A arte da
fotógrafa estadunidense Jessica Todd
Harper. Veja mais abaixo.
JANELA DA VIDA – Imagem:
A arte da fotógrafa Jessica Todd Harper.
- Eis-me aqui, em carne, ossos e fracassos. Sou porta ao escancaro e não repare
a bagunça, a anárquica arrumação, o lastimável desamparo. Não sou bem assim,
levo a vida e nem sei direito, sinto além do que consigo suportar. Celebro meus
defeitos, não posso negá-los, nem ser diferente do que sou: vou muito além do
que posso. Sou um homem comum e qualquer, não guardo mágoas nem rancor;
asseguro de antemão: não tenho a menor coerência. Não desafio a sabedoria das
ruas, ando sempre apressado e de sorriso aberto, muito embora ninguém tenha me
avisado como foi que dormiu a noite anterior. Saúdo os vivos e os mortos, que
os tenha em bom lugar. Carrego a culpa de sonhar demais e, invariavelmente,
quebrar a cara: sou mais onírico que real; quando não, patético. Sei que o que
é ruim inevitavelmente tende a piorar como se não tivesse mais jeito, mas sou
refratário a resmungos - para ter o que tenho tive que levar na marra, sangue e
suor à beça e desconfio que se escapar com vida farei tudo que penso e desejo.
A vida, assim voo, satisfeito ninguém está, nem dou crédito ao que se fala por
aí, pro gasto exilado lá estou por aí, até lá. Ao anoitecer há sempre o espaço
vazio: é como sobreviver num vácuo inescapável e os dias intermináveis, uns aos
outros misturados de não se saber se hoje é quarta ou segunda ou domingo, sei
lá, o sonho recolhido na minha clausura. A vida é retangular: manhãs, tardes e
noites que se confundem pelas horas de claroscuros. Algo me disse à noite e não
sei direito o que possa ser, menos esclarecido quanto confuso, apenas tudo
prossegue indefinidamente por onde quer que se vá ou esteja. Só me resta depor
ideias na alta madrugada pelo mundo das escolhas: as marcas do passado, o
mistério do futuro, o lugar de cada um reescrevendo o destino no meio das
minhas elucubrações. Se eu pudesse estaria longe daqui, isso sim, mas não sei o
que houve, por mais que eu ande, corra, fuja, por mais que eu transite léguas
distantes ou paragens incógnitas, estou sempre no mesmo lugar e só. É isso. Da janela o mundo lá fora,
insuportável cativeiro que me largo rumo afora,
ponteiros desencontrados
a vagar por aí sem leme e, se possível, a salvo das Leônidas. Preciso
sobreviver às lembranças para além dos limites, nunca mais refém da memória.
Sei que é impossível e tento insistentemente. Piso o chão como se libertasse as
ideias: como eu queria as mãos no barro, os pés pelas poças das calçadas, faces
aos ventos, sabores de frutas maduras... mas não, as lembranças no pequeno
cortejo dos antepassados, um diálogo de sombra dupla para quem experimentou as
necessidades da época, a minha e dos demais. Do que sei, sou raiz arrancada de
mato varrido e solto pela ventania das mil e uma noites de loucura: voos atravessando
encruzilhadas de espelhos e pisos falsos, redomas e armadilhas às quedas de
errar e o erro constante, as alternativas múltiplas e nenhum atalho, nenhum
desconto. Se há um paradoxo, persigo na solidão, solitude. Na
verdade é como se não houvesse janelas no quarto, tudo muito irrespirável.
Inchei de vazio e meus outros eus abriram buracos por todo meu e corpo, tomaram
vulto e me esfacelaram para sobreviverem. Povoaram o ambiente exíguo e tomaram
de mim o oxigênio escasso. Logo se dispuseram à invenção de frestas e me
convidaram a segui-los. Era a salvação deles. E eu estraçalhado, nada mais
restava. Para quem só tinha os rebocos da parede a Lua é sempre minguante
apesar de cheia e a chuva para beber e matar minha sede recortando palavras de
jornais, revistas e livros. Ouço o ritmo dos dias e me são impressos na carne
para guardar à memória ou esquecê-lo para nunca mais, tomara. Mais esqueci,
menos lembro. Do que penso e lembro, às vezes reais e inexprimíveis: o que vivi
e invento. Não simulo os instantes, perdoei tudo e todos, nenhum ressentimento, nenhuma conta nem pendência,
a vida larilará, resiliência de pés
suspenso pelos descampados e ribanceiras. Se
o dia amanhece é para celebração da vida. Mas lá fora tudo na mesma e nenhuma
opção: fazer pouco caso não é a minha, não consigo ficar indiferente à
decadência flagrante e o café frio, o vento na janela, o escarcéu do mundo. Apenas
soletro um poema: Agonizo devagar. Não tenho mais nada a dizer, nada, absoluta
catarse. Os meus pedaços se perderam de mim no labirinto da sobriedade de Cage.
Devotei meu olhar a reinventar o muro à cabeça. Criei meu tautócrono com meus
versos abstrusos porque sou instigado pela descrença na frivolidade das coisas
e a comunhão no meu tormento Van Gogh, minha solidão Almafuerte. Contemplo o
horizonte e a vida é a tônica em todos os lugares, ainda é possível viver,
talvez, pés no chão ao rés da vida - as nuvens namoram os morros limítrofes e
os cobrem com as suas saias brancas por dias sem fim, enquanto o Sol cochila
manso com a algazarra dos pássaros que mudam de cor a cada gorjeio, cruzando
uns aos outros, num colorido de vida. Sou levado, velovoz primaveraneio,
chuvoutonal do rio e pelo canavial, atravessando províncias morracima,
quedabaixo, estradalhures - e a cidade ora é um pastoril com margens opostas
aos desaforos e injúrias mútuas, quem do cordão encarnado que venha, quem do
cordão azul que se vá; ora é a farra pelos quatro cantos de velas, fé e
perdição - o povo em polvorosa nem se dá conta das estatísticas assustadoras,
olvidam do extermínio como se nada acontecesse. Ah, essa manada catatônica para
lá e para cá noites e dias de finados, feiras e bissextos, provam apenas que o
mundo é uma bola e as anedotas como desgraças pairam no ar e aquecem a vida e
os sonhos dos grados e furiosos, ora com o calor escaldante, ora com o frio das
névoas dos terrores. E as mulheres, ah, as mulheres, todas sempre radiantes e
fogosas no meu coração com sua carne incendiária, elas nem sabem que vão e
carregam os olhares de cobiça no desfile delas, impunes e sedentas, como são
aprazíveis e talvez a melhor entre as melhores coisas daqui. E os homens,
cabeças de fósforos, vivem de alisar o polegar ao anular, coçando os escrotos e
pensando que tudo é possível como nos sonhos e pesadelos: vivem de atrapalhar a
si e a vida dos outros, quando não mudam de ideia e querem que o curso dos rios
siga aos caprichos de forte sobre mais fracos e submissos. Entre os
endinheirados devotam comícios de aplausos – meia dúzia de alma penada que
amealhou, sabe-se lá como, muque, punho e munheca, e alternam poderes nas
quatro festas do ano, feriados e celebrações umbigocentristas. Outros, entre os
menos abastados, fazem e desfazem conforme o apadrinhamento e interesse.
Entediante, senão desapontador tudo isso. Levanto a vista e o cenário superior,
os meus desejos são muitos e vãos como se o crepúsculo se perdesse diante de um
templo de acesso difícil que se parece distanciar dos fragmentos que sou
inteiro. Nem havia me dado conta quando anoiteceu e tudo passava, sequer
percebia porque a ausência dói e o amor, aquela semente que brota nos lugares
mais improváveis. Do umbigo saiu-me outra cria e a pele sangrava, embora não
saiba o que era antes do antes de antes. As palavras não me faltaram enquanto
atribulado não escapava dos insetos a me devorar na festa de muitos e eu
sozinho como que dança e voa e eu não sei dançar nem nadar. As águas me
chamavam noitedia e o mundo era só um tabuleiro de jogos, um aquário em guerra
pela sobrevivência. Em cima não sei o que se expande e em baixo outras se
diluem. Só uma
coisa eu sei: vivo apesar de tudo! Hoje tudo é tão falso e
quase não reconheço o compatriota na atitude selvagem, apesar do riso amigo e
da aparência que não esconde a semelhança: são tão estranhos quanto estúpidos,
como se feras prontas para me estraçalhar. E trazem na cara lisa como se não
estivesse acontecendo nada, apenas aparência do que idealizaram e isso entristece.
Sim, tive sempre comigo
ser imoral o desrespeito ao outro, mas como privar o faminto
de se saciar diante do fausto por uma covardia ou traição, mesmo se o que
estiver disposto seja imundície disfarçada. Como coibir a porta escancarada à
fuga do aprisionado, mesmo que dê num precipício e jamais tivera outra opção,
nunca se sabe, e escapar às pressas se não quiser ficar no mesmo. Afinal está
difícil viver e muito. Da minha parte, não terceirizei a vida moral e corro
sempre o risco do desafio amoral, isso porque em mim doem disfarçadas dores
alheias e a minha raça é todo mundo. Diante da noite a vida é uma incógnita
como sempre foi. O que passou, nunca mais e se aprendi, ao meu redor não, quase
ninguém. Só um fantasma eu sei ronda ameaçador com as suas
garras devastadoras no noticiário e quantos ignoram. E se aproxima presciente,
ali e acolá, não poupa quem alcança, mesmo que muitos escapem, parece que nem
se dão conta o quão maravilhoso é viver. Ou se preferem a morte em alvoroço,
alaridos de festa. O seu alarde me traz de onde eu vim das águas de sal e
sangue: reminiscências emolduradas com os pesadelos de agora. O que estou
fazendo aqui: reles equilibrista entre as lapadas das borrascas, as mordidas da
indiferença e os devires movediços. É só alta madrugada
adentro, nenhuma estrela no céu e o dia amanhecerá logo logo. Sei e ouço lá
longe o alvoroço do pau-de-arara levando os ticoqueiros para o corte da cana.
Esse o anúncio de que o dia já se avizinha. Não sei como eles vivem de safras e
entressafras aqui e acolá pelas estradas sazonais. Sei das famílias penduradas
nos morros das periferias excluídas e eles lá de botada em pejada, da aurora ao
anoitecer, chova ou faça Sol e é isso que movimenta o fim da noite enquanto não
consigo pregar os olhos. É na janela que o que sou se realiza: o meu e o de
todo mundo. Tem horas que sorrio ou me deprimo, o tédio e a satisfação a cada
hora. É nela a depor... Quando souber de mim será como o dia nasce e se vai
entre ontens e amanhãs. Será como o olho vidrado pela nascente do despertar à
luz calmante e abrasada em cismar surpreso com o ignoto tácito na esquina e a
surpresa da jogada plural. Quando souber de mim será como a tarde cai ou de
como tudo se esvai na última gota do canto do cisne e eu capaz do inacessível,
do inalcançável que nem se concebe. Quando souber de mim será como anoitece
entre o luar e as trevas, o sorriso abençoado e o falível engano, umbrais por
se saber e cartas extraviadas e outras jogadas dentro das garrafas de nenhum
dia, o difícil sustentar o vento na boca em qualquer estrada, de ninguém nem de
nada. Devia ser desse jeito e sendo assim será feito o céu: infinito e grande.
Braços abertos, dado ao lado do amor, olhar incerto e o poema sem fim, o
coração a quem possa apenas amar. E era ela a poesia manifestada em carne viva
e eu podia apenas fruir de seu esplendor como um devotado daquela que é uma
verdadeira dádiva da vida. Dela todas as graças do universo para que não fosse
apenas uma janela sobre adeuses amontoando sonhos como quem perdeu um sábado na
ladeira e não o encontrava mesmo já sendo sexta entre portos ocultos e
naufrágios velados, enquanto lá em baixo uma procissão de consumidores
idolatravam as vitrines como um milagre redentor para a infelicidade deles. Nem
sempre foi assim, talvez muito pior, não sei, nem há como me salvar diante de
tanta ignomínia. Mergulho em meus pensamentos. Para mim é sempre quase, não há como me defender do
algoz invisível. O mundo e meu coração enlutado – quantos serão ceifados
em nome da incúria e sordidez desgovernadas. É o que me sobra ser no meio da
barulhada de rangidos outros e chiados incógnitos da desumanidade. É como se o
meu desconsolo nas mãos do algoz, mesmo que eu não tenha inimigos, pelo menos
acredito nisso. De qualquer forma o céu estrelado me diz: em cada uma delas as
dores de quem se foi, vidas apagadas irresponsavelmente e ressuscitam para
iluminar a imensidão de quem se perdeu e quase já não é mais. Só me resta a
tentativa de voar com o peso do passado, em busca de um ventre por refúgio e
lamber os talhos da carne em qualquer paz possível e no meio de paisagens
disformes e ignotas sombras, porque a noite é íntima da solidão. Se pelo menos
um foco de luz, tempo meio doido este, do jogo dos contrários disseminando o
caos e a confusão reinante às maiores contemporizações, cada qual seu
arrazoado. Eu, hem!?! Mergulhado nos meus pensamentos, ansiava pelo raiar do
dia e quando ouvi não havia ninguém, era minha memória falando alto. Haja pulga
ao redor das orelhas. E a cada contorno a fêmea nua entre fissuras e
sinuosidades e grutas entre galhos e raízes, troncos e plantações. Todas ali,
como se as mulheres que amei um dia estivessem desnudas e indefesas ao
abandono. É como se parissem ali imóveis todas as cores, graus, olores e
degraus, superfícies e camadas, alturas e distâncias, lonjuras tantas para meus
pés erradios entre saltos pelos declives, a vertigem de tudo e o espetáculo da
vida. Cá, comigo, a noite segue. Passa, tempo... Estou só e a inquietude de tudo corre no meu sangue, poros, vísceras,
interstícios. Sou eu, perfil único e insubstituível, e outro eu
mesmo dos muitos eus que sou na fluidez dos devires. Se poesia, não sei;
ausência, álbum em cotejo. Não sei com precisão, solto rabisco no imprevisto um
esboço de mensagens de nenhum sentimento, o que me toca e toco, o conflito,
fragmento, e sucessões de farrapos de mim se revelam na narrativa escorrida a
disparar ao incerto, porque eu dobrei de acordo com a dobra do rosto nupcial,
um martelo sem mestre e o inconcluso. Nem a morte, a vida. Porque renasço e
persigo o que toco e me toca, mesmo que seja só entre indiferenças e
incompreensões, mediocridade no varejo. Recomeço sempre e saio jeito que for
por aí. O que não sei, mesmo
assim, o dedo aponta e vou se não tiver o que precise dizer. Digo e pronto, está
feito, saiu, escapou. Se em silêncio, sim, o amor é a vida. E amo
e até demais da conta, aprendo e reaprendo e sigo adiante até que a noite
governe o reino dos sonhos perdidos. Meu olhar são caminhos, ideias, aventura,
parênteses, várias lições, uma viagem existencial... Coisuma o que penso e
imagino, indistinguíveis. São quase uma coisa só de tão desordenadas. Sinto que
estou quase vivo, quase morto, a vida pelas sobras do que restou da
precariedade, sem escapatória, de alfa para ômega, tudo embaralhado no Aleph: o
topo da montanha e o abismo, a rotina e o xeque-mate, o paradoxo... A água
pegando fogo, a Terra caindo, o céu descendo, a Natureza se esvaindo. Do outro
lado da ribanceira arrivistas falocratas sobre monturos de rancores, ameaças e
promessas; e a vulgaridade nauseante, a crueldade da violência, a eloquência do
noticiário, quanto absurdo! Na verdade, horrores demais. Logo agora e o que
menos precisava era um paradoxo a mais e a incompletude e o que há de
inconsistente. Se sou peixe e escapei de iscas e redes de lagoas e rios, só
tenho o corpo, a força do braço e amor do coração. Logicalguma: pés alados nos
galhos do arvoredo perseguem aves canoras. O mundo é dos pardais e nada mais.
Só queria esquecer e não saber mais nada. Desolado no meu canto, feridoída,
saravento. E faço e refaço, torno a refazer, sempre. O que foi e o que irá:
todos. O que não me mata me faz viver. O que não me atiça não me falta nem
existe. Quem não tem audácia não vive. Quem não se arrepende não faz. Da janela
a hora e já vou: a indiferença grassa, o morticínio tornou-se insuportável e a
mordaça da negação ousa coibir a gritaria dos que sucumbiram e dos que
escaparam aflitos. É hora de ir e lá vou eu amanhã, noitadeus,
velavozgalapada&peitaberto: do meu pro seu txai coração. Recolho todos os
meus mortos: os da convivência, os que se foram das mais longínquas plagas e
todas as vítimas do irresponsável Genocídio do Fecamepa. Sensação das cinzas
dói demais e quem culatreia ou acuado na condução persecutória, salve-se quem
puder ao deus dará. Para onde vou, o que será de mim:
braços abertos para o amanhã, mãos dadas assim voo, viagens da janela. É
o que se pode fazer sem pregar os olhos, respiro fundo e voo: a minha liberdade
é inegociável, sou ave e se eu tivesse que morrer hoje ou agora mesmo, tudo já
teria valido a pena. Para onde vou será sempre dia; e o anoitecer, descanso.
Por isso levo todos e quem quiser comigo bem dentro do coração: já nela vou lá.
Vou em frente e à beira do abismo, fecho os olhos sem hesitação. Sigo adiante,
sempre. O amanhã é aqui e agora! © Luiz Alberto Machado.
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A arte da
fotógrafa estadunidense Jessica Todd
Harper.
DITOS & DESDITOS - Não há ódio perdido entre nós. Espíritos negros e
brancos, espíritos vermelhos e cinzentos, Misture-se, misture-se, misture-se,
você que pode misturar. Pensamento do dramaturgo inglês Thomas Middleton (1580-1627)
ALGUÉM FALOU: A comédia stand-up é difícil agora. Qualquer
um pode ir a um show, gravar isso e colocar você na internet. Você ou luta com
ele ou o abraça. Pensamento do comediante estadunidense Jeff Dunham.
O SILÊNCIO – Não consigo encontrar as palavras nas palavras. Só encontro minha voz,
no que penso. Mas o que eu penso, ninguém ouve. O que eu penso é silêncio.
Então eu me calo. O silêncio é minha voz. O silêncio é a voz que eu calo. O
silêncio é a voz que eu guardo. O silêncio, é lá onde eu moro. O silêncio sou
eu. Pensamento do ator, escritor,
dramaturgo e quadrinista Lourenço
Mutarello que também expressa: Não
vejo mal nenhum nisso de ficarmos desmotivados. E eu não estou falando só de
mim, acho que essa coisa de ficar sem vontade, desmotivado ou cansado, não tem nada
a ver com depressão. Isso é uma coisa corriqueira. É o preço disso tudo, dessa
estrutura que criamos e que acaba nos consumindo.
AS MULHERES - Houve mulheres serenas, / de olhos
claros, infinitas / no seu silêncio, / como largas planícies / onde um rio
ondeia; / houve mulheres alumiadas / de ouro, émulas do Estio / e do incêndio,
/ semelhantes a searas / luxuriantes / que a foice não tocou / nem o fogo
devora, / sequer o dos astros sob um céu / inclemente; / houve mulheres tão
frágeis / que uma só palavra / as tornava escravas, / como no bojo de uma taça
/ emborcada / se aprisiona uma abelha; / outras houve, de mãos incolores, / que
todo o excesso extinguiam / sem rumor; / outras, de mãos subtis / e ágeis, cujo
lento / passatempo / era o de insinuar-se entre as veias, / dividindo-as em
fios de meada / e tingindo-as de azul marinho; / outras, pálidas, cansadas, /
devastadas pelos beijos, / mas reacendendo-se de amor / até à medula, / com o
rosto em chamas / entre os cabelos oculto, / as narinas como / asas inquietas,
/ os lábios como / palavras de festa, / as pálpebras como / violetas. / E houve
outras ainda. / E maravilhosamente / eu as conheci. Poema do dramaturgo e poeta italiano Gabriele D’Annunzio
(1863-1938), Veja mas aqui.
A MULHER DA
RENASCENÇA AO MARXISMO – Imagem: O nascimento de Vênus, do pintor
italiano Sandro Botticelli
(1445-1510) – No Renascimento, segundo Fagundes (2010), toma
a mulher posição de relevo nas coisas da inteligência e ciência, aparecendo as
figuras das “preciosas”, das “sábias” e “enciclopédicas”. Evoluindo no sistema
econômico, no dizer de Fagundes (2010), gradativamente a mulher ia recebendo
novas ocupações, passando a colaborar para a manutenção do lar com a fabricação
de tecidos e pequenos objetos que serviam de instrumento de troca por outras
utilidades. Coincidem assim, as duas formas de produção: indústria doméstica e
oficina cooperativa. E tanto numa, quanto na outra, afirma-se a presença da
mulher, sendo a primeira especializada no linho e cânhamo. Salienta Fagundes
(2010) que com o advento da maquinaria reduzindo o esforço muscular, abre,
ainda, mais a porta das fábricas às mulheres e às crianças. Em pleno
desenvolvimento, o capitalismo aproveita esse afluxo de mão-de-obra para
reduzir salários e aumentar as horas de trabalho. Ainda desorganizados, os
trabalhadores masculinos não tem meios de reação e apenas podem, para não se
submeterem às imposições patronais, procurar outras profissões. Foi com o
advento da Revolução Francesa que, segundo Bauer (2010, p. 64) as mulheres
começaram publicamente a intensificar sua atividade política e passaram a
reivindicar direitos políticos e legais, tais como o divorcio, o direito de
rever uma educação completa e adequada. Neste sentido, registra Toledo (2008) que
este foi o momento em que se deu a primeira grande participação das mulheres em
uma luta da classe operária, sendo durante a Revolução Francesa, a partir de 1789,
quando elas combateram ao lado dos homens e também se agruparam em clubes e
sociedades populares, dando um grande salto em sua emancipação. E no dizer de
Toledo (2008), a atividade revolucionária feminina se reativou com as
revoluções de 1830 e 1848. Foi no período em 1789-93 que, segundo Toledo (2008,
p. 89), surge a francesa Olympe de Gouges que era uma das dirigentes políticas
mais destacadas deste período revolucionário, defendendo que se a revolução
havia abolido os privilégios feudais, devia fazer o mesmo com os do sexo
masculino: “As mulheres devem ter o direito de subir à tribuna, já que tem a
obrigação de subir no cadafalso”. Sob este lema ela foi a autora da Declaração
dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791, como réplica à Declaração dos
Direitos do Homem, no inicio da Revolução Francesa. Nesta condução, registra
Toledo (2008) que a partir de 1826 surgem a Sociedade da Voz das Mulheres, o
Comitê dos Direitos da Mulher, a União das Mulheres e a Sociedade de Emulação
das Mulheres, todos envolvendo as reivindicações dos direitos da mulher e
deflagrando a luta por sua posição autônoma na sociedade burguesa. No entanto,
segundo Toledo (2008) o patriarcado é mantido e reafirmado pela sociedade
burguesa para responder a determinados interesses econômicos, e não algo que se
assente nas características naturais do homem. No principio do século XIX,
segundo Bauer (2010), as mulheres começam a alcançar mais participação na
sociedade, passando para as ocupações mais concorridas que eram a de dama de
companhia e a de professora. De fato, observa Bauer (2010) que as jovens mais
instruídas da classe média rechaçaram o trabalho na indústria ou mesmo o
serviço domestico, procurando abrir as portas de sua independência econômica
trabalhando como mestras ou mesmo instrutoras dos filhos da alta burguesia ou
ainda dedicando-se à educação política que cada vez mais ampliava seus
horizontes nos países europeus. Foi com o ensino que, segundo Bauer (2010), abriu-se
como profissão às mulheres, porém o seu reconhecimento também nesta área não
foi fácil e sim polvilhado de contradições. Por outro lado, um dos trabalhos
mais duros para as mulheres e crianças, segundo Bauer (2010) era o que
realizavam nas minas transportando carvão. O emprego de mulheres nas minas foi
bastante difundido no inicio da industrialização. Por causa da dureza dessas
atividades, a partir de 1843 foi proibido na Inglaterra e nos Estados Unidos,
porém, continuou sendo largamente utilizado clandestinamente, em outros países
continuou legalmente. Registra Bauer (2010) que na Escócia, no princípio do
século XIX, aproximadamente 2.400 mulheres e crianças trabalhavam diuturnamente
nas minas de carvão. Esse trabalho era tão desumano, pois começavam a trabalhar
aos 7 anos e sua função principal era transportar o carvão, desde os fundos das
minas, até a superfície, substituindo o trabalho dos cavalos e máquinas. Também
registra Bauer (2010) que na Bélgica a situação não era diferente e a presença
de mulheres e crianças era destacada na extração da hulha (carvão-de-pedra). É
quando em 1848 dá-se o lançamento do Manifesto Comunista. E, conforme Toledo
(2008), o marxismo, durante toda sua existência, desde os primeiros escritos de
Marx e Engels, lutou para demolir a opressão da mulher que na sociedade não tem
um fundamento natural, mas social e histórico. O marxismo, segundo Toledo
(2008) proporcionou, pela primeira vez, uma base materialista cientifica não só
para o socialismo como para a emancipação feminina, expondo as raízes da
opressão da mulher, sua relação com um sistema de produção baseado na
propriedade privada e com uma sociedade dividida em classes, na qual todas as
relações são de propriedade: [...] por ter compreendido que a opressão da
mulher tem uma raiz econômica, o marxismo pôde apontar o caminho para conseguir
sua liberação: a abolição da propriedade privada, que proporcionará as bases
materiais para transferir a sociedade em seu conjunto todas as
responsabilidades domesticas e familiares que hoje recaem sobre os ombros da
mulher (TOLEDO, 2008, p. 94) Observa-se, portanto, que as concepções marxistas
sobre a emancipação da mulher e seu papel na luta pelo socialismo foram
transformadas em teses e resoluções durante o terceiro Congresso Internacional
Comunista, reunido em 1921 e que, segundo Toledo (2008), antes, portanto do
período stalinista, traçando um programa e uma orientação para o trabalho entre
as mulheres que, por sua clareza e concordância com os princípios do marxismo,
até hoje não foram superados por nenhuma outra organização operária. Por isso,
continuam sendo validos até hoje. Na observação de Saffioti (1987, p. 94), a
questão das mulheres no marxismo e nas obras de Marx e Engels: Tais textos, à
luz das conquistas das Ciências Sociais nestes últimos 20 anos, revelam-se
pobres. Tal pobreza não diz respeito apenas ao conteúdo das analises marxistas
clássicas. Ela também está presente no que tange à utilização do método
conhecido como materialismo histórico ou materialismo dialético. Este método,
exatamente por permitir a compreensão e explicação da natureza contraditória da
realidade social, permitiu que Marx, Engels e outros, a realização de
brilhantes analises da sociedade capitalista. Todavia, a sociedade européia do
sec. XIX (Alemanha, Inglaterra, França) era excessivamente machista,
patriarcal, androcêrntrica, para permitir a estes autores a utilização adequada
do método dialético (materialismo histórico ou dialético) na analise da questão
feminina. Desta forma, imbuídos da ideologia machista e praticando efetiva e
cotidianamente a dominação sobre as mulheres, tais autores consideraram da
mesma natureza as contradições que regem as relações entre as classes sociais e
as que presidem as relações de gênero. Há pelo menos 20 anos, este tipo de
análise é considerado um grave equívoco. Entretanto, na observação de Toledo
(2008, p. 28): [...] Engels conseguiu materializar a opressão, descobrindo sua
raiz material, mostrando que a opressão da mulher nas diversas sociedades, não
tinha como causa básica a constituição do corpo feminino, mas era fruto de
determinadas relações sociais que se assentavam na divisão e na exploração de
uns pelos outros. A capacidade que a mulher tem de procriar passou a ser vista
como sinal de fraqueza, de debilidade, servindo a um aumento da exploração do
trabalho feminino e do controle sobre a reprodução. Registra ainda Toledo
(2008, p. 91) que: Para Lenin, apesar de que a mulher jamais conseguirá
emancipar-se enquanto o capitalismo não for superado, vale a pena lutar para
conquistar a liberdade de divórcio e outros direitos democráticos. A democracia
é fundamental para os trabalhadores para alcançar sua luta contra o capitalismo
e aos que não acreditavam nisso. Neste sentido, assinala Toledo (2008) que
apesar de o marxismo ter sido acusado pelas feministas burguesas de omissão
frente à questão da mulher, é preciso ressaltar que desde que Marx e Engels
lançaram o Manifesto Comunista até hoje, quando os marxistas têm travado uma
luta constante no seio da classe operária para se determinar uma atitude
revolucionária em relação à questão da liberação da mulher. Esse combate esteve
marcado por duas grandes linhas divisórias: a primeira se deu entre os
marxistas e os socialistas utópicos e. a segunda, entre os marxistas revolucionários
e os reformistas, que tinham uma política de colaboração de classes. No dizer
de Toledo (2008, p. 94): [...] Os socialistas utópicos pré-marxistas, como
Fourier e Owen, defendiam a emancipação da mulher. [...] Foi Fourier quem
primeiro alertou para a situação degradante da mulher no capitalismo, afirmando
que o grau de emancipação da mulher é a medida da emancipação geral da sociedade.
Por outro lado, foi, segundo Bauer (2010), a socialista Rosa Luxemburgo uma das
primeiras criticas da experiência socialista no tocante à marginalização da
questão da mulher Também Clara Zetkin e Alexandra Kollontal identificaram as
contradições do movimento socialista argumentando que não poderiam existir duas
fases na abolição da exploração e que, portanto, uma revolução socialista
deveria necessariamente combinar a emancipação feminina com a luta social.
Traduziam o seu pensamento numa frase: sem feminismo não há socialismo. Em
meados do século XIX, segundo Bauer (2010) com o desenvolvimento da indústria
pesada, verificou-se participação decrescente da mulher como força de trabalho
na indústria na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. As mulheres que trabalhavam
eram majoritariamente jovens. Estas vinhas em grupos desde suas cidades e
vilarejos do interior e, em muitos casos, eram alojadas nas próprias fabricas
ou nas suas proximidades. Curiosamente andavam sempre juntas dos alojamentos ou
vilarejos até as fábricas, onde passavam as intermináveis horas de trabalho,
carregadas de agruras. É neste período que, segundo Bauer (2010), surgem as
primeiras lutas em favor dos direitos da mulher. Estes movimentos, para Bauer
(2010), tiveram como objetivo principal a luta por igualdade de direitos
constitucionais, e, num segundo plano, a igualdade no terreno profissional. Estes
movimentos foram conduzidos por mulheres operárias e das classes médias que
reivindicavam igualdade diante da lei e a possibilidade de poderem votar. As
primeiras mulheres que se manifestaram publicamente em favor da igualdade de
direitos foram as norte-americanas. Por causa disso, segundo Bauer (2010), as
mulheres passaram a se introduzir nos novos setores criados na esfera da
produção ou até mesmo a se rivalizar com os homens naqueles setores que até
aquele momento haviam sido ocupados por eles. Surgiu, então, no dizer de Bauer
(2010), o oficio de enfermeira que foi ocupado por jovens religiosas, em
virtude da Guerra da Criméia (1854). Diz o autor que tudo começou simplesmente
assim: “[...] as jovens se ofereceram para traalhar nos hospitais de campanha.
Sua proposta foi aceita. A partir deste momento nascia a profissão de
enfermira. Outras abriram caminho como comerciárias” (BAUER, 2010, p. 80). Diante
disso, assinala Bauer (2010) que o acesso da mulher no universo da
profissionalização, foi facilitado pela invenção da máquina de escrever, quando
ocorreu, então, a instalação das primeiras fábricas nos Estados Unidos, em 1866,
e numerosas mulheres trabalha como datilógrafas. Foi ainda neste período que,
registra Bauer (2010), surge o sindicalismo feminino finalmente absorvido pelo
movimento operário e crescendo com a tendência de integrar as mulheres e suas
reivindicações nas organizações operárias antes exclusivamente masculinas. Significa,
então, dizer que com a Revolução Industrial, segundo Bauer (2010), puseram-se
em movimento uma serie de transformações que afetariam profundamente a condição
social da mulher, principalmente, ou mais evidentemente, a partir da segunda
metade do século XIX. A partir de então, pode-se dizer que o trabalho da mulher
começou a ser valorizado como um instrumento efetivo de mobilidade social e
como uma solução para ajudar a família em sua difícil situação econômica. Além
do setor têxtil, que empregava a maioria das mulheres operárias, a presença da
mão-de-obra feminina foi também marcante e bastante utilizada em outros setores
da economia capitalista (BAUER, 2010). Com a ocorrência do incidente que
culminou com a definição do 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, foi
motivado, segundo Teles (2003), pela greve das operárias têxteis da Fábrica
Cotton, ocorrida em Nova York (EUA) em 1857. Na ocasião, relata Teles (2003),
que as forças policiais atearam fogo à fábrica para reprimir aquelas que
insistiam na greve, quando então morreram 129 operarias queimadas. Elas
reivindicavam a redução da jornada de trabalho para 10 horas e o direito á
licença-maternidade. Em razão disso, durante o II Congresso de Mulheres
Socialistas, realizado em Copenhague, na Dinamarca, a comunista alemã Clara
Zetkin propôs que se consagrasse o dia 8 de março como o Dia Internacional da
Mulher (TELES, 2003). Foi em 1866 que, segundo Toledo (2008), a Associação dos
Encadernadores de Paris tomou a iniciativa de incluir em seus estatutos a
igualdade de direitos entre trabalhadores e trabalhadoras. Outro fato que
merece registro ocorreu quando o político e escritor John Stuart Mill, perdeu
seu cargo parlamentar, em 1868, por defender o direito do voto feminino e, um
ano mais tarde, publicou “A escravidão das mulheres”, uma obra que serviria de
base teórica para o movimento sufragista posterior. Também outro fenômeno que
derivou do crescimento das cidades e da industrialização, segundo Bauer (2010),
foi o aumento da prostituição feminina, principalmente, nas grandes cidades
européias como Londres e Paris. As prostitutas eram recrutadas entre as jovens
operárias que não podiam resistir à miséria dos seus salários. Com relação à
prostituição, Bauer (2010, p. 74) assinala que: [...] desde a época medieval e moderna, a
prostituta existiu como uma alternativa de subsistência para as mulheres de
escassos recursos econômicos. A emigração, o alijamento do núcleo familiar e a
existência de períodos sem trabalho (sazonalidades) em certos setores da
economia foram fatores que contribuíram para que as jovens operárias se
prostituíssem para poderem sobreviver. Nos bordéis de Paris, a maioria das prostitutas provinha das
cidades industriais do norte da França. É de se asseverar que na Revolução
Industrial, segundo Bauer (2010), a maioria das mulheres assalariadas
dedicava-se ao serviço doméstico, à confecção de roupas e à industria têxtil. Na
Inglaterra, o país precursor da revolução industrial, também registrado por
Bauer (2010), o serviço doméstico era o setor que mais absorvia a mão-de-obra
das mulheres provenientes das classes populares. Neste sentido, sinaliza Bauer
(2010, p. 69) que: As mulheres que já haviam-se ocupado com a produção têxtil,
com a mecanização inexorável desta industria, transformaram-se na mão-de-obra
majoritária das fábricas. As fiadoras e as tecelãs domésticas foram
substituídas por trabalhadoras fabris. Observa, então, Toledo (2008, p. 30) que
“[...] No moderno sistema fabril, a relação familiar não deixou de ser uma
relação de poder” e que, com isso, as mulheres como trabalhadoras assalariadas,
participavam da produção social, no domínio do trabalho coletivo, e adquirindo
assim, maior independência diante do homem. Contudo, a monogamia e o
patriarcado não só se mantiveram como foram agravados com o advento da
indústria moderna. E, por causa disso, entende Toledo (2008, p. 31) que “[...]
os papeis sexuais não são estabelecidos pela natureza, mas pela cultura, pelos
costumes, pelas práticas cotidianas dos povos e, sobretudo, pelas necessidades
econômicas de sobrevivência (o que chamaríamos relações de produção)”. Daí,
segundo Bauer (2010), a presença da mulher se dava de forma numerosa nas
fábricas de calçados, na indústria de papel e na fabricação de ladrilhos e
telhas. Na França e na Espanha era comum que se encarregassem da fabricação de
tabaco. Já no setor metalúrgico inglês, eram majoritárias nas fábricas de
porcas e parafusos e em meados do século XIX formavam de 80 a 90% da
mão-de-obra deste setor. Merece registro o entendimento de Moraes (2002) de que
nessa fase a mulher das classes econômicas mais favorecidas, começou a
trabalhar fora e a assumir uma profissão, quando, por questões financeiras e com
o desenvolvimento do sistema capitalista cada vez mais opressor, o marido
passou a não ter condições de assumir o sustento da família. Contudo, observa
Moraes (2002) que nem todas as profissões foram franqueadas às mulheres e que a
elas foram oferecidas profissões consideradas especificamente femininas, ou
seja, profissões que eram mais apropriadas ao famoso instinto materno, tais
como professora primária, enfermeira ou secretária. Lembra mais Moraes (2002)
que, no ultimo caso, elas foram consideradas por muitos anos prostituta de luxo
e eram poucas as contratadas que não atendiam ao padrão de beleza feminino. Neste
sentido, alega ainda Moraes (2002) que foram relegadas às mulheres de classes
economicamente desfavorecidas, as profissões relacionadas aos cuidados
domésticos, tais como babás, faxineiras e empregadas domésticas, ou às
profissões que não exigiam capacidade de inovação ou criação, como o trabalho
nas fábricas, além do recrutamento de mulheres para servirem como enfermeiras
de guerra. Outra profissão foi destinada às mulheres nesse tempo, as quais
foram contempladas, conforme Bauer (2010), à nova tarefa doméstica da educação
primária dos filhos. Com isso, o homem viu-se constrangido a abrir-lhe, ao
mesmo tempo, o mundo da instrução e da cultura. Tal fato se deu, no
entendimento de Bauer (201), em razão da necessidade do capital, sobretudo com
o nascimento da grande indústria, carecendo de uma nova política escolar, de um
desenvolvimento sem precedentes da instrução. Assim, para o autor, tendo aberto
à mulher um novo campo de trabalho, o ensino, necessitava também de mão-de-obra
feminina mais qualificada; mas esta sua necessidade não deixa de ser
contraditória. Entretanto, salienta o autor mencionado que o ensino foi não só
a primeira profissão moderna aberta às mulheres, como uma das únicas em que
tornar-se-iam em breve numericamente dominantes. Esta presença começou na
escola infantil e atingiu até mesmo as mais sofisticadas universidades do mundo
inteiro. Coaduna-se este pensamento com a assertiva de Bauer (2010), de que o
sistema patriarcal considera tradicionalmente a instrução feminina como
qualquer coisa de ocasional e a ser concedida em doses mínimas; assim, mesmo
quando o acesso às escolas superiores foi liberalizado, o programa de estudos
continuava a ser inspirado em princípios discriminatórios, tendentes a
perpetuar a escravidão da mulher e a reforçar o domínio ideológico sobre as
consciências femininas. Por conclusão, entende Bauer (2010), que durante todo o
século XIX, o serviço doméstico conheceu o auge de sua história, coadunando-se
com o crescimento das cidades e a consolidação da burguesia como classe
hegemônica na sociedade capitalista. Assim sendo, para a próspera burguesia
européia, dispor de um serviço doméstico numeroso e eficiente era um sinal de
distinção e de uma posição econômica sólida: [...] As condições de vida no
serviço domestico não eram nada boas. Debaixo da aparência de uma vida
tranqüila, com seus uniformes bem limpos e passados e seu aspecto saudável,
escondiam-se jornadas de trabalho que não tinham fim e uma dependência total e
respeitosa a seus senhores em troca de um salário quase sempre irrisório
(BAUER, 2010, p. 73). Além do mais, segundo Bauer (2010, p. 77), a história da
educação feminina tem sido sempre um campo de lutas e batalhas, no mais das
vezes ignoradas; lutas tanto mais radicais quanto se pensa que foram conduzidas
em momentos de acentuada repressão e em meio a dificuldades de toda espécie. Tal
condução leva ao entendimento de que, conforme Toledo (2008, p. 90) [...] Se a
opressão da mulher não surgiu com o capitalismo, mas nas sociedades
escravistas, foi seu advento e, sobretudo a Revolução Industrial que
transformaram radicalmente as condições de vida de milhões de mulheres ao
inseri-las no seio da classe trabalhadora. E foi ao mesmo tempo o sistema
econômico que começou a criar as condições materiais que tornaram a liberação
da mulher uma meta possível. Fica expresso, portanto, com o que foi aqui
abordado, que as lutas das mulheres persistiam durante esta fase histórica, ora
chegando a conquistas, ora mantendo-se o enfrentamento de sua ação autônoma,
deflagrando contradições e perspectivas de novas lutas na busca por seus
direitos e pela igualdade. Veja mais aqui, aqui e aqui.
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