quinta-feira, abril 05, 2018

BRECHT, MUSSET, BJÖRSON, LEONOR FINI, JURANDIR FREIRE COSTA, RAUL MASCARENHAS & LUCIANA MELLO

OS HOMENS OCOS – Imagem: Portrait of Stanislao Lepri, da pintora, designer, ilustradora e autora surrealista argentina Leonor Fini (1907-1996). - Marcelino Silva é professor, ele e a esposa. Ambos trabalham três expedientes, três filhos: dois universitários e uma quase adolescente na escola. No lar, uma meia água própria, a austeridade de nenhum luxo: nada de tevê, micro-ondas, coisas simples, preferiu investir na educação dos filhos e numa biblioteca particular: qual mundo pros filhos, que filhos pro mundo, refletia. Afora móveis e utensílios comuns, apenas dois computadores com acesso a internet: evitavam uma casa emburrecedora, maior bagunça. Na garagem, um Corcel 73 conservado, podia ter aproveitado a onda Lula e ter adquirido um veículo zero quilômetro, temia endividamento: Vida de professor nunca se sabe. Aos finais de semana reunia os filhos e suas namoradas, a esposa e a filha para sábado de manhã debater sobre cidadania prática e participação social; de tarde, impressões numa roda de leitura: escolhiam um autor para todos lerem durante a semana e questionarem as obras; de noite, sala de cinema com apreciação de filmes de determinado diretor escolhido; domingo de manhã: audição musical; de tarde, questões polemizadas da vida e do ser humano à luz filosófica e científica; de noite, agenda da semana com campeonato de xadrez. Naquela tarde, havia almoçado em casa e guiava o seu Corcel 73 pra dar aula, quando, de repente, um estibado se intrometeu num tranca com seu BMW. No susto deu uma freada que triscou no para-choque do carrão. Respirou fundo e arregalou os olhos ao ver descer do veículo estacionado na frente, o filho do prefeito e agropecuarista Elesbão Torreta, o Brothão, aquele mesmo impune que descascou a doce Melzinha. O sujeito foi até a traseira do seu possante veículo, conferiu, alisou e voltou-se furioso contra o de Marcelino, dando um murro de entrar a mão com soco inglês para-lama motor adentro. Esmurrou a porta amassando quase toda lataria do seu veículo ao arrodeá-lo. Berrou pra ele que, providente, levantou o vidro da porta lateral, recebendo um soco de arrebentar tudo e alcançá-lo pela beca, puxado pela goela porta afora, ser quase estrangulado, balançando no ar: Você é um demônio aloprado, cara! Não vale a porca de um parafuso do meu carro! Ainda bem que só triscou no friso, senão ia morrer de bofete na cara, tá entendendo, diabo? Você só vale essa borreia! E sacudiu-lo por cima de cair do outro lado na calçada. A cidade em peso silente presenciando tudo. Brothão mais invocado que antes, lançou um urro para todos e saiu enraivecido, cantando pneus rua afora. Foi aí que o povo foi ajudá-lo a se erguer, de quase não ficar em pé de tanta tremedeira. Demorou para acertar a chave na ignição, conseguiu insistentemente que o motor pegasse, engatou primeira e nela foi até a escola. Estacionou ainda passado, foi pra sala de aula, nenhum aluno; dirigiu-se ao banheiro e diante do espelho não era sua face que refletia: era o Brando do Apocalipse de Coppola, recitando Eliot: Nós somos os homens ocos / Os homens empalhados / Uns nos outros amparados / O elmo cheio de nada. Ai de nós! (Baseado no incidente-relato do poeta e professor Marcelo Coutinho: A alucinação é crescente no país que nasci. No caminho para a Universidade sou bruscamente fechado por uma destas motocicletas BMW. Por pouco não houve uma colisão. O motoqueiro rico se colocou ao meu lado e bradou sem parar, salivando sob o capacete: "tu és o demônio!", "tem a cara do demônio!" "é barba de demônio!". Enquanto os alunos não chegavam, fui ao banheiro e me olhei no espelho. Continuo achando minha barba elegante. Seria eu a delirar? Ou seria o país que delira e espuma de raiva de si mesmo?). Minha solidariedade. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do saxofonista e flautista Raul Mascarenhas: Sabor carioca, Búzios Live & Lilibye blues; da cantora e compositor Luciana Mello: Ao vivo, Nêga & Na luz do samba; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA[...] Nós vos pedimos com insistência: Nunca digam - Isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia, numa época em que corre o sangue, em que o arbitrário tem força de lei, em que a humanidade se desumaniza, não digam nunca: Isso é natural, a fim de que nada passe por imutável. Sob o familiar, descubram o insólito. Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável. Que tudo que seja dito ser habitual, cause inquietação. Na regra é preciso descobrir o abuso, e sempre que o abuso for encontrado, é preciso encontrar o remédio. Pensamento do dramaturgo, encenador e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Veja mais aqui.

BRASILEIRO CONDENA BRASILEIRO – [...] Nossa tradição cultural, por diversas razões, criou um ideal de cidadania política sem vínculos com a efetiva vida social dos brasileiros. Na teoria aprendemos que devemos ser cidadãos; na prática, que não é possível, nem desejável, comportarmo-nos como cidadãos. A face política do modelo de identidade nacional é permanentemente corroída pelo desrespeito aos nossos ideais de conduta. [...] o brasileiro vem sendo coagido a reagir de duas maneiras. Na primeira, com apatia e desesperança. É o caso dos que continuam acreditando nos valores ideais da cultura e não querem converter-se ao cinismo das classes dominantes e de seus seguidores. [...] Na segunda maneira, a mais nociva, o indivíduo adere à ética da sobrevivência ou à lei do vale-tudo: pensa escapar à delinqüência, tornando-se delinquente. Nos dois casos, perde-se confiança na ideia de justiça, legalidade e interesse comum. É o primeiro passo para o império do banditismo – o modo de convívio social em que a lei se confunde com o interesse de um indivíduo ou de um grupo e a força substitui o diálogo. No banditismo, as leis dão lugar ao mercado da violência, que tende à expansão ilimitada. Numa sociedade regida pela moral da delinqüência, a cada dia se inventam novas formas de transgressão e de desmoralização das leis e novas formas de submissão dos mais fracos aos mais fortes [...]. Trechos extraídos de O brasileiro condena o brasileiro (Superinteressante, 1991), do psicanalista e professor Jurandir Freire Costa. Veja mais aqui, aqui e aqui.

ALÉM DAS FORÇAS - [...] BRATT – Ah, tenham confiança meus amigos, estamos atingindo o fim. Mas, principalmente, nada de discórdias, nada de lutas, e saibam sacrificar ao interesse comum os seus rancores pessoais. Uma vez senhores de vocês mesmos, logo o serão dos outros! Ah, pensem então, se realmente for a nossa geração, se realmente formos nós a fazer subir todas as gerações futuras do fundo das sombras e do sofrimento para o pleno sol da vida (Emoção geral, Bratt esconde a cabeça entre as mãos. Silêncio. Depois de uma pausa). Agora, vamos ao escritório da greve; a caixa está pronta para pagar... (Sinais de alegria). E quando tiverem recebido seus socorros, não se esqueçam de ir votar na eleição dos delegados que devem falar a Holger. Pois vocês sabem que é hoje que eles devem levar-lhe nossa resposta (Aprovação geral. Vários se encaminham em direção a Bratt e lhe apertam a mão. Depois, sobem novamente, conversando, e desaparecem). [...]. Trecho extraído da peça teatral Além das forças (Delta, 1962), do escritor norueguês Björnstjerne Björson (1832-1910), Prêmio Nobel de Literatura em 1903.

VÉSPERPálida estrela da tarde, / por céus longínquos perdida, / cuja fronte rasga os véus, / dize, - que avista no prado / teu vago olhar sonolento, / caindo do firmamento, / - dos paços azuis dos céus? / Calmou-se tormenta e vento; / e a floresta murmurante / derrama orvalho corante / nas plantas murchas do chão; / louros insetos ligeiros / pelas floridas campinas, / dentre as moitas de boninas, / rutilam na escuridão. / Que vês na terra dormente?... / Mas já por trás das montanhas / vejo a luz de que te banhas / docemente vacilar, / enquanto, ó pálida amiga, / tu foges na etérea plaga, / nela, sorrindo, se apaga / teu melancólico olhar. / Formosa estrela que desces / por sobre a verde colina, / da noite no manto frio, / alvo do olhar da pastora / que vem da serra cantando / enquanto a segue badalando / seu nédio armento tardio. / Ah! Por essa noite imensa, / que busca a luz feiticeira? / - Fresco leito, d’água à beira, / onde te possas dormir? / - Ou nas horas de silêncio / no vasto seio dos mares, / - Pérola solta nos ares, / vais de repente cair? / Se deves morrer tão cedo... / se hão de afundar-se nos mares / teus merencóreos luares / e os louros cabelos teus, / astros do amor, ah! Detêm-te! / Teu curso leve suspende, / no azul do espaço te prende! / Não desças nunca dos céus! Poema do poeta, novelista e dramaturgo francês Alfred Musset (1810-1857). Veja mais aqui.

A ARTE DE LEONOR FINI
A arte da pintora, designer, ilustradora e autora surrealista argentina Leonor Fini (1907-1996).
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O que parecia ser não é mais porque nunca foi ou deixou de ser, A lenda da mandioca, a música de Paula Cole, a escultura de Butch Charlan & Giovanni Duprè, a fotografia de Damir Simic, a arte de John Jinks & Edna Fialho aqui.