terça-feira, setembro 11, 2018

D. H. LAWRENCE, ÉMILIE CHÂTELET, GARCIA-ROZA, RENÉE GUMIEL, OLIVERIO GIRONDO, ANA RUCNER, MATILDE MARIN & LARA MELO


OU INCHA OU CHOCHA – Imagem da artista argentina Matilde Marin. - Robimagaiver estava espoletado! Que é que há, rapaz? A minha mulher agora deu de me botar pra trás. Ué, como assim? Qualquer coisa que aconteça que deu certo, ela logo se vira pra mim e diz: Vê se aprende, viu? Isso é lá coisa que se faça. Ela é braba que só uma capota choca, solta desaforo na cara de qualquer gorila e, na horagá, vira-se pra mim e diz: Resolve aí, véi! E sai de fininho, eu que fique com a bronca, encarando o maior bufe-bufe na lata, nas costelas, nos guardados. Tô aguentando não, uma hora dessa eu mostro quem é que manda. Mal dizia isso, ela aproximou-se: Larga de ser frouxo, mané! Ele teve o maior susto, nem deu tempo atinar, ela saiu na maior das rabissacas na cara do indignado. O cara ficou injuriado, rabinho entre as pernas, todo se remoendo. Danado isso, depois de velho, passar vergonha na frente de todo mundo. Ah, isso não vai ficar assim não. Tanto se revoltou que a moçada resolveu aprontar uma com ele, só pra ver se o sujeito era macho tanto quanto dizia. Pois bem. Lá foram pruns descampados fora de Alagoinhanduba, quando se aproximaram dum matagal, o Robimagaiver sentiu umas cólicas estranhas remoendo no bucho e logo foi se escondendo atrás duma touceira, se livrando como podia do mal-estar. A turma ficou de conversa solta esperando pelo resultado. Enquanto isso, ele lá caçando papel ou palha que fosse para se limpar, quando sentiu um bafo quente nas proximidades. Ih, tem coisa! Ele ficou desconfiado. Ficou matutando a inequívoca possibilidade de se livrar daquilo, cogitava se preparar para enfrentar o que viesse. Na hora que ele desalojava o bregueço das tripas, mal soltou o primeiro peido desatolando o indigesto, eis que um bufado forte ameaçou hostilidade, aí ele sublevou. Oxe, nem deu tempo dele torar o aço, saiu numa carreira desgramada aos gritos, de todo mundo correr amedrontado atrás dele: É um monstro! É um monstro! E sumiram atrás do primeiro morro, comeram distância quando o encontraram atolado numa poça, lavando os possuídos e as vestes. Que é que foi, homem? Oxe! Topei com o coisa ruim! Carreira danada dessa, devia de ter sido pior que isso. Como é que era? Ah, o monstro-ruim! Gigante! Coisa mais feia do mundo! Dali mesmo ficaram de tocaia para ver se bicho vinha à caça deles. Deram tempo, nem sinal. Ô rapaz, tem certeza que era o coisa-ruim? Claro que tenho, eu vi. Então vamos lá ver! Oxe, vou nada. Peiticaram muito. Aí voltaram pra ver. Todo preparado para enfrentar ou correr. Foram se aproximando do local, cada um que segurasse o seu, todos tremiam de medo. Arrodearam, se aproximaram em círculo e, quando deram fé, uma vaquinha estava espragatada no meio do mato, ruminando. Corresse com medo duma vaca, abestalhado! A mangação correu solta. E ele: Nada, meu, era o cabrunco mesmo, o bafo forte no meu cangote, sou lá de esperar, corri feito doido, eu vi o desgracento. Quanto mais ele explicava, mais a mundiça mangava da leseira dele. A cada motejo, ele mais se invocava, a ponto de disparar: O cu que é bom ninguém quer dar, né? E se justificava: Como eu nunca vi direito o capiroto, logo abri da vela, ora. Um sujeito precavido vale por dois afoitos, é ou não é? Quero ver quem é que é macho na hora do aperto. Saiu-se com essa: O passado condena todo mundo. É? Caiu na zombaria, ainda hoje ele peitica homência, ninguém acredita. É que no meio da bravata, o esparro come no centro, chega ele incha de macheza; na hora do revide grosso, logo chocha e sai caladinho como se nem fosse com ele. Esse o Robimagaiver, o brabo de água doce. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da violoncelista croata Ana Rucner: In The City Croatia, Crickvenica Croatia Live, Sakura Live & Toccata Bach & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aquiaqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] se começarmos a ensinar as grandes massas de povo a consumar uma autorrealização individual, depois de tudo dito e feito veremos, de fato, que elas não passam de criaturas fragmentárias, incapazes de alcançar por inteiro a sua individualidade; que acabaremos por torná-las invejosas, rancorosas e malévolas. Quem é generoso para com os homens, conhece o caráter fragmentário da maior parte e deseja organizar uma sociedade de poder onde todos os homens cedam, como é natural, a uma totalidade coletiva por serem incapazes de formar uma totalidade individual. Poder-se-ão realizar nesta totalidade coletiva. Contudo, se fizerem esforços para chegar à realização individual estarão fadados a fracassar já que são, por natureza, fragmentários. E fracassados, sem poderem dispor de nenhuma espécie de totalidade, cedem à inveja e ao rancor. Jesus sabia perfeitamente que isto era assim quando disse: aos que têm será dado, etc. Esqueceu-se, porém, de contar com a massa dos medíocres cujo lema é: como nada temos, ninguém terá nada. [...]. Trecho extraído da obra Apocalipse/O homem que morreu (Companhia das Letras, 1990), do escritor britânico D. H. Lawrence (1885-1930), sintetizando a poética religiosa do autor, ao efetuar a desmontagem de fragmentos de imagens, mitos e alegorias na qual, capítulo a capítulo, ele empreende uma verdadeira arqueologia da relação do homem com o cosmo e acaba por conduzir o texto bíblico ao encontro de antigas cosmogonias - hindu, persa, etrusca e cretense, entre outras. Veja mais aqui.

A FELICIDADE - [...] suponhamos por um momento que as paixões façam mais infelizes do que felizes; e digo que ainda seriam algo desejável, porque são uma condição sem a qual não se pode obter grandes prazeres; ora, só vale a pena viver quando mais vívidos forem os sentimentos agradáveis; e, quando mais vívidos forem os sentimentos agradáveis, mais felizes somos. É, portanto, o caso de desejar ser suscetível a paixões, e repito novamente; só não as tem quem não quer [...] É certo que o amor pelo estudo é menos necessário à felicidade dos homens que à das mulheres. Os homens têm uma infinidade de recursos, que faltam inteiramente às mulheres, para serem felizes. Eles têm muitos outros meios de chegar à glória, e certamente a ambição de tornar seus talentos úteis a seu país e servir seus concidadãos, por sua habilidade na arte da guerra, ou por seus talentos para o governo, ou ainda pelas negociações, está bem acima que é possível se propor pelo estudo; as mulheres, porém são excluídas por sua condição de qualquer espécie de glória, e quando, por acaso, se encontra alguma que nasceu como uma alma elevada, só lhe resta o estudo para consolá-la de todas as exclusões e de todas as dependências às quais ela se encontra condenada por condição. [...] O amor pela glória, que é fonte de tanto prazer e de tantos esforços de todos os gêneros que contribuem para a felicidade, para a instrução e para a perfeição da sociedade, é inteiramente baseada na ilusão, nada é tão fácil quanto fazer desaparecer o fantasma atrás da qual correm todas as almas elevadas, mas quanto haveria de perder para elas e para as outras! Sei que há alguma realidade no amor pela glória de que podemos usufruir enquanto estamos vivos; mas praticamente não existe nenhum herói, de nenhum gênero, que queira se despojar inteiramente dos aplausos da posteridade, da qual se espera até mais justiça do que de seus contemporâneos. [...] Por mais que neguemos, o amor-próprio é sempre o móvel mais ou menos oculto de nossas ações; é o vento que infla as velas, sem a embarcação não navegaria [...] Empenhemo-nos portanto em ter boa saúde, em não ter preconceitos, em ter paixões, em fazê-las servir à nossa felicidade, em substituir nossas paixões por gostos, em conservar preciosamente nossas ilusões, em ser virtuosos, em jamais nos arrepender, em afastar de nós as ideias tristes, em jamais permitir que nosso coração conserve uma faísca de amor por alguém cujo gosto esteja diminuindo e que deixe de nos amar. É preciso abandonar o amor um dia, por menos que se envelheça, e esse dia deve ser aquele em que ele deixe de nos fazer feliz. Por fim, trataremos de cultivar o gosto pelo estudo, esse gosto que faz nossa felicidade só depende de nós mesmos. Evitemos a ambição, e, sobretudo, saibamos bem o que queremos ser, enveredar para passar nossa vida, e tratemos de semeá-lo com flores. [...]. Trechos extraídos da obra Discurso sobre a felicidade (Martins Fontes, 2002), da cientista francesa Émilie Châtelet (Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil – 1706-1749).

ACHADOS E PERDIDOS – [...] descobriu que o percurso não diminuía distância nenhuma, mas pelo contrário era motivo de repetidos atrasos na chegada ao colégio. Flor percebeu que a verdadeira razão do itinerário do grupo (cada vez mais numeroso) era ela própria. Mais do que sentir-se envaidecida (era um bando de pirralhos), vislumbrou a possibilidade de um negócio inocente mas lucrativo. Fez chegar aos ouvidos de alguns dos meninos que mediante o pagamento de módica quantia, na verdade pouco mais do que o preço de um refrigerante, eles poderiam vê-la trocar de roupa, pela janela do quarto. Bastaria uma parada na janela um de cada vez para não atrair a atenção da vizinhança, dinheiro no peitoril, e a rápida cena de Flor tirando e vestindo a roupa. Em pouco tempo teve que estabelecer um horário, de modo que os meninos não fossem todos no mesmo dia e na mesma hora. Foi seu primeiro grande sucesso comercial. E a mercadoria melhorava dia após dia. A historia tomou rumos quando os meninos não se contentaram mais em olhar e passaram a querer tocar em Flor. Num domingo em que a família foi à praia Flor se deu conta, pelos olhares dos homens, de possibilidades mais amplas. O emprego como babá e a posterior mudança para o Rio eram parte de novos caminhos que antevia à sua frente [...]. Trecho extraído da obra Achados e perdidos (Planeta De Agostini, 2004), do escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza.

DOIS POEMASNOITE TÓTEM - São os transfundos outros da in extremis médium / que é a noite ao entreabrir os ossos / as mitoformas outras / aliardidas presenças semimorfas / sotopausas, sossopros / da enchagada libido possessa / que é a noite sem vendas / são os grislumbres outros atrás esmeris pálpebras videntes / os atônitos gessos do imóvel ante o refluído / ferido interrogante / que é a noite já lívida / são as crivadas vozes / as suburbanas veias de ausência de remansas omoplatas / as acrinsones dragas famintas do agora com seu limo de nada / os idos passos outros da incorpórea ubíqua também outra / escavando o incerto / que pode ser a morte com sua demente muleta solitária / e é a noite / e deserta. DESTINO - E para cá ou além / e desde aqui outra vez / e volta a ir de volta e sem alento / e do princípio ou término do precipício íntimo / até o extremo ou meio ou ressurrecto resto de este ou aquele / ou do oposto / e roda que te rói até o encontro / e aqui tampouco está / e desde acima abaixo e desde abaixo acima ávido asqueado / por viver entre ossos / ou do perpétuo estéril desencontro / ao demais / de mais / ou ao recomeço espesso de cerdos contratempos e destempos / quando não a bordo senão de algum complexo herniado em pleno / vôo / cálido ou gelado / e volta e volta / a tanta terça turca / para entregar-se inteiro ou de três quartos / farto já de metades / e de quartos / ao entrevero exausto dos leitos desfeitos / ou dar-se noite e dia sem descanso contra todos os nervos do / mistério / do além / daqui / enquanto se resta quieto ante o fugaz aspecto sempiterno do / aparente ou do suposto / e volta e volta fundido até o pescoço / com todos os sentidos sem sentido / no sufocotédio / com unhas e com idéias e poros / e porque sim não mais. Poemas do poeta vanguardista argentino Oliverio Girondo (1891-1967).

A ARTE DE RENÉE GUMIEL
A arte da bailarina, coreografa e atriz francesa Renée Gumiel (1913-2006).

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