terça-feira, novembro 03, 2020

AMARTYA SEN, ALICE GUY-BLACHÉ, FRANCISCO AYALA, VERA MUKHINA, LUCANO, ROSEANNE BARR, FABIANA KARLA & BUTUA

 

TRÍPTICO DQC: JANELA DO DIA - A janela e a fumaça caótica com suas pernas e braços apressados na barulheira da vida. As crianças, olhos grandes e mãos estendidas para um ou outra, entre passantes com ouvidolhos nos compromissos das agendas telefológicas. Ousam brincar de viver e é só o que sabem para não morrerem em branco. Longe de serem as da Brodowski de Portinari: Se há tantos meninos em minha obra em balanços, gangorras é que seria meu desejo fazer com que eles fossem lançados ao ar a virarem belos anjos... É Betinho com seus olhos de esperança no meu pesadelo: Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar condenado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão sendo assassinadas. Ainda se despede com uma frase do poeta romano Lucano (39-65): Jamais alguém escolheu como amigo aqueles que se encontram na mais extrema pobreza. E elas estão por toda parte do Fecamepa e aprenderam não só atirar o pau no gato como em todos os bichos e de qualquer jeito se livrarem da fome e seja como for o Sol brilha e é sempre noite para elas onde quer que estejam, pés no chão sem saber ontem sempre amanhã.

 


AS PEDRAS DE BUTUA - Zé Corninho estava sumido há um bocado de tempo. Reapareceu do nada e foi logo me contando: Rapaz, fui dormir um dia desse e acordei num lugar, valha-me, cheio de ruas com degraus e paredes de pedra, um povo baixo e cheio de pantins e não me toques, de pele escura feito corvo, cabelos de urupema tudo encaracolados. Eram bem raivosos, traiçoeiros e ignorantes, vixe! Matavam por brincadeira e os funerais eram abandonar o cadáver ao pé de uma árvore, deixando lá assim ao relento. As mulheres de lá eram lindas, mas apanhavam demais. Tinha as altas e corpudas que guardavam o palácio do rei; as mais ou menos assim meio coroas para serviços domésticos e jardinagem; as adolescentes jeitosas oferecidas em sacrifício aos deuses; e as mais delicadas e formosas reservadas para os prazeres do imperador de lá. Ô bicho de sorte! Cada um dos de lá possuía quantas mulheres quisessem e pudessem alimentar. Tinha quem fosse dono de harém de mais de mil. O pior é que descobri que elas depois de dar à luz, eram condenadas a três anos de abstinência completa. Foi aí que eu me aproveitei às escondidas, flagrado pela fúria deles. Nunca vi um rei tão cruel, como também governadores e poderosos que adotavam vícios criminosos a qualquer hora e local. Quase que morro matado, não fosse comer milho, peixe e carne humana escondido. Pra eles lá, os açougueiros públicos fornecem carne de gente e de macaco, muito apreciadas por eles. Ou comia ou morria de fome. E tinha de ir ao templo porque acreditavam numa serpente que foi quem criou o mundo deles lá. Passei aperto do muito, nem sei como estou aqui são e salvo. Pronto. Quem ouviu desconfiou logo de lorota, afinal, ali quem não tinha o que fazer, jogava conversa fora e soltava das suas aos peidos e pigarros. Pergunte ao doutor Zé Gulu, ele não me deixará mentir! E foi mesmo! O douto logo esclareceu: Ah, ele está falando do Reino de Butua ou Abutua, também chamado de Tórua dos xonas do século XVI, no atual Zimbábue. Quem a descreveu com maior propriedade foi Marquês de Sade, na sua obra Aline et Valcour (1795 - Independently Published, 2019): Reino do centro da África do Sul, cuja superfície é igual à de Portugal. Ao norte faz divisa com o reino de Monoemugui, a leste, com os montes Lupata, ao sul, com a terra dos hotentotes. Os costumes de Butua são os mais depravados do que qualquer coisa que tenha sido dita ou escrita sobre o povo mais feroz da Terra. A população se entrega a todo tipo de paixão criminosa, tais como luxúria, crueldade, rancor e superstição. Considera-se que as mulheres nascem unicamente para o prazer dos homens. Apesar de seus numerosos crimes, o povo de lá é muito devoto e temente aos deuses. Cada distrito tem um líder religioso, encarregado de uma escola de sacerdotes. Em todos os templos adora-se um ídolo, metade serpente, metade humano, cópia original existente no palácio real. Os governadores das províncias devem mandar todos os anos dezesseis vítimas de ambos os sexos para seu líder religioso, que os imola em determinados dias de ritual, com a ajuda dos sacerdotes. Estes estão encarregados de curar os doentes, o que fazem com o uso de bálsamos feitos de plantas, bastante eficazes. São pagos em mulheres, meninas ou escravos, segundo a posição social da pessoa que tratam. Não aceitam alimentos em pagamento, mas, graças às oferendas deixadas nos templos, jamais sentem fome. Como são totalmente desprovidos de sensibilidade, esses selvagens não podem imaginar que a morte de um parente ou amigo possa causar a menor dor. O espetáculo da morte não provoca a menor reação e é comum que apressem o fim de alguém sem esperança de cura ou em idade avançada. Oxente, isso é o fim do mundo! Cruz-credo! E usou de Amartya Sen: Não há nenhum país perfeito no mundo. Há lições para tirar de um ou de outro. Ninguém precisa copiar um modelo de país. O essencial é raciocinar a partir das ideias que funcionaram em outros lugares. As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também seus principais meios. Mas é um povo avesso a tudo da gente, ora! Aí ele sacramentou usando do escritor espanhol Francisco Ayala (1906-2009): Dou ao país um valor acidental: não é essência, mas circunstância. E zarpou deixando a roda inflamada às discussões mais cabeludas.

 


SOU O RIO MUSA MAR & ZIS ERRÂNCIAS – Imagem: arte da escultora russa Vera Mukhina (1889-1953) – Ela invade o espaço e era a cineasta e roteirista francesa, Alice Guy-Blaché (1873-1968): Não há nada relativo à realização de um filme que uma mulher não possa fazer tão facilmente quanto um homem, e não há razão para que ela não possa dominar completamente todos os detalhes técnicos dessa arte. Demonstrei minha anuência com gesto positivo de cabeça. Ela insistiu Olympe de Gouges: Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna. Reiterei minha solidariedade. Aí com veemência citou a atriz, escritora e comediante estadunidense Roseanne Barr: Há muito mais em ser mulher do que em ser mãe. Mas há ainda muito mais em ser mãe do que a maioria das pessoas pensa. Uma coisa que as mulheres têm de aprender é que ninguém te dá o poder de bandeja. Você tem de agarrá-lo. Estava surpreso com sua eloquente exposição. Com o dito ela baixou a cabeça, pensou um pouco em silêncio, quase ouvi suas ideias, mas evitei, assumi minha condição de plateia e deixei-a comodamente dizer o que quisesse. Contornou os cantos do meu quarto, voltou-se com um riso encantador e mencionou que me amava muito. Beijou-me, retribuí o gesto e reafirmei minha paixão por ela. Aboletou-se no meu colo com seu jeito sereia e cheiro de mar, passou os braços em volta do meu pescoço e ficou brincando de lamber meus lábios enquanto se insinuava cada vez mais achegada para me cobrir com seus encantos. Mais que receptivo fiz festa no nosso mútuo sentimento com o calor de todas as nossas emoções e prazeres. Até mais ver.

 

A ARTE DE FABIANA KARLA

Eu adoro observar as pessoas. O povo é minha matéria prima. Eu adoro ficar na praia, por exemplo, observando o comportamento das pessoas, de todos ao meu redor. Isso me dá material para trabalhar. Eu gosto de escutar o linguajar do cara que está fazendo sanduíche lá na baixada, quando o vendedor diz “manda um mendigão pra dentro ai!'”. Quando ele vê isso repercutir na televisão, ele se reconhece, ri. Faz parte viajar, conhecer pessoas, novas culturas, para você observar e ter material para trabalhar. As pessoas me percebem nos dois tons, só que elas me preferem na comédia. E eu fico envaidecida porque é muito difícil fazer comédia. Então, se elas me enaltecem como humorista, e me respeitam tanto na comédia quanto no drama, isso me deixa feliz. E pra mim, a opinião do público é como um termômetro.

A arte da atriz, humorista, escritora e diretora Fabiana Karla, que dirigiu e escreveu o roteiro do documentário O caso Dionísio Díaz (2016), atuou como atriz nos filmes Marina (2003), A máquina (2006), O palhaço (2011), Meus dois amores (2012), Tô Ryca (2016), Uma pitada de sorte (2018), entre outros. No teatro ela atuou nas peças João e Maria (1990), Balaio de Gatos (2006), Hoje me chamo Dinorá (2007), Decameron (2009), Gorda (2009), A vida em rosa (2012) e Nessa mesa de bar (2014). E na televisão atuou no Zorra Total, Escolinha do Professor Raimundo e  em diversas novelas, séries e especiais. Veja mais aqui e aqui.