A Life in Four Books (Harper, 19082), combinando representações surreais e distópicas de Glasgow. Veja mais aqui.

 

A ARTE DA PRUDÊNCIA – [...] Crê muito quem nunca mente e confia muito quem nunca engana. [...] É bom tornar-se conhecido por agradar aos outros. Especialmente se são seus subalternos. É útil aos líderes obter as boas graças de todos. A única vantagem do poder: poder fazer o bem mais do que qualquer outro. [...] Sábio é aquele que fica descontente quando suas coisas agradam a muitos! [...] O que é excesso para uns é fome para outros. Alguns desperdiçam alimentos finos porque não têm como digeri-los: Não nasceram para ocupações elevadas e não estão acostumados a elas. [...] O coração de uma mãe é um abismo profundo em que no fundo sempre se encontra o perdão. [...]. Trechos extraídos da obra Oráculo manual y arte de prudencia (Sextante, 2006), do escritor espanhol Baltasar Gracián y Morales (1601-1658), reunindo cerca de trezentos aforismos comentados, e oferece um conjunto de normas e orientações para obter triunfo em uma sociedade complexa e em crise, como era a do Barroco, contemporânea do autor. Veja mais aqui.

 

O HAVER - Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura / Essa intimidade perfeita com o silêncio / Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo / - Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido... / Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo / Essa mão que tateia antes de ter, esse medo / De ferir tocando, essa forte mão de homem / Cheia de mansidão para com tudo quanto existe. / Resta essa imobilidade, essa economia de gestos / Essa inércia cada vez maior diante do Infinito / Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível / Essa irredutível recusa à poesia não vivida. / Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento / Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade / Do tempo, essa lenta decomposição poética / Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius. / Resta esse coração queimando como um círio / Numa catedral em ruínas, essa tristeza / Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria / Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história... / Resta essa vontade de chorar diante da beleza / Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido / Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa / Piedade de si mesmo e de sua força inútil. / Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado / De pequenos absurdos, essa capacidade / De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil / E essa coragem para comprometer-se sem necessidade. / Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza / De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser / E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa / Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje. / Resta essa faculdade incoercível de sonhar / De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade / De aceitá-la tal como é, e essa visão / Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante / E desnecessária presciência, e essa memória anterior / De mundos inexistentes, e esse heroísmo / Estático, e essa pequenina luz indecifrável / A que às vezes os poetas dão o nome de esperança. / Resta esse desejo de sentir-se igual a todos / De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória / Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade / De não querer ser príncipe senão do seu reino. / Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade / Pelo momento a vir, quando, apressada / Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante / Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada... / Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto / Esse eterno levantar-se depois de cada queda / Essa busca de equilíbrio no fio da navalha / Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo / Infantil de ter pequenas coragens. Poema do poeta, dramaturgo, jornalista, compositor e diplomata brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980). Veja mais aqui e aqui.

 


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