DITOS & DESDITOS – Se a
sociedade não admite o livre desenvolvimento da mulher, então a sociedade deve
ser remodelada. Não é fácil ser um pioneiro - mas, ah, é fascinante! Eu não
trocaria um momento, mesmo o pior momento, por todas as riquezas do mundo. Pois
o que é feito ou aprendido por uma classe de mulheres torna-se, em virtude de
sua feminilidade comum, propriedade de todas as mulheres. Pensamento
da médica inglesa Elizabeth Blackwell (1821-1910) que se tornou a primeira mulher a se formar e exercer a
medicina nos Estados Unidos. Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: E se a
literatura fosse um animal que arrastamos ao nosso lado, noite e dia, um animal
doméstico e exigente, que jamais nos deixasse em paz, que fosse preciso amar,
alimentar, levar para passear? Quando se ama um cachorro e ele o ama, a
infelicidade está na falta de sincronia entre a vida humana e a vida animal. Pensamento
do escritor e jornalista francês Roger Grenier (1919-2017).
HOMEM & MULHER - [...]
a figura do masculino seria em si mesma
mais evidente que a do feminino. Esta seria marcada pelo velamento e pela
obscuridade. No que tange a isso, aliás, o discurso freudiano sobre a mulher
sempre evocou o enigma da feminilidade. A feminilidade enquanto tal seria algo,
pois, da ordem do enigmático e do quase indizível. Isso quer dizer, portanto,
que a figura da mulher estava sendo concebida por Freud como inconsistente e
obscura. [...] Tudo isso nos indica,
portanto, uma transparência evidente da figura masculina – na representação
teórica do discurso freudiano, pelo menos – e uma obscuridade patente da feminina.
O que transformaria, enfim, o ser da mulher em enigma. [...] Trechos
extraídos da obra Gramáticas do Erotismo
– A feminilidade e suas formas de subjetivação em psicanálise (Civilização
Brasileira, 2001), do psiquiatra e psicoterapeuta Joel Birman. Veja mais aqui.
MODERNIDADE & HOLOCAUSTO - [...] um evento que revelou a fraqueza e fragilidade da natureza humana (a
abominação do assassinato, a aversão à violência, o medo da consciência culpada
e a responsabilidade pelo comportamento imoral) quando confrontada com a
simples eficiência dos mais acalentados produtos da civilização; sua
tecnologia, seus critérios racionais de escolha, sua tendência a subordinar pensamento
e ação à praticidade da economia e da eficiência. [...] Em matéria de ética e moralidade a situação
do indivíduo no Estado moderno é em princípio rigorosamente equivalente à do
prisioneiro em Auschwitz: ou age de acordo com os padrões dominantes
de conduta impostos pelos que detêm a autoridade ou se
arrisca a todas as consequências que eles queiram infligir [...]. Trechos extraídos da obra Modernidade e Holocausto (Zahar, 1998), do
sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Veja mais aqui e aqui.
TODOS OS MEUS NATAIS,
TODA A MINHA VIDA - Na verdade, ele já pode estar morto. Pelo menos, eles
dizem isso. Ando pelas ruas de Berlim. As vitrines brilham como se as lojas
estivessem abertas pela última vez, como se amanhã fosse o fim do mundo, como
se as pessoas nunca tivessem comprado nada. Lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Todos os meus Natais, toda a minha vida, todos os meus filhos, todas as noites
que passei fazendo bolo e preparar presentes. Toda a alegria dos presentes,
toda aquela dorzinha de abri-los, a espera à luz das velas da árvore de Natal e
todas as perguntas com o olhar pregado no vazio: e agora? Estou sozinho em
Berlim. Eu deveria fazer uma viagem para mim, a uma distância de mais de mil
quilômetros: não quero voltar. Uma vez eu queria ficar sozinho finalmente. Trecho extraído
da obra Todas mis Navidades
(Mladinska knjiga, 2006), da escritora e jornalista eslovena Maruša Krese
(1947- 2013).
VIDA: VARIAÇÕES - portanto
por vezes os afogados voltam à tona de água pois desejam de novo atirar-se
ainda não esgotaram o desespero ainda não esperam completamente ainda temem que
nada chegue não sabem ainda que já ninguém virá que mesmo o mergulho foi em vão
que tudo a água lava, só a vida não / depende dos dias dizem um dia mais e
outro menos e embora a dor nunca me abandone a alegria também não e embora eu
já não saiba distingui-las e embora outras coisas poucas ou nenhumas que um dia
destes descreverei ou muito certamente não / na minha bicicleta enquanto pedalo
compenetrada recito palavras que me impressionaram deveras porém ao ritmo das
minhas pernas não propriamente muito regular breves travagens bruscas
acelerações tirando as mãos do guiador para segurar o livro que invejo outro
movimento igual se impõe ao qual não sei como resista perderão gorduras
ganharão massa muscular esses insistentes poemas de modo algo peculiar
compostos instantes para durar ou pelo menos para ir rodando pelas estradas da
vida rebolando tanto é o terreno por desbravar / de modo que sim vamos reunindo
certidões certificados declarações todas bem copiadas e conformes assinadas
seladas recomendadas como se sofrêssemos de alzheimer desde crianças ou, enfim,
na eventualidade de tal acontecer de qualquer modo estávamos tramados só não o
sabíamos que a única coisa que não podíamos de todo reunir éramos nós, me, I,
and myself, together / mulher alguma é melhor do que mulher nenhuma dizia o meu
avô que morreu esquecido num guarda-fatos mulher alguma dispunha as bolas de
naftalina e foi assim que o meu avô foi primeiro lembrado pelas traças tudo
isto aconteceu há muito tempo mas a alma não esqueceu o nariz reconheceu / são
as mulheres que fazem chorar as cebolas como se descascassem a própria vida e,
arredondando-se então, descobrissem um corpo, o seu uma vida, a sua mas, no
entanto, nada que de verdade pudessem seu chamar ou talvez sim, mas só aquela
gota de água salpicando um canto do avental onde desponta uma flor de pano
colorida que ainda ontem ali não ardia / sou só uma menina magoada por amor à
tradição eu cá disso nada sei gosto de brincar com as minhas bonecas no chão de
terra batida onde as penteio eu cá disso sei quase tudo um dia, dizem,
pertencerei a um homem a quem chamarei de marido, mas nunca com ele brincarei
como quando fui feliz antes de para sempre o sexo me açaimarem de ninguém
mulher tornaram-me / há as boas para casar e há as boas para foder e depois
há-as tão boas que só vê-las que não são nem carne nem peixe talvez seres
anfíbios a dois passos de se perderem a dois passos de se encontrarem as que
nos fogem dos braços logo que as classificamos logo que as comemos / nem todos
os homens que saem de minha casa saem da minha cama nem todos aqueles que saem
da minha cama saem de dentro de mim nem todos os que saem de dentro de mim
chegaram sequer a lá entrar não, nada é tão líquido assim. Poemas
extraídos da obra Vida: variações (Cotovia,
2011), da poeta belga Bénédicte Houart.
Veja mais aqui.
A ARTE DE BERNA REALE
A arte da artista visual Berna Reale, que usa seu corpo em performances e instalações propondo reflexão sobre o momento sociopolítico contemporâneo com especial ênfase na temática da violência. Veja mais aqui.