quarta-feira, junho 25, 2008

MIA COUTO, ALDA LARA, PERROT, KOSIK, MULHERES, ZIEGFELD FOLLIES, CHANDLER CHRISTY & BIRITOALDO

 
Curtindo a comédia musical Ziegfeld Follies (Folias de Ziegfeld, 1945), dirigido por Lemuek Ayers, Roy Del Ruth, Robert Lewis, Vicente Minnelli, Merril Pie, George Sidney e Charles Walters, contando a história do famoso produtor teatral estadunidense, Florenz Ziegfeld Jr. (1869-1932), com seus espetáculos da série de 24 edições do Ziegfeld Folies, reunindo musas e estrelas que despontariam no cenário artístico. O filme conta a recordação das esferas divinas do protagonista no inicio de sua carreira, trazendo o desfile de Gene Kelly, Lucille Ball, Fanny Brice, Mae Murray e Paulette Goddard, entre tantas outras.


PROEZAS DO BIRITOALDO - XX - Quando o cabra se envulta, já num t'aqui mais quem falou - A alma de Birito enchia-se de um regozijo incontido. Arfava de alegria apesar da face grave. Chica depois de satisfeita de todas as loucuras, arribara sem se despedir, sem dizer nada. Ele estirado, ainda de peia dura, se refazendo da maior festa que seu coração pudera ter àquela altura do campeonato. Um conflito interior remoía-lhe por dentro, ora, um zelotes que negava aos outros qualquer autoridade sobre a ciência de deus, que contestava até o Vaticano, agora se encontrava corrompido, maculado, mas satisfeito, num era mole de conciliar. Não sabia se chorava de dor pelo desvio da fé, ou se gargalhava louco de felicidade pelo prazer que mexia por anos na sua cobiça. O que fazer então? Nada, guardava o seu segredo para pedir clemência aos céus quando chegasse a hora do seu julgamento final. Invocaria o perdão e insistiria que a carne é fraca, principalmente nas condições em que se encontrara. Tinha certeza, não pecara. Ela foi que veio e serviu-se. Ele, para ele mesmo, nada fizera. Em suas interrogações passara dias e noites seguintes sem conciliar o sono nem a paz. Todo final de tarde, Chica chegava esbaforida espancando-o e depois se satisfazendo com seu sexo insano. Já se acostumava ao jeito brusco dela gozar. Enlouquecia com o masoquismo a que era submetido. Ela possuía o prazer de machucar antes de sentir-se esporrada pela gala abundante dele. Ela, ao que parecece, é que se sentia possuída, apesar de mostrar-se ativa na relação. Os dias se passaram, até que Chica nem mais trancava a porta daquele imundo quarto, mandando sempre as refeições pela empregada jeitosinha que deixava a comida sobre um banco e saía às carreiras, parece que com medo dele. A carreira dela deixava à mostra a calcinha no balançado da saia. Era, para ele, um espetáculo mais que apreciável. Todo dia, ele nem se mexia, mas não desgrudava de ver-lhe as intimidades na carreira, as coxinhas bem-feitinhas, a bundinha redondinha e o estufado da bucetinha saliente. Era, era gostozinha e ele enleiava meio mundo de foda na cabeça. A danada além da comida já trazia uma bebida. Ele tomava no gargalo. Todo dia, café da manhã, almoço ou janta, sempre viria uma garrafa de aguardente, ou de rum, ou de gin, ou de licor, ou de vermute, ou de uísque barato. Na situação em que se encontrava, Birito beberia sem fazer careta até creolina, ou pesticida, ou água sanitária, ou a boba torreiro! O cabra já estava ficando viciado de novo nos goles. Um atrás do outro, os olhos vermelhos, o corpo ardendo, já tomando iniciativa de agarrar Chica todo final de tarde, a pulso, aperreado, estuprando-a a seu modo. Era o virado do barco, ele agora que mal percebia a presença dela, já partir para o embate, pegando-a desarmada, arrancando suas vestes e empurrando até o talo naquela cheba gostosa. Era muito ciscado, gente, vexame dos diabos, barulhento e mal resolvido. Dopado nesse movimento todo, ele se esquecia de deus, da fé, dos infortúnios, da vida. Só conseguia mirar o presente, a hora agá, nada mais. Danou-se!! Um dia, Chica não veio. Esperou, esperou. Que teria havido? Já chegava a hora da janta, escondeu-se atrás da porta. A matutinha veio-lhe com a comida, procurando por ele no recinto. Pensou que ele fugira. O canto mais limpo. Mesmo assim, ela resolveu deixar os pratos no tamburete, acaso ele retornasse. Havia um ar de certa tristeza nela por não vê-lo ali. Resolveu retornar aos seus afazeres, tentando se dislagar da lembrança do sujeito. Quando desarmada já da procura e saindo desengonçada, ele surge de repente do inopinado, travando-lhe o corpo com seus braços sujos e seduzindo-lhe até a alma. Enfiou-lhe até o fundo de todas as lembranças dela, fungando forte e desajeitado. A menina não havia como desvencilhar-se daquela loucura dele, deixando-se levar até o fim, enquanto ele copulava sôfrego remexendo com suas intimidades. Depois dessa foda agoniada, quando já esmorecia com o gozo, assustou-se com Chica batendo-lhe nas costas. Um flagra da porra! Ficou branco dos olhos quase pularem fora. - Saia, desgraçado. Sua mulher lhe espera lá fora, desapareça! Todo sem jeito, ele foi se ajeitando e pegando as garrafas que restavam, ao que parece mais de uma dúzia intactas e foi saindo de mansinho. Uma delas espatifou-se no chão, ele ajoelhou-se e ficou lambendo o piso encimentado. Não poderia desperdiçar aquele elixir. Era o seu motivo de viver. Quando divisou a porta da saída, viu-lhe Munga desgrenhada aos prantos. Seguiu até a saída, quando ela lavada em lágrimas dizia querer-lhe levar para casa. Deixou-se levar. Caminharam um bom bocado e chegaram até o local onde seria a sua residência. Acomodou-se no primeiro recanto e lá ficou, bebendo e bebendo o tempo todo. Munga oferecia comida, ele não queria. Queria nada dela. Ela era só choro. Ali onde estava, ficou e dormiu. No mesmo local, passou uns três dias, até que deu por falta dela e arribou pela porta da saída. Saiu agarrado numa garrafa e encontrando Pedim do Padre. Saudaram-se, abraçaram-se e encheram o tampo até não poderem nem ficar de pé. Encontraram Zé Infeliz e largaram pilhéria. A roda foi aumentando com mais garrafas e talagadas, era Quibe Azedo que cafungava, Porta-Velha que resmungava, Beiço de bunda que chalerava, Picolé de Asfalto que desmunhecava, tudo uma gréia só. Cagaião contava as novidades, arremedado por Zé Borná que chuleava conversa fora. Gineteiro num se mantinha em pé, arrotando brabeza. Bicho-ruim-de-tanger escorava a carraspana com tanajura enquanto mangava de Zé Corninho. Bico de Bule tirava dedada no Rolha-de-poço que se peidava todo e provocava Zito Quejeirinho a fazer o teste da goma. - Eu já passei nisso, minino! - evasivas do Zito. - Duvido tuas pregas ainda está no bocá da quartinha! -, incitava Bico de Bule. - Sai pra lá, tabaréu! E tome lapada dobrada noite adentro, madrugada afora, atravessando o dia, arrodiando a tarde, se esgueirando na noite até cairem bebados sem dizer coisa com coisa. Eis que Birito teve uma iluminação repentina daquelas de ficar hipnotizado com o tempo e a idéia, e alucinado, deu-lhe uma saudade do filho, da mulher, da mãe, dos pais, não sabia nem onde estava ele próprio quanto mais saber para onde poderia ir. Qualquer rua daria em qualquer lugar. Saiu conversando com postes, relando-se no meio-fio, dando volta em si mesmo, tropeçando nas idéias, até que quando encontrou uma casa que poderia ser a sua, adentrou e armou o maior quiprocó. Foi doideira de nunca se ver disparate igual. - Que randezvuz é esse aí, ó meu? Perguntara ao primeiro que encontrara mas sequer poderia assimilar a resposta repetida muitas vezes mas que não batia certa no seu quengo. O álcool comera-lhe as ouças. E se ouvia, não conseguia discernir o sentido da afirmação, ou negação, ou interrogação, puta-merda! Quanto mais abria as ouças as palavras soavam inintelingíveis como que apagadas antes de chegar ao destino. Ficou o tempo sem saber o que se procedia. Será que era aniversário dele e não sabia e as pessoas todas estavam comemorando para lhe dar uma salva de palmas por haver atravessado a vida cumprindo sua missão? Pega! pega! Alvoroço só: brigou, xingou, prejudicou seu currículo, depôs contra si próprio um apaideguado sem mãe nem filho, sem merda nenhuma. Bebeu de ficar gambá. Pintou a peste, maior macacada. Insolente, enfiava o dedo no umbigo dos outros, tirava dedada em quem passasse, puxava o sutiã das mulheres, cuspia nos pés dos outros, mijava em quem se aproximasse, arrotava na cara de quem ficasse ao seu alcance, peidava para os que achasse desengraçados. Ora, o que desse na telha, mandava ver. Mais folgado ainda queria fazer escambo com o que não lhe pertencia: trocar um cágado de fulano pela feiúra da mulher de sicrano mulher, meter o bedelho onde não era chamado, dá pitaco sem tino, indicar roda no quadrado, deitar-se na munganga sem ao menos saber porque, azoar os outros na maior sem-graceza, empulhar-se em lágrimas na hora que sorria desbragadamente, futucar idéia de defunto e enterrar mouco da silva qualquer conversação. Zoou a porra! - Tem que fazer um andor de ferro! Ora, aquele num sei que diga. Dizia sem saber o que estava dizendo. As palavras desconjuntavam-se, as idéias perdiam-se e se desencontravam de novos pensamentos que surgiam de relance e logo desapareciam deixando-o de cabeça oca. - Deixe de ser fingida, rapariga! Xingava sem motivos, ria da desgraça, chorava sem a menor razão, parece que endoidara mesmo. Pois bem, desse fato só se dera conta quando, pesaroso, no meio de cólicas e fedentina excretadas do bucho pela tripa gaiteira no amarobocão, trancado no banheiro e ouvindo as mais gasguitas ofensas de Munga pela desfeita com o vizinho. Sequer imaginava o que haveria de ter feito ao cabo de cinco dias completamente endiabrado. Sequer se lembrava meses atrás do que fizera. Muito menos sabia o que se dera consigo no meio desse lapso de tempo que não lembrava nada. Quando por si, estava no cagadouro postado como se num trono majestoso. A bunda doía pelo período que passara ali aboletado. A mulher reclamava dos dias seguidos ali incomunicável trazido à força da casa do vizinho onde aprontara a maior de todas as suas loucuras. - O vizinho? -, perguntava ele desconfiado! - Claro, seu zé-mané! O vizinho! Pense na vergonha que passei em toda a minha vida? - Que vizinho? - Agora deu. Olhe, saia já daí, faz quatro dias que você está aí trancado, pensei que já tinha morrido! - Eu? - Não, meu umbigo, ocrídio! - Onde é que eu tô? - Na sua casa, abestalhado. - Que casa? - Pronto, o abufelado não sabe nem onde é que estar? - Quem é você? - Abra a porta e olha na minha cara, seu porra! - Que porta? - A desse banheiro que você tá deixando imundo, seu tolo! - Que tolo? - Arre, égua! É de perder a paciência mesmo. - Ôxe! - Oxente, digo eu, desgramado! Biritoaldo não conseguia mover-se, muito menos levantar-se. Olhou pros lados e certificou-se que já conhecera aquele lugar. Já estivera alguma vez na vida ali, tinha certeza, mas não conseguia se lembrar de nada... © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui


Nude do artista estadunidense Howard Chandler Christy (1872-1952)

PENSAMENTO DO DIA – [...] O relato histórico é olhar, escritura, artefato, não artifício, certamente, mas escolha intimamente ligada ao presente do escritor. O esquecimento de que as mulheres tem sido objeto não é uma simples perda de memória acidental e contingente, mas o resultado de uma exclusão consecutiva à própria definição de História, gesto público dos poderes, dos eventos e das guerras. [...]. Trecho extraído de História da sexuação, de Michelle Perrot, extraída da obra Dicionário crítico do feminismo (EdUnesp, 2009), organizado por H. Hirata, F. Laborie, H Le Doaré e D. Senotier. Veja mais aqui, aqui e aqui.

DIÁLETICA DO CONCRETO – [...] O impulso espontâneo de práxis e do pensamento para isolar os fenômenos, para cindir a realidade no que é essencial e no que é secundário, vem sempre acompanhado de uma igualmente espontânea percepção do todo, na qual e da qual são isolados alguns aspectos, embora para a consciência ingênua essa percepção seja muito menos evidente e muitas vezes mais imatura [...] A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes.  [...]. Trecho extraído da obra Dialética do concreto (Paz e Terra, 1986), do filósofo marxista tcheco Karel Kosik (1926-2003). Veja mais aqui.

ESTÓRIAS ABENSONHADAS – [...] Em todo este tempo, a terra guardou, inteiras, as suas vozes. Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram lunares. [...]. Trecho extraído da obra Estórias abensonhadas (Caminho, 1994), do premiado escritor e biólogo moçambicano Mia Couto. Veja mais aqui.

AS BELAS MENINAS PARDASAs belas meninas pardas / são belas como as demais. / Iguais por serem meninas, / pardas por serem iguais. / Olham com olhos no chão. / Falam com falas macias. / Não são alegres nem tristes. / São apenas como são / todos dos dias. / E as belas meninas pardas, /estudam muito, muitos anos. / Só estudam muito. Mais nada. / Que o resto, trás desenganos / Sabem muito escolarmente. / Sabem pouco humanamente. / Nos passeios de domingo, / andam sempre bem trabalhadas. / Direitinhas. Aprumdas. / Não conhecem o sabor que tem uma gargalhada / (Parece mal rir na rua!...) / E nunca viram a lua, / debruçada sobre o rio, / às duas da madrugada. / Sabem muito escolarmente. / Sabem pouco humanamente. / E desejam, sobretudo, um casamento decente... / O mais, são histórias perdidas... / Pois que importam outras vidas?... / outras raças?... , outros mundo?... / que importam outras meninas, / felizes, ou desgraçadas?!... / As belas meninas pardas, / dão boas mães de família, / e merecem ser estimadas... Poema da poeta angolana Alda Lara (1930-1962). Veja mais aqui.


Estrelas do Ziegfeld Follies.




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