quinta-feira, janeiro 10, 2019

FRANÇOISE DOLTO. GENINHA DA ROSA BORGES, FRANCESCA WOODMAN & SOLILÓQUIO VESPERTINO


SOLILÓQUIO VESPERTINO - A tarde é viva inteira nesta quinta, enquanto o Sol reina inextinguível em mim e emigro às doze horas como quem singra o ignoto a me projetar adiante do que posso e voo. Quatrocentas estrelas brilham no meu sorriso, tudo é tão imenso e real. Ninguém sabe, eu sei, onde está quem procuro o coração revelado na escolha da voz doce para celebrar seja qual for o seu nome bendito além do que espero. Às treze horas digo ponteiro impreciso que não posso viver livre se das entranhas privo o que anseio, como se me bastasse uma benção da mãe morta por refúgio, entregue às feras, atirado ao penhasco, entre o propício ou nefasto, não importa mesmo que à tarde o céu risonho nuble as florescidas cores da vida e eu tenha errado de mim sem saber pra onde na tempestade repentina que se anuncia. Tudo é tão estranho, quatrocentos sonhos tombados no caminho, a glória entre blasfêmias. Chegar onde estou não é pouco, quase um cidadão da cidade das ideias, pelo menos uma janela aberta e tanta coisa pra fazer. Valho-me do encorajamento das fisionomias carrancudas e nenhuma coroa de louros, o que há de ser minha vida mendigando afetos entre malogros, súplicas e lamentações de fracos e risíveis, porque às quinze e cinco a luz no quarto fechado, o postigo e à porta estou para que às dezesseis eu saiba o tempo passar imperceptível, anos e décadas que esqueci desde às dezessete e trinta de ontem, desabotoando o peito, olhos no espelho, detritos que preciso varrer, funerais, sepulturas, às duras penas com a frescura do entardecer refrescando o calor da intérmina solidão e tarda a noite à alvorada, ninguém responde, nenhum consolo e uma mão toca ao ombro e não vi pálpebras curiosas as quatrocentas cicatrizes do corpo. Voo só, nada é mais preciso que o imprevisível. Quem, às quatorze em ponto chamou por meu nome e não vejo se bem ouvido familiar menção que não lembro dalgum tempo longe como a lembrança perdida. Não há porque me apegar com a esperança imprescindível e hei de viver a cada ausência o que me resta e ser levado a morrer longe em terra estrangeira numa invernada de extrema urgência que sou aqui mesmo pelo que foi de reinos e nações, para ressurgir na primaveril salvação de naufrágio com sonhos podres que nem amanheceram. E se demoro agora de outono a verão com ar de pouco caso pelas difusas sensações fustigantes e os calafrios solitários medindo os astros e as obras do amor nos mil pedaços de mim, só para que eu tenha vida o porvir. É que não hesito entre a chance e a adversidade, o que me inquieta são às dezoito horas ter de hastear a noite ao crepúsculo, e sorrir de bom grado, grato ao ventre em que fui gerado com todos os tormentos humanos e um suspiro se esvaindo ao derradeiro aceno do tempo de areia a escorrer entre os dedos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS
[...] As pessoas que, como eu, amam a vida acham que é idiota suicidar-se. [...] Anuímos à vida: vamos dar-lhe nossa anuência até o fim. [...] Ajuda-se uma pessoa mostrando-lhe que não é um pária por pensar nisso. Ela achava que isso era ruim, mas vê que faz parte da cultura, que é exprimível, é o drama humano de todos. A solidão não é evitável, a angústia não é evitável, as fantasias de suicídio não são evitáveis. Todos temos de passar por isso. Não é nem bom nem mau. É a condição humana. Então, podemos colaborar uns com os outros. É viver. Que nem sempre se consegue, é verdade. [...] A solidão está mais no desamparo de não ter linguagem, muito mais do que no fato de não ter complemento físico para produzir frutos. [...] A maior dor, quando amamos alguém, é não podermos impedir que ela sofra da solidão. Sofrer de solidão faz parte da existência humana. Pessoas que se amam não podem impedir que o outro sofra de solidão. Não é uma questão de amor de uma pessoa pela outra, mas da qualidade da falta, que a outra não pode suprir. [...]. Trechos extraídos da obra Solidão (Martins Fontes, 1999), da médica e pediatra francesa Françoise Dolto (1908-1988). Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.

A ARTE DE GENINHA ROSA BORGES
A premiadíssima atriz Geninha da Rosa Borges – a Grande Dama do Teatro Pernambucano -, construiu uma trajetória iniciada com sua formação em Pedagogia e Letras na Faculdade de Filosofia do Recife, realizando na sua carreira exitosa iniciada em 1941, resultando na realização de 63 peças teatrais, 10 filmes e dirigiu 21 espetáculos. Participou do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), coordenou a partir de 1968 a equipe do Sistema Nacional de TV e Rádio Educação, designada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), participando de programa pioneiro de aulas teatralizadas para o rádio. Atuou, entre outros filmes, de Parahyba Mulher Macho, em 1983, e Baile Perfumado, em 1997. Participou do elenco das novelas A Favorita e Da cor do pecado, da Rede Globo. Ocupa a cadeira 33 da Academia de Letras e Artes do Nordeste. Veja mais aqui.

A FOTOGRAFIA DE FRANCESCA WOODMAN
A arte da fotógrafa estadunidense Francesca Woodman (1958-1981). Veja mais aqui & muito mais na Agenda aqui.