FOLIA
TATARITARITATÁ: FOLIA CAETÉ (Imagem:
Arte-vídeo da saudosa Derinha Rocha)
– Tenho o costume de caminhar. Faço
caminhadas todos os dias. Lá pelos idos do ano 2000, numa dessas caminhadas
pela orla marítima maceioense, comecei a refletir acerca da condição de ser
brasileiro. E tive pra mim que para falar do povo brasileiro, não é só entender
a mistura de brancos, negros e índios, e não só saber da estrutura montada num
processo de colonização secular enraizada numa monarquia que possui reflexos
até hoje nas relações e nas perspectivas canhestras tanto entre as pessoas como
na própria perspectiva de desenvolvimento. As formas como se desenvolveram, por
exemplo, as atividades açucarocratas recheadas de colossais remanescentes
feudais que se alastraram na gestão dos latifúndios e nas formas de produção
com básico teor na acumulação e na exploração, não diferente dos propósitos
colonizadores da preação, dá pra visualizar, portanto, de que forma a nossa
heterogeneidade se manifesta aguda e contraditoriamente individualista e que, apesar
do forte teor de afetividade, não se vislumbra além da nossa índole festeira de
compadrio e jeitinho. Com o olhar no presente, tenho a percepção de como
podemos ser uma potência econômica pro mundo, enquanto paradoxalmente uma
parcela considerável da população vive numa situação abaixo da linha da
miséria. Afora isso, o que tem de neguinho grifado nos trinques de uma cueca só
com um buraco no furico e meia com o dedão de fora, não está no gibi – daqueles
que falam bonito, todavia, se aprofundar no amiudado, são vazios de num juntar
direito coisa com coisa. Ah, mas a primeira impressão é a que fica, sem medrar
de que nem tudo que brilha pode ser ouro, mas ouropel de última categoria. Apois
tá. Caminhando no calçadão da praia posso ter a visualização dos suntuosos
prédios da orla marítima, como também, de hipossuficientes – nome bonito e
eufemista - de toda espécie, ou seja mendigos que buscam a caridade alheia para
ter o que sustentar, contrariando aquela velha máxima cantada por Luís Gonzaga:
Mas doutô uma esmola pra um homem que é
são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão. Ou dente apressada dando
salto solto no ar para cavar o ganha-pão, ou sabidos dando toque de arrodeio em
alesados, falantes engalobando incultos, gente voyeur do boato, capítulos de
novela, gol domingueiro e manchetes banalizadoras do aqui agora,
maria-vai-com-as-outras, trampolineiros que se viram de toda sorte, assando e
comendo e ainda arrotando ufana vivacidade de se sair bem por burlar tudo e
todos. Gente que não tem saúde pública e nem onde cair morto, a não ser dos
favores de políticos ou de interesseiros agiotas públicos ocasionais; que não
tem educação porque a escola pública está falida fabricando débeis e marginais,
enquanto a privada domestica pra fé e pra alienação do trabalho; que não tem
segurança e sai escapando das duas violências graves que cerceiam a vida e
mantém o temor do terror; que não tem cidadania apesar dos direitos
fundamentais, mas que por temor de dar tudo errado sempre, se cala serviçal
desde que nasceu; que não tem nada a não ser exibir suas arrogâncias
umbigocentristas e seus ideais disfarçando sua frágil e desmoronada estrutura
ética e psicológica, almejando ser sempre o que não é, agradando gregos e
troianos – naquela do melhor ter amigo na praça do que dinheiro no banco, vez
que brincar de amigo pra valer na hipocrisia é melhor do que ser tido por pobre
de Jó -, só com o fito de se dar bem, nada mais. Por isso, compus o frevo Folia Caeté: Sou brasileiro, meu bem / De janeiro a janeiro / De ralar o ano inteiro
/ Pra ver se a vida um dia vai mudar / Pra um melhor fevereiro / Festa de
carnaval / Pular, esbaldar festeiro / Pra ver se a minha vida vai mudar / Eu
vou driblando as broncas / Pra gororoba chegar / Eu dou nó cego até no ar / Pra
fazer meu direito valer / Feito gente adulta de ser / Respeite o cidadão que é
de lei / Seja um, qualquer um, toda vez / Tenho a dizer / Moradia é lugar que
se tem / A saúde é gozar muito bem / E saber que não deve minguar / E exercer /
O respeito por todo alguém / Que é de todos não é de ninguém / O direito
sagrado: viver / Cidadania vingar / Cantada bem pra valer / Viver feliz é o que
se quer / Mesmo quem venha a nascer / Cidadania é viver / Na folia caeté.
(Luiz Alberto Machado). Veja o videoclipe do frevo aqui e mais aqui.
E veja mais:
ALVORADA
PICADINHO
Imagem: O Jovem Baco (1884), do pintor inglês Adolphe William Bouguereau (1825-1905), Veja mais aqui.
Curtindo a coleção dos seis cds de Nelson Ferreira – Carnaval, sua história,
sua glória (Revivendo, 2002), comemorativo de centenário do compositor Nelson Ferreira (19012-1976).
EPÍGRAFE – Ó abre alas que eu quero passar, Ó
abre alas que eu quero passar, trecho da letra da música Abre alas (1899), da
compositora, maestrina, abolicionista, feminista, audaciosa pioneira e pianeira
de choro e boemia, Chiquinha Gonzaga
(1847-1935). Veja mais aqui e aqui.
EVOÉ,
BACO & ARIADNE
(Imagem: Bachus et Ariane, by Agostino Carracci)– O deus Baco, o Liber Pater, é o nome adotado pelos romanos para o deus
grego Dioníso, deus do vinho, da ebriedade, dos excessos sexuais e da natureza,
que tinha por símbolos a pantera, o cântaro, a vinha e um cacho de uva. As festas em sua homenagem eram chamadas
de bacanais. Conta a lenda que durante a gravidez de Sémele, ela pediu para que
Júpiter se apresentasse com pai do seu filho. Com a presença do deus, ela
fulminou se transformando em cinzas. Júpiter recolheu o feto das cinzas e o
introduziu na barriga de sua perna para dar continuidade à gestação, nascendo,
portanto, Baco. Ao tornar-se adulto ele se apaixona pela cultura da vinha e
descobre a arte de extrair o suco da fruto. Por inveja de Juno, ele se torna
louco a vagar pela Terra. Cibele então cura-o, ensinando-lhe a cultura da
vinha. Ao chegar em Tebas, mulheres, crianças, velhos e jovens saúdam-no em
clima de festa, daí seguindo para Naxos, sua terra natal, quando, no caminho,
encontra Ariadne, a filha do rei de Creta, Minos e Parsífae. Ele traz folhas de
louro e videira nos cabelos, um manto esvoaçante e demonstrando grande surpresa
e encantamento por ver moça tão bonita que se encontra com manto azul drapeado,
faixa vermelha, surpreendendo-se com o olhar do deus. Ela havia sido abandonada
por Teseu, depois que ajudou a matar o Minotauro com o novelo que lhe deu para
se safar do labirinto. Ao encontrar Baco, o amor aflorou imediatamente entre
ambos. Ele lhe prometeu o céu para que ela aceitasse o casar-se com ele. E
diante da afirmação dela, o deus pegou-lhe a coroa e lançou ao céu, se
transformando numa constelação para confirmar o casamento entre ambos. Veja mais aqui.
O
FREVO - No livro Pequena história da música popular: da
modinha à canção de protesto (Vozes, 1975), do jornalista, crítico musical
e pesquisador José Ramos Tinhorão,
encontro que o frevo é uma das mais originais criações dos mestiço da baixa
classe média urbana brasileira, no campo da música e da dança. Para o autor:
[...] Criação de músicos brancos e mulatos, na sua maioria instrumentistas de
bandas militares tocadores de marchas e dobrados, ou componentes de grupos
especialistas em música de dança do fim do século XIX (polcas, tangos,
quadrilhas e maxixes), o frevo fixou sua estrutura numa vertiginosa evolução da
música das bandas de rua, de inícios da década de 1880 até aos primeiros anos
do século XX. [...]. Por conta disso, tornou-se o frevo a principal atração do
carnaval pernambucano consolidando-se em 1935, com o Clube de Vassourinhas,
quando passou a ser identificado como a dança de rua e de salão, caracterizada
pelo ritmo sincopado e frenético, tem como coreografia o baile de multidão de
maneira curiosa, sendo ao mesmo tempo dança individual, livre e improvisada, e
põe a ferver o povo com desfile dos clubes de frevo, em que se exibem
porta-estandarte, passistas isolados e passistas em cordão. Veja mais aqui.
MARACATU – No livro Catimbó (1927), reunido no livro Poemas de Ascenso Ferreira (Nordestal, 1981), do poeta Ascenso Ferreira (1895-1965), encontro
o poema Maracatu: Zabumbas de bombos / estouros de bombas /
batoques de ingonos, / cantigas de banzo, / rangir de ganzás... / — Loanda,
Loanda, aonde estás? / Loanda, Loanda, aonde estás? / As luzes crescentes / de
espelhos luzentes, / colares e pentes, / queixares e dentes / de maracajás... /
— Loanda, Loanda, aonde estás? / Loanda, Loanda, aonde estás? / A balsa no rio
/ cai no corrupio, / faz passo macio, / mas toma desvio / que nunca sonhou... /
— Loanda, Loanda, aonde estou? / Loanda, Loanda, aonde estou? Veja mais aqui e aqui.
TEATRO
& CARNAVAL – As relações entre o
teatro e o carnaval surgem com o Pierrô,
o Arlequim e a Colombina, que são personagens da Commedia dell’Arte, nascida na Itália do século XVI.
Integrantes de uma trama cheia de sátira social, os três papéis representam
serviçais envolvidos em um triângulo amoroso: Pierrô ama Colombina, que ama
Arlequim, que, por sua vez, também deseja Colombina. O Pierrô originalmente se
chamava Pedrolino, mas foi batizado, na França do século XIX, como Pierrot e
assim ganhou o mundo. O Arlequim era servo de Pantaleão, espertalhão preguiçoso
e insolente, que tentava convencer a todos da sua ingenuidade e estupidez. E
Colombina uma criada de uma filha do patrão Pantaleão, mas tão bela e refinada
quanto sua ama, era também o pivô de um triângulo amoroso que ficaria famoso no
mundo todo - de um lado, o apaixonado Pierrô; do outro, o malandro Arlequim.
Para despertar o amor desse último, a romântica serviçal cantava e dançava
graciosamente nos espetáculos. Veja mais aqui e aqui.
DIAS
DE MOMO – O documentário
Dias de Momo (2013), mostra o
carnaval de Recife e Olinda, destacando o frevo como patrimônio imaterial a
humanidade. O filme conta com depoimento de Alceu Valença e de vários artistas
pernambucanos, numa realização do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários
da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), durante a campanha Viva a
originalidade: Pirata, tô fora!, com o objetivo de mostrar que ao valorizar as
ideias, os produtos, a música, o artesanato e as manifestações culturais toda a
sociedade ganha. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Fotos do bloco
palmarense As Puaras, comemorando no
carnaval deste ano 35 anos de história.
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à Peró Batista Andrade & Sua Excelência O Circo. Veja aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
E veja mais William Burroughs, Henfil, Charlotte Rampling, O Porteiro da Noite, Ernest Chausson,
Paulo Dalgalarrondo, Liliana Cavani &
muito mais aqui.