domingo, março 27, 2016

O AMOR É LINDO!

O AMOR É LINDO! – Homi-seu-menino! -, esse era o prefixo. Dias sim, outros não, melhor dizendo, vez em quando atravessava a entrada da mercearia de Ornestino, encontrando-o sempre de bom humor. La estava ele com uma cara risonha seja de escárnio, cinismo ou de mangação solta com os outros ou dele mesmo, ora, pois adorava mangar dos outros, quanto mais de si. Daqueles que não perdia nunca a piada. Podia perder amigo ou sapecar desafeto, entretanto, não deixava passar em branco o momento duma boa risadagem frouxa. Motivo se não tivesse, arranjava na hora. Era só pintar de longe o ar da pinoia que ele aumentava o troço de ficar do tamanho das coisas grandes e infinitas. Como ocorrera, certa feita, me chamou no amiudado a um canto, confidenciando risível que, quando era calunga dos seus vinte e poucos anos, saíra do campo pra cidade, visando concluir os estudos e arranjar emprego decente. Logo se empregou como cambista no jogo do bicho do seu Zezé-pé-de-burro, passando os números pro pule, seja seca ou do primeiro ao quinto, dezena, centena e milhar, todo santo dia. Logo se arranchou na pensão de dona Bastiana, local este no qual adquiriu o hábito das risadagens. Culpa de seu Alfredinho, marido da dona, que metia o pau nos cornos quando, ele mesmo, andava com a cabeça florida dumas duas de quinhentos e da muita. Logo no primeiro dia de hospedagem, ele ouviu lá de dentro os resmungos do chatoso velho: - Tomara que dê uma cheia e leve todos os cornos de Alagoinhanduba! E na mesma hora, ouviu dona Bastiana dizer: - Cala boca, Alfredinho, tu num sabe nadá, homi de Deus! Quando não, era fazendo as refeições na barraca da dona Zefinha, na rodoviária, contando piada ou bulindo com um e com outro que chegasse. Foi justo ali que um dia, de quase meio dia, viu uma sestrosa duma cabocla atravessar seu caminho. Homi-seu-menino, pense numa coisa bonita da maior das bonitezas! Danou-se! Num é que ele ficou animado que só? Apois, foi. No outro dia a faceira tornou a passar pelas imediações. Já ficava até com a ponta da saia toda achegada pras bandas dele. Um risinho tímido aqui com os ombros encolhidos, duas barrocas na bochecha duma lindeza sem par, os olhos no canto pra banda da gente, um andarzinho apertado arrastando a chinela, uma sonsa toda que não quer ir e não vai mas que vai e vai mesmo, coisa de deixar o coração do cabra macho todo afuleirado de frouxo e perdido de paixonite das brabas de arrear o sujeito feito doença das pragas do estopô calango, de nunca mais levantar de curado, nem com reza forte, nem com milagre dos céus! Ora, ora, eu que num ia deixar um trem desse passar! Eu queria era pegar bigu e ia perder a viagem? Ora, tomei tino no ajeitado da fivela, estufei a caixa dos peitos e encarei de primeira atrapalhando o passeio: - A distinta moça mora pelas redondezas? Não –, e olhe que o não dela mais parecia cantiga de passarinho todo encolhido de manha, da mais difícil das vulneráveis pessoas desvalidas e sem chão desse mundo de meu Deus! Chega dava um frio na barriga do negócio bulir traquino dentro da cueca samba-canção. Mas me recompus, retomei a dianteira e aprumei no riscado, de primeira tem que causar boa impressão: – A sinhorita mora adonde? Moro em Rimbingudo! Minha Nossa Senhora dos solitários desinfelizes! Aquilo era uma provocação dos diabos! Pense numa danada bonita da cara redonda, cabelos lisos de bons fazendo franja na testa, olhos agateados, cangula dos bicos dos beiços ajeitados, chega dava vontade da gente se pendurar neles de nunca mais largar de tantos beijos. Isso sem falar da pele acetinada arroseada, dos peitinhos inchados querendo pular fora do porta-seio da blusinha pra cair na desgraça da gente, cinturinha de pilão, quartuda dos cardans parideiros, coxuda das batatas das pernas robustas, pezinhos delicados, toda vestidinha faceira, virgem santa! Quanta belezura da gente ficar abestalhado pro resto da vida. E como ele ia prali de segunda a sexta, vez que no final de semana arribava para a casa dos pais, adiantou-se um pouco e jogou charme pra cima da beldade: - A distinta não quer dividir um dicomê comigo não? Ela se riu e sentou-se à mesa pedindo um sanduiche. Lanche? Ora, vamos comer aqui do prato feito, eu pago! Todo jeitoso e cheio do agá, cantou vitória, ora, sentou-se, caiu no papo. Vamos pro jogo que, de agora em diante, tudo é pênalti! Estava na rede, era peixe. E a distinta foi se afeiçoando pelo desastrado. E com mais dois dias, já se achavam de namorico solto, de passear pelo escurinho atrás da prefeitura nos pega de sarro macho, davam uma volta na praça e findavam por trás da igreja de São Benedito, num agarrado de impar, até o santo soltar uns bregues. E assim foi até que, na sexta de noite, se despedindo pra viajar de madrugada, ela fez um pedido: - Traga uma jaca verdinha pra mim! Jaca-mole! Traz? Na segunda lá vem o homem com uma jaca do tamanho do mundo pra impressionar a namorada. Quando a encontrou, ela fez uma festa das grandes de chegar às carreiras ao seu encontro. E ele, já com o bico apontando pra ela na espera do beijo, quando abriu os olhos, ela estava agarrada com a jaca, debulhando os bagos. Oxe, só soltou quando a coisa estava toda destrinchada e não tinha mais nenhum bago pra remédio. Aí foi que ela agradecida, sapecou-lhe uns beijos nas bochechas, toda peguenta da fruta. E foi-se. Ele aí fechou a cara. Oxente, pra mim, eu valesse mais que uma jaca! Mas não, toda sexta ela fazia o pedido, toda segunda lá vinha ele com cada uma maior que a anterior: não conto quantas vezes fui trocado pela dita cuja, sob o argumento de que era boa pros ossos, pra pele, pra vista, pra se prevenir do câncer e dum bocado de coisa que ela falava que nem sei nem nunca aprendi que droga que era. Já estava até com o braço acostumado de eu me pegar, vez por outra, como se estivesse com uma disgramada daquela na carregada do jeito, ora. Eu só sei que podia vir com o maior presente do mundo, coberto com ouro de todos os quilates que fosse, se tivesse uma jaca do lado, ela deixava tudo e se agarrava com a bicha chega ficar redonda de cheia. Pensei que eu tinha que me casar com uma jaqueira, melhor o suicídio! Né, não? E quase cometi essa besteira ao me atrepar nos galhos duma danasca dessa, de quase morrer espragatado no chão com um cacho caído em riba do quengo. Pense, homem de Deus, pense que remoeta das desaprumadas! E assim foi do namorico, noivado até o casório! Acostumado, largava a jaca pra ela e ficava resolvendo as coisas até quando desse fé de que ela já tinha esquartejado a distinta, pra daí em diante, prosseguir com o desejado. Imagina o casamento? Danou-se! Até no dia ela empancou de só dizer o sim nos pés do padre depois de traçar uma jaca mole, meu senhor. Depois disso, foi que se deu a cerimônia do casório. O pior foi num dia de noite, na hora de dormir, quando vou me aboletando pra deitar na cama, eis que a mulher está agarrada com uma daquelas bem grandes que ocupava o meu lugar. Cuma é? Levando gaia de jaca? Pode um negócio desse? Aí foi o cúmulo! Até na hora de dormir! Minha Nossa Senhora da priquita grande, agora fodeu Maria-preá! Deu a gota! Home-seu-menino, avalie. Pense numa disgrama duma prosopopeia dessa nos costados do sujeito. É coisa do cabra desentarraxar o juízo e sair comendo merda e rasgando dinheiro de doido por aí. Ah, destá! Bicho astuto aprende a lição. E ele pegou o jeito, sabendo como lidar com ela, pra que fosse da forma como queria a vida toda. Não dava outra: uma jaca pra ela estraçalhar e depois lavar a égua! E isso nos quartos, na cozinha, na sala, onde fosse, bastava ter a danada da comida, depois ela servia de tudo, a jega lavada! Ô coisa boa, meu! Pois que ela agradecida, fazia tudo que ele queria. E ele se aproveitava, pintava o sete. Isso até hoje. Aí eu perguntei: - Ainda hoje, homem? Oxente, hoje é que vale. Cá pra nós, chega mais em segredo: quando quero dar umas escapulidas com umas caçolas perdidas por aí, deixo umas duas jacas em cima da mesa e posso desaparecer por horas que ela nem aí, vai devorando entretida de nem notar a minha falta. O problema é só saber quando ela tá perto de ficar de boi, porque assim, depois que devora, ela fica tarada de fogosa de quase num sair mais de cima! Tenho que tá na base da catuaba, amendoim e ovo de codorna, porque senão, sei não. Num corro da raia, nem passo batido. Tô em cima do lance: amolegou, a peiada vai rolar! Homi-seu-menino, se assunte! E vamos aprumar a conversa! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui

Imagem: O Grande Circo Popular do Brasil, encabeçado pelo ator e artista circense Marcos Frota, que desenvolve palestras e oficinas nas cidades em que se instala por um período maior de tempo. Terra Verde - Centro de Capacitação, Treinamento e Cultura Terra/UFMG - Dia do Circo & do Artista Circense.

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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Arte do pintor israelense de origem bielorrussa Leonid Afremov.
Veja aqui e aqui.