FOLIA
TATARITARITATÁ: FEVEREIRO, CARNAVAL & FREVO (Imagem: Folia Caeté, do artista plástico Rollandry Silvério) - A
gente nem piscou o olho: o ano eclodiu ontem e já estamos em fevereiro. O tempo
voa, não para. Verdade. Nem bem a gente saiu de um cotoquinho de gente, já se
sente envergado com o peso da idade. E parece que foi ontem: as presepadas da
infância, as maloqueragens da adolescência e as estripulias do rigor adulto.
Tudo num triz da memória. Zás! E ao se dá conta hoje, quando não é o fardo
extenuante desfocando a vida com os peculiares embaraços que arrocham se
amontoando no toitiço da gente, é aquela bronca como bola de sinuca
ricocheteada que acerta nos possuídos: oh, nãoooooo! Doeu. E como dói, meu.
Quem tem os penduricalhos que sabe. Por isso, sem nostalgia alguma, eu vou nas
freviocas entoando: ...eu vou driblando
as broncas pra gororoba chegar, eu dou nó cego até no mar pra fazer meu direito
valer... Como o calendário vai dando corpo ao relógio na guilhotina do
tempo e preparando todo mundo para a casa dos que não estão mais aqui, basta
virar o ano e, de supetão, já é fevereiro e ninguém quer fazer par com os que
morreram dum bocado de coisa. Claro, e como em fevereiro – mês da februa, consagrado às festas e
purificação dos mortos - ninguém é asno simiesco de ficar na espreguiçadeira do
Hino do Nacional, tá doido? Basta ouvir o primeiro acorde de qualquer frevo que
a gente se encharca de incha-bucho, lavando a prensa pra liberar a jega e cair
na folia. U-hu, é com esse que eu vou! E se é fevereiro, é carnaval, do carmem levãre, véspera da abstenção da
carne. Eu, hem? Eu mesmo me apronto, dou uma fortificada no fígado, estico os
ossos, libero a goela e viro adepto do Momo, filho do Sono e da Noite, que vem
numa mão com a máscara e, na outra, a loucura na cabeça grotesca do cetro. E
tome folia pra cima. Assim, enveredo no tríduo momesco todo probo, da sexta-pré
que vira pro sábado de Zé-pereira no improviso das piruetas que esquenta os
nervos, mexe com alma e agita o esqueleto com as acrobacias de sombrinha, até a
terça-feira gorda, gingando na dobradura, na tesoura, na locomotiva, no
ferrolho, no parafuso, no pontilhado, no saci-pererê, no diabo-a-quatro para
confirmar: Sou brasileiro, meu bem, de
janeiro a janeiro, de ralar o ano inteiro pra ver se a vida um dia vai mudar
prum melhor fevereiro, festa de carnaval, pular, esbaldar festeiro pra ver se a
minha vida um dia vai mudar... tudo na melhor tradição de Edgar Morais,
João Santiago, Raul Morais, os Irmãos Valença, Nelson Ferreira, ou Capiba que
diz: “...essa vida é mesmo assim... não
penses que estou triste nem que vou chorar... eu vou cair no frevo, vou me
acabar”. Assim, no frevo uma homenagem: que
essa vida, essa passagem, só o amor faz imortal. E vamos aprumar a conversa
na Folia Tataritaritatá e aqui.
E veja mais:
PICADINHO
Imagem: O Galo da Madrugada, do artista plástico
Márcio Melo.
Curtindo o álbum de estreia da Orquestra Contemporânea de Olinda (Som
Livre, 2008). Veja mais aqui.
EPÍGRAFE – Viva
Zé Pereira / Que ninguém faz mal! / Viva Zé Pereira / Nos dias de Carnaval / Viva
Zé! / Viva Zé! / Viva Zé Pereira, trecho de uma música cantada pela população, recolhido
do texto Carnaval, carnavais (Recife,
2011), do escritor,
advogado, pesquisador e folclorista Mário Souto Maior (1920-2001), dando
conta da música que surgiu nos festejos carnavalescos a partir de 1846. Veja
mais aqui.
CARNAVAL, MALANDROS E HEROIS – No livro Carnavais,
malandros e heróis: Para uma sociologia do dilema brasileiro (Zahar, 1983), do antropólogo e
sociólogo Roberto DaMatta, destaco
os trechos a seguir: [...] como é possível ter um
carnaval aristocrático numa sociedade igualitária e ter - no caso brasileiro - precisamente
o inverso, ou seja: um
carnaval igualitário,
numa sociedade hierarquizada e autoritária? [...] O
ritual, então, tem como traço distintivo a dramatização, isto é a condensação
de algum aspecto, elemento ou relação, colocando-o em foco, em destaque, tal
como ocorre nos desfiles carnavalescos e nas procissões, onde certas figuras
são individualizadas e assim adquirem um novo significado, insuspeitado
anteriormente, quando eram apenas partes de situações, relações e contextos do
quotidiano
[...] De fato, como o ritual é definido por meio
de uma dialética entre quotidiano e extraordinário ele se constitui pela
abertura deste mundo especial para a coletividade. Não há sociedade sem uma
idéia de um mundo extraordinário, onde habitam os deuses e onde, em geral, a
vida transcorre num plano de plenitude, abastança e liberdade. Montar o ritual
é, pois, abrir-se para esse mundo, dando-lhe uma realidade, criando um espaço
para ele e abrindo as portas para a comunicação entre o “mundo real” e o mundo
especial. É no ritual, pois, sobretudo no ritual coletivo, que a sociedade pode
ter (e efetivamente tem) uma visão alternativa de si mesma. [...]. Veja mais aqui e aqui.
CARNAVAL,
CARNAVAIS – No livro Carnaval: textos, imagens & sons
(Recife, 2011), organizado por Mário Souto Maior, Fernando Spencer e Renato
Phaelante, encontro o texto Carnaval,
Carnavais, do escritor,
advogado, pesquisador e folclorista Mário Souto Maior (1920-2001), do
qual destaco o trecho: [...] festas
greco-romanas semelhantes ao Carnaval vamos encontrar muitas delas perdidas no
tempo, quase sempre relacionadas com a fecundidade ou com a colheita. Outras,
semi-pagãs no seu todo – as comemorações à deusa Isis no Egito e à deusa Herta
entre os teutões, as bacanais, as lupercais e as saturnais romanas no seu maior
esplendor, os festejos em honra a Dioníso na Grécia, as festas dos inocentes e
dos doidos na Idade Média – constituem provas de que eram muito apreciadas na
antiguidade clássica e até mesmo pré-clássica, com suas danças, suas
licenciosidades, suas máscaras, suas músicas ruidosamente alegres na sua
maioria, algumas são características conservadas até hoje. O Carnaval –“primitivamente
designativo da Terça-feira gorda, tempo a partir do qual a Igreja Católica
suprime o uso da carne”, conforme Antenor Nascente – surgiu com a propagação do
Cristianismo e por força do seu calendário litúrgico. A posição da Igreja
Católica Apostólica Romana em relação ao Carnaval, foi, inicialmente, de uma ambigüidade
mais que comprovada. O Papa Paulo II, no Século XV permitiu que, na via Latta,
bem próxima ao seu palácio, silenciosa durante o ano todo, se realizasse o
Carnaval romano, com suas corridas de cavalos e corcundas, com seus carros
alegóricos e lançamento de ovos, com o local feericamente iluminado por tocos
de velas, introduzindo, como contribuição de sua inventiva, o baile de máscaras
que fez tanto sucesso como continua fazendo agora. O Papa Paulo VI chegou a convidar
o Sacro Colégio para um jantar festivo. O Papa Júlio III gostava mais de
touradas. Já Tertuliano, São Cipriano, São Clemente de Alexandria e Inocêncio
II, sempre foram contra a participação da Igreja nos festejos carnavalescos. O
Papa Inocêncio III, constatando o excesso de abusos, proibiu o uso de máscara
pelos padres e o festejo do Carnaval dentro das Igrejas. Em consequência de
tais proibições o Carnaval perdeu seu antigo brilho, só conseguindo ressurgir,
com a mesma impetuosidade, algum tempo depois, antes da Revolução Francesa e
durante o império napoleônico, quando se espalhou pelo mundo todo. Pode-se
dizer que a sociologia do Carnaval brasileiro, como a sua história, exige que
sejam consideradas as principais expressões regionais do mesmo Carnaval, que
não poderiam deixar de ocorrer num país cuja cultura é ao mesmo tempo una – nacionalmente
una – e diversa, regionalmente diversa [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.
O
GALO – No livro Antologia
Poética, (Leitura,
1968), do poeta, jornalista, professor e memorialista Mauro Mota (1911-1984), destaco o poema O Galo: É a noite negra e é o galo rubro, / da
madrugada o industrial. / É a noite negra sobre o mundo / e o galo rubro no
quintal. / A noite desce, o galo sobre, / plumas de fogo e de metal, / desfecha
golpe sobre golpe / na treva unidimensional. / Afia os esporões e o bico, / canta
o seu canto auroreal. / O galo inflama-se e fabrica / a madrugada no quintal.
Veja mais aqui e aqui.
O
TEATRO – O teatrólogo,
médico, ator, escritor e compositor Valdemar
de Oliveira (1900-1977), realizou as suas primeiras experiências da
renovação teatral pernambucana, ao criar o Teatro de Amadores de Pernambuco
(TAP), em 1941. Essa iniciativa contrapôs-se ao que se praticava com a comédia
ligeira, o teatro de revista, o teatro como diversão, tendo por missão elevar o
teatro que se praticava no Recife ao nível da ‘grande arte’. O TAP teve um
papel de renovação, no sentido de qualificar melhor a experiência teatral e
cenográfica, já que sua posição era reafirmar o realismo e não aceitar nenhum
experimento de linguagem e expressão teatral. Para o autor em comento: [...] o teatro é exclusivamente uma expressão da
arte. E esta, por definição, em suas formas mais elevadas, só é acessível à
fruição e apreciação daqueles poucos cultivados em seus sentidos, dotados de
uma aprimorada e apurada sensibilidade [...]. Veja mais aqui.
CAPIBA,
O SENHOR DOS CARNAVAIS –
O documentário Capiba - O Senhor dos
Carnavais (2004), realizado pelos alunos da disciplina Sociologia do curso
de Ciências Contábeis, Sidney Silva, José Eduardo e Ghislene Moura, ministrada
e orientada pela professora Jacyra Bezerra, da Faculdade Olindense de
Ciências Contábeis e Administrativas (FOCCA), traz a história de vida do compositor e músico Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa –
1904-1997), trazendo suas histórias inesquecíveis, discografia, homenagens e
depoimentos de Lenine, Raphael Rabello, Milton Nascimento e Claudionor Germano.
Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Todo dia é dia da atriz austro-húngara Zsa
Zsa Gabor (pseudônimo de Gábor Sári).
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada ao folião do Galo da Madrugada.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
E veja mais Duofel, François Truffaut, Christopher
Marlowe, Natalie Portman, Ewa Kienko Gawlik, Haim G. Ginott, Mary Leakey, Dona
Zica & muito mais aqui.
A
MUSA DO DIA
A atriz portuguesa Helena Isabel Correia
Ribeiro.