sexta-feira, outubro 24, 2008

ANÍBAL MACHADO, BAUMAN, SARRAUTE, ARUANNE, RUBENS, SCHWARZKOPF & DIREITO

 

O SONHO DE ARUANNE – Tudo pode acontecer, o inesperado. Uma voz, a mulher estonteante: Luiz? Sim! Sou Aruanne, Aruanne Rachid Cachatte, prazer. Todo meu. Ali era ela um riso ensolarado nos lábios requerentes, o decote abissal, panaceia dos deuses, parecia mais que eu compunha naquele instante a canção Quando te vi, assim do nada, letra e música duma vez feito cachoeira que despenca rebentando tudo, ali na hora e duma vez. Puxou-me pela mão de nem dar tempo colacionar ideais, tempo, vida, nem raciocinar direito, tagarela com zis perguntas: Tenho curiosidades. Sim? Você é casado? Qual o seu signo? Gosta de qual comida? O requebro dos quadris enquanto andava, eu hipnotizado, santo magnetismo: Nossa, quanta gostosura! O saculejo das ancas sacudia a minha vida e a ponto de bala, excitado, engatilhado, alvo nela. Nem me dava conta do rodopio por gôndolas estranhas: Nossa, o que é isso? E ela: Kindle. O quê? Aparelhos de leitura, tem uma biblioteca dentro deles. Mesmo? E me puxava por corredores e labirintos, até adentrar uma biblioteca imensa, escadarias, portas, estantes, volumes. Passou a chave, abriu uma porta, entramos na escuridão num cubículo que dava para sentir seu corpo rente ao meu. Senti sua respiração achegada, seu hálito de cio. Via-lhe confinante, sentia sua aura, seu olor exalava imprecante. Olhou-me fixamente e sussurrou: Eu quero dar pra você! E me beijou abrasada, terna, profunda e demoradamente. Incendiou-me. Beijou-me as faces, cheirou-me como uma fera pronta para devorar a presa indefesa e gemeu: Cadê-lo? Sua mão alisava meu sexo teso e murmurava: Mostra! Buliçosa o alcançou puxando-o fora, ajoelhando-se mansamente para encará-lo, beijá-lo afetuosa e decididamente, abocanhá-lo com a carícia de seus lábios e língua, até pô-lo por completo quase à garganta e sair deslizando sua quentura para lambuzá-lo com seu sobejo, beijando-o, lambendo-o, chupando-o. Ah, na vertigem do prazer, perdi a noção de tudo. Lambeu-me a púbis e subiu umbigo, tórax, omoplatas, queixo, na minha boca a sua premência. Afastou-se um pouco, levantou a saia e me mostrou a molhadice na calcinha, o sexo minando. Vem! Virou-se, arqueou segurando com uma mão o trinco da porta e, com a outra, levantou o vestido e o glúteo nu, abrindo as pernas: Vem! Eu dou para você, vem logo, vai, eu quero! Nem deu tempo. Acordei febril e sequioso daquela imponência: os lábios plácidos, cravo desabrolhando sensual e escondendo a cobiça de sua boca beijoqueira com a língua ávida de sabores carnais, a promessa do paraíso de domingo a domingo. E o decote tímido expondo os seios fartos maternais qual rede a embalar sonhos e regalos, a pele trigueira e o roseiral perfumado de sua alma de paz. As suas pernas, duas torres, escadas paralelas que convergem pro infinito prazer. A minha solidão, nem deu tempo de responder nada, dizer nada, nem cantar a canção feita para ela, essa e assim: quando eu te vi assim de vez perdi o que havia em mim e no olhar fervia a lei de não predestinar o fim, enquanto o sim fosse o teu talvez, talvez sonhar, talvez sofrer, talvez a vida fosse assim, talvez. Quando eu te vi assim de vez a timidez se socorreu em mim e pela luz de tua tez pensei haver nascido enfim o mundo novo que eu sempre quis talvez sonhar, talvez sofrer, talvez a vida fosse assim, talvez. Mas, a profundeza que esse amor legou e se fez em flor, refloresceu em si. Foi muito o sonho, a dor, o riso, a tua cor ficou em mim. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


DITOS & DESDITOS - Eu considero o mundo inteiro a minha casa. A minha paixão vem dos céus e não das reflexões terrenas. Estamos exaustos e sofremos tanto que essa guerra parece sem propósito… Sou, por natureza e inclinação, um homem pacífico, o inimigo jurado de disputas, ações judiciais e brigas públicas e privadas. Todas as crianças têm espírito de criação. O desperdício de vida muitas vezes extermina o espírito através do aborrecimento e miséria da alma. O meu talento, apesar de grande, nunca excedeu o meu valor. Se eu não fosse detido aqui por idade e pela gota que me torna inútil, eu deveria ir desfrutar com meus próprios olhos e admirar a perfeição das obras dignas. Eu rezo que olhem para todas as maravilhas da sua mão… antes de fechar os olhos para sempre. Pensamento do pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640). Veja mais aqui.


Curtindo a arte da soprano alemã Elisabeth Schwarzkopf (1915-2006). Veja mais aqui.

ALGUÉM FALOU: Cada vez que nasce uma criança em teu quarteirão, um tempo novo começa a correr para alguém. Mesmo a caminho da forca, deve-se apreciar o passeio. Ou encontramos um caminho, ou abrimos um. Espantosa a rapidez com que, ante a invasão vitoriosa de novas ilusões, se dissipam os efeitos da última decepção. Não deviam voltar os acontecimentos que já aconteceram, mas voltam: com um formato especial, reduzido, próprio para circular na cabeça. Ninguém pode abrir sozinho o seu túnel pessoal para a claridade do dia, sem o risco de morrer sob os entulhos. O difícil não é aprofundar a solidão; é dela sair com a vida entre os dentes. O pior não é ficar sem dormir é permanecer todo o tempo deitado, a poucos centímetros do nível do sono. Pensamento do escritor Aníbal Machado (1894-1964). Veja mais aqui, aqui & aqui.

IDENTIDADE – [...] Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age e a determinação de se manter firme a tudo isso são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. [...]. Trecho extraído da obra Indentidade - Entrevista a Benedetto Vecchi (Zahar, 2005), do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Veja mais aqui.

A FORÇA DA PALAVRA – [...] Quando o autor trabalha e retrabalha a frase e ela se torna bela demais, perde o contato com a sensação que lhe deu origem. A frase se torna morta, responde a um cânone de beleza. É perigoso. É preciso então recomeçar tudo de novo, voltar à sensação, para que a frase viva por meio da escrita. [...]. Trecho extraído de A força da palavra (Record, 1996), da escritora russa Nathali Sarraute (1900-1999). Veja mais aqui.


INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO - O direito é um fenômeno social e, assim sendo, deve ser reflexo da sociedade e acompanhar a constante evolução desta. O direito entra em ação com seus postulados, regras de interpretação e poder coercitivo, não como mero solucionador de conflitos de interesses, tampouco o Poder Judiciário, Poder Constituído, exerce função restrita ao conhecimento, interpretação e aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, através de um juízo racional, imparcial e axiológico. É mais, o Direito tem um papel social relevante, como instrumento de desenvolvimento humano. Instrumento de controle é uma de suas finalidades, entretanto, revela-se também como fator condicionante do meio, exercendo papel educativo e transformador. Investigar a problemática da interpretação e da aplicação do Direito proporciona uma revisão dos conceitos hoje predominantes na doutrina, na jurisprudência e na Teoria do Direito, tornando primordial o estudo da Jurisdição, da Mediação e dos seus vínculos com as diversas áreas do Direito Material e Processual, com ênfase na constitucionalização. Com isso, o direito não é somente uma técnica de organização social, nem somente uma ciência normativa, mas é também axiologia, já que os valores fundamentais são a própria razão de ser do homem em sociedade. Imprescindível, destarte, que se conecte a interpretação do Direito com as práticas jurídicas. Este processo de discussão envolve, necessariamente, também, uma investigação da efetividade do sistema jurídico e da aplicabilidade das normas pelos tribunais. Quando se fala em aplicação do direito, no caso a aplicação feita pelo Estado-Juiz, surge um delicado problema, qual seja, o confronto entre uma norma geral e abstrata e um fato específico e concreto. Ao sentenciar, cabe ao juiz de direito adequar uma ou mais normas jurídicas a um ou mais fatos particulares, observando a situação de incidência, interpretando e, posteriormente, aplicando o direito. A aplicação do direito consiste, segundo Carlos Maximiliano, em "(...) enquadrar um caso concreto na norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano". Para ele, então, para se aplicar o direito é preciso examinar:  a norma em sua essência, conteúdo e alcance; passando pela análise do sistema jurídico ao qual está inserida, e também pela hermenêutica e pela interpretação; o caso concreto e suas circunstâncias; e a adaptação do preceito à hipótese em apreço. Já para Karl Engish, a aplicação do direito é a determinação in concreto daquilo que é realmente devido ou permitido, o que é feito de um modo autoritário pelos órgãos aplicadores do direito, pelo direito mesmo instituídos, isto é, "(...) através dos tribunais e das autoridades administrativas, sob a forma de decisões jurisdicionais e actos de administração". Entende Miguel Reale que "(...) o termo aplicação do direito reserva-se, entretanto, à forma de aplicação feita por força da competência de que se acha investido um órgão, ou autoridade". Desta forma, afirma, ainda, que a "(...) aplicação do direito é a imposição de uma diretriz como decorrência da competência legal. Assim, segundo ele, aplicação do direito "(...) é antes uma questão complexa na qual fatores lógicos, axiológicos e fáticos se correlacionam, segundo exigência de uma unidade dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova, e continua o jurista, donde podemos concluir que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando a norma como substrato condicionador de suas indagações teóricas e técnicas. Segundo Vicente Rao, a "(...) aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos e assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam". Assim, para este autor, o juiz deve em primeiro lugar considerar a situação de fato em sua individualidade completa, segundo o seu conteúdo de espírito e pensamento, e de conformidade com o sentido que recebe no ambiente social em que se verifica, despindo-a de qualquer definição jurídica. Quanto aos princípios gerais de direito, cuja definição oferece campo a controvérsias, Vicente Rao, na sua conhecida obra "O Direito e a Vida dos Direitos", observa que "o intérprete, a quem também incumbe realizar a restauração orgânica do direito, deve percorrer os seguintes graus progressivos de investigação, até alcançar o princípio que procura, capaz de resolver o caso concreto: o sistema jurídico da legislação de que se trate; as leis científicas do direito; e a filosofia do direito, que nos ensina os princípios fundamentaais, os mais amplos, inspiradores de todos os ramos da ciência jurídica e constitutivos da unidade do conhecimento do direito". Por sua vez, em sua obra Tratado de Direito Privado, Pontes de Miranda conceitua o tema como sendo a aplicação do direito aos fatos sobre os quais a regra jurídica incidiu, traçando um paralelo ou uma distinção entre os vocábulos aplicação e incidência. Em sua obra Comentários à Constituição de 1946, o autor chega a mencionar que a aplicação nada mais é do que a declaração de uma incidência. Mediante isso, pela própria característica de generalidade e abstração da norma jurídica, tem-se a incidência como característica marcante dela decorrente, uma vez considerada esta como a atuação da norma aos casos e fatos específicos e concretos da vida. Na diretriz dos dizeres de Pontes de Miranda, a eficácia da norma é mesmo incidir, e justamente sobre fatos específicos e concretos é que ela incide. Vale, aqui, destacar que incidência independe da vontade dos indivíduos; a estes cabe respeitá-la, e assim, aplicá-la. Assim, tem-se que a incidência começa antes da aplicação, sendo a aplicação nada mais do que a declaração de uma incidência. Então, somente depois da incidência é que se pode cogitar da aplicabilidade da lei. Assim, para compreender o Direito com precisão e direcionado à realização da justiça, deve-se perquirir o objetivo das suas prescrições, suas razões coletivas e a base social que ampara a ordem jurídica estatal. As pessoas encarregadas da missão específica de conhecer, interpretar e aplicar o Direito possuem um papel importante na permanência e desenvolvimento da sociedade, pois cabem a elas as tarefas de sentir os novos valores sociais e preservar aqueles que são essenciais à dignidade humana e coesão do grupo social. A propósito, a decisão do juiz denomina-se sentença e, com isso, o juiz como agente social que ao julgar, realiza atividade valorativa, sempre tendo como norte o critério da imparcialidade e da realidade social, integrando o direito que por natureza é estático à sociedade que é dinâmica. Essa interpretação valorativa do direito busca uma melhor aplicação e integração do jurídico no social. Assim, o direito como um sistema aberto, de controle e também de desenvolvimento social precisa ser visto como uma manifestação da sociedade, devendo ser interpretado e aplicado segundo os anseios da coletividade e com base nos valores que preservem a dignidade humana. AS TEORIAS SUBJETIVAS E OBJETIVA E A INDETERMINAÇÃO DO DIREITO - As principais teorias influenciadoras das legislações modernas são a Teoria Subjetiva de Savigny e a Teoria Objetiva de Ihering. A primeira aceita dois elementos: o corpus e o animus. Para Savigny, o corpus, ou elemento material da posse, caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de defendê-la das agressões de quem quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da pessoa sobre a coisa; o fato exterior, em oposição ao fato interior. O outro elemento, interior ou psíquico, animus, considera-o Savigny a intenção de ter a coisa como sua. Não é a convicção de ser dono – opinio seu cogitatio domini - mas a vontade de tê-la como sua – animus donimi. A concepção exige, pois, para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse, que o elemento físico (corpus) venha juntar-se a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário (affectio tenendi), mais a intenção de tê-la como dono (animus). Se faltar esta vontade interior, esta intenção de proprietário (animus domini), existirá simples detenção e não posse. A teoria se diz subjetiva em razão deste último elemento. Contrapondo-se a Savigny, temos Ihering. Analisa ele a posse nos seus elementos. Para ele, corpus é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa ou a aparência da propriedade. O elemento material da posse a conduta externa da pessoa, que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento normal de proprietário. Não há a necessidade de que exerça a pessoa o poder físico sobre a coisa, pois que nem sempre este poder é presente sem que com isto se destrua a posse. O elemento psíquico, animus, na teoria objetivista de Ihering não se situa na intenção de dono, mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário – affectio tenendi – independentemente de querer ser dono. A teoria de Ihering é chamada de objetiva por ignorar essa intenção. Partindo de que, normalmente, o proprietário é possuidor, Ihering entendeu que é possuidor quem procede com a aparência de dono, o que permite definir, como já se tem feito: posse é a visibilidade (exteriorização) do domínio. Com a dispensa da intenção, podemos, dentro da teoria objetiva de Von Ihering, caracterizar como relação possessória o esta de fato do locador em relação à coisa locada, do comodatário em relação à coisa comodada, etc. e isso não é mera abstração. Verdadeiramente dotado de efeitos práticos, permitirá a qualquer deles defender-se por via das ações possesórias ou interditos, não apenas contra os terceiros que tragam turbações, mas até mesmo contra o proprietário da coisa, que eventualmente moleste aquele que tenha a utilização dela. Assim, para Savingy, o corpus e o animi domini são elementos indispensáveis na posse, faltando o animi domini, há tão somente detenção e, assim, a vontade de ter a coisa para si, torna a detenção em posse. Nessa teoria o elemento subjetivo "ânimo" ganha ênfase em relação ao poder físico, por isso, tem ela o nome de teoria subjetiva da posse. Na teoria subjetivista o animus perde a sua importância, pois, para Ihering, a noção de animus é inerente a do corpus. O simples poder físico sobre a coisa, com intenção de permanência já é suficiente para a posse. Para Ihering, a posse é a condição do exercício da propriedade. Assim a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor. A posse se revela na maneira em que o proprietário agem em face da coisa, tendo em vista a sua finalidade econômica. Em suma, na teoria objetiva, para que a posse se constitua é necessário apenas o poder físico sobre a coisa com a intenção de manter uma permanência, não há, dessa forma, a necessidade de haver uma intenção isolada em manter a posse da coisa, pois, aqui, o animus já está incluso no corpus. Para Savigny o direito subjetivo seria sempre uma expressão da vontade, entendido este termo, a princípio de maneira empírica, como uma faculdade psicológica. O homem sabe, quer e age. Enquanto o homem quer e age, ele se situa invariavelmente no âmbito de regras de direito. O direito subjetivo, portanto, é a vontade juridicamente protegida. Esta teoria foi veementemente contestada, entre outros, por Jhering, já que o direito subjetivo existe e continua existindo a despeito da vontade do titular ou mesmo contra sua vontade. Sendo assim, na visão deste autor, a essência do direito subjetivo não é a vontade, mas sim o interesse, entendido este num sentido lato, (concreto ou abstrato); daí dizer ele que direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido. Contudo, também o posicionamento de Jhering não escapou ileso de críticas, na medida em que seus opositores consideravam extremamente vaga e imprecisa a definição de interesse, o que poderia prejudicar a segurança das relações jurídicas. Por outro lado, uma nova característica do Direito sugere uma outra interpretação apontada por Teubner. Primeiramente, a auto-referência sugere uma indeterminação por parte do Direito, como algo insuscetível de qualquer controle ou determinação externa, não sendo determinada por autoridades terrestres ou dos textos, pelo Direito Natural ou revelação divina. São as decisões anteriores que estabelecem a validade do Direito e este determina a si próprio por sua auto-referência, baseando-se em sua própria positividade. O Direito retira sua validade desta auto-referência pura, segundo a qual o Direito é o que o Direito diz ser Direito, isto é, qualquer operação jurídica reenvia ao resultado de operações jurídicas. A validade não pode ser importada do ambiente do sistema jurídico, porque  o Direito é válido, então, em razão de decisões que estabelecem sua validade, assim, a única racionalidade possível é a que consiste numa configuração interna possibilitadora de redução de complexidade do meio, o que incompatibiliza-se com as noções de “input” e “output”. Outra interpretação salienta a relação entre auto-referência e imprevisibilidade do Direito. Segundo esta interpretação, o dogma da segurança jurídica (previsibilidade da aplicação do Direito aos casos concretos) seria incompatível com a auto-referência. Conforme a própria idéia de contingência afasta a idéia de segurança jurídica e vislumbra-se a indeterminação diretamente vinculada a autonomia do Sistema do Direito. O Direito apresenta uma contínua mutação estrutural, no sentido de satisfação de sua funcionalidade específica. Existe a certeza de que haverá Direito, porém incerteza quanto ao seu conteúdo. A terceira interpretação proposta por Teubner é no sentido de salientar a circularidade essencial ao Direito. Tal perspectiva parte da constatação de que ao atingir os níveis hierarquicamente superiores há a impossibilidade de seguir, sendo remetido diretamente ao nível hierárquico mais inferior, num estranho círculo, onde geralmente, uma norma processual tenderá a decidir o conflito posto ao sistema jurídico. O Sistema do Direito é um sistema social parcial que, a fim de reduzir a complexidade apresentada por seu ambiente, através de uma comunicação específica (codificação binária: Direito/Não-Direito),atua mediante uma distinção, a qual faz emergir sempre auto-referência com o escopo de apreender situações do mundo real20 (meio envolvente) para o sistema parcial funcionalmente diferenciado que é o Direito. O Direito apresenta-se, assim, como um código comunicativo (a unidade da diferença entre Direito e Não Direito), no sentido manter sua estabilidade e autonomia - mesmo diante de uma imensa complexidade (excesso de possibilidades comunicativas) - através da aplicação de um código binário. Isto ocorre, pois a partir do circuito comunicativo geral (sistema social), novos e específicos circuitos comunicativos vão sendo gerados e desenvolvidos até o ponto de atingirem uma complexidade e perficiência tal, na sua própria organização auto-reprodutiva (através de um código binário específico), que autonomizam-se do sistema social geral, formando subsistemas sociais autopoiéticos de segundo grau/sistemas parciais. Cada Sistema Parcial passa a constituir o Sistema Social Geral mediante uma perspectiva própria. Com isto tem-se um acréscimo no potencial do sistema social para poder enfrentar e reduzir a complexidade que, paradoxalmente, devido esta especialização funcional, é aumentada. O problema surge, quando, irresistivelmente, tende-se a aplicar a distinção Direito/Não-Direito (a qual possibilita a clausura operacional) à própria distinção, o que repercutiria em conclusões do tipo: “não é Direito dizer o que é Direito/Não-Direito”. Isto causaria um bloqueio no processo de tomada de decisões. Estes bloqueios denominam-se “paradoxos da auto-referência.”, a partir de onde apresenta-se a quarta interpretação da auto-referencialidade do Direito, a qual constata que a realidade da prática do Direito é uma realidade circularmente estruturada. Esta interação auto-referencial dos elementos internos mediante articulações circulares acarretam em tautologias que bloqueiam a operação interna.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Editora UNB. Brasília, 1995.
MACHADO, João Baptista, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Livraria Almedina, Coimbra, 1989
MENDES, João de Castro, Introdução ao Estudo do Direito, Editora Danúbio, Lisboa, 1992
NADDER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1986
PEREIRA, M. S. Neves, Introdução ao Estudo do Direito e às Obrigações, Livraria Almedina, Coimbra, 1992,
SILVA, Eduardo Norte Santos, Introdução ao Estudo do Direito, PF – Editor, Sintra, 1998
SOUSA, Marcelo Rebelo de & GALVÃO, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, LEX, Lisboa, 2000,
TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. 1, Lisboa, 1990
TELLES JÚNIOR, Gofredo. O Direito Quântico. Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. Max Limonad. São Paulo.
TEUBNER, Guinter. O Direito Como Sistema Auto poiético. Lisboa: Fundação Calouste Guldbenkian, 1989. Veja mais aqui e aqui.




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