domingo, julho 03, 2022

ANNE-MARIE DE BACKER, EUGENIO MONTEJO, JASON STANLEY & ROALD DAHL

 

 

TRÍPTICO DQP: A certidão da sobrevivência... Ao som do concerto Delicate Sound of Thunder - Live in New York (1988), da banda britânica Pink Floyd. - Sobrevivo ao negrume da chuvarada torrencial, impossível quase é se poupar do afogamento. Alguma esperança insiste amanhecer lá longe, quase nada. E isso para quem não sabe da Política do amigo e do inimigo do filósofo estadunidense Jason Stanley: A peculiar antipatia do fascismo pela verdade não é um recurso adicional da ideologia... a centralidade da distinção amigo/inimigo implica que a única forma possível de disputa política é a guerra. Numa disputa amigo/ inimigo não há concessão, nem acordo, nem valores comuns. A verdade é a primeira vítima de uma ideologia que coloca em seu centro a guerra entre amigo e inimigo. Este o cenário hostil à recepção, imprópria desavença para quem não leu Número zero de Umberto Eco: Não há sucesso maior que o encontro agradável entre dois fracassos. A questão é que os jornais não são feitos para divulgar, mas para encobrir as notícias. Vivemos na mentira e, se você sabe que lhes estão mentindo, precisa viver desconfiado... A vida é suportável, basta contentar-se. Ah, como sou descontente, cada vez mais ouço bem mais altos os acordes com os sussurros da bela no The Great Gig In The Sky - epílogo da parte 1 do The Dark Side of the Moon de Pink Floyd. Queria ruas hospitaleiras como o riso da criança que brinca no meu peito. Contudo, o solfejo dela é maior no diário de sobrevivente, só sendo, arrepio da pele.

 


Pelos vales... - A arte do artista visual japonês Katsumi Komagata: tudo na vida é frágil – inclusive as relações humanas. - Sou um edifício quão estranha tarde mormaçada de arco-íris do outro lado na margem amena, longe dos rebocos da clausura e pronta gaiola escancarada. Desse no meio da solidão seria outro dia e estou naquela do poeta Alberto da Cunha Melo: O mundo anda tão falto de assuntos, todo dia é a mesma coisa: violência urbana, milhares de mortos, milhões de assaltos e as guerras de sempre, essa rotina que dá tédio. E muita indignação. Porque sou de nada e tenho em mim aquilo que disse o escritor britânico Roald Dahl (1916-1990): Escrever é percorrer vales e montanhas... E o meu país tornou-se um interdito nas encruzilhadas, a ponto de quase nem se saber o que há depois, o que sobrará e o que travou na garganta. Há quem espere Um teto todo seu de Virgínia Woolf: Pois as mulheres permaneceram dentro de casa por milhões de anos, então a essa altura até as paredes estão impregnadas com sua força criativa. Está nelas a última esperança, já que nublaram os semblantes, as pálpebras cobriram os olhos equivocados, não me veem e talvez não vejam nada além do umbigo.

 


Nela o trâmite... - A arte da fotógrafa, socióloga e artista visual russa Valeri Haravets. - Desse no meio da solidão seria outro dia. O que houve e não sei quão tardia a minha impressão na assimetria das horas. Quem disse que era ou deixou de ser. A sorte é ter ela surgido com a Melodia da poeta francesa Anne-Marie de Backer (1908-1987): Toda a felicidade que seu rosto havia dado para mim / Eu a cantei, eu a chorei, como um mártir. / Nosso futuro não passa de um parque deserto, / Mas a sombra é azul e, dentro da noite, flores respiram. / Há dias e estações em que é preciso sonhar. / Tu, que vais embora deslizando nas torrenciais cabeleiras das águas, sobreviverás? / Pássaros negros giram ao redor de teu castelo / E a Sereia fechou os olhos sobre tuas margens arenosas. / Há dias e estações em que é preciso viver. / Alguém me atou e eu segui as fendas desenhadas no mar. / Tu, que vais embora, pálido e cativo, sobreviverás / Quando o vento te agarrar em seus turbilhões?/ Toda a felicidade que teu rosto havia dado para mim / Eu a expiei como uma culpa sem perdão / Há dias e estações que nos conduzem / Em direção a nossos remorsos, a nossos jardins abandonados... A salvação é que ela chega do inopinado, sempre cheia de luz, fogos de artifícios nas minhas veias, trovões no meu coração. E se ela vai e volta é porque nossos caminhos se confundem paralelas e convergem aleatórias perpendiculares. Parece oblíqua às vezes, mesmo com sua contumaz transparência, seu olhar indômito, sua boca de véspera, e eu mais que assíduo no seu jeito entreaberto. Há quem foi e quase não voltou e nem é tão triste a solidão, solitude. Dela fica o melhor. Restam aqueles versos dum poema do Adeus, do poeta venezuelano Eugenio Montejo (1938-2008): Prossigo entre as pedras dos velhos subúrbios / por um trago, por um pouco de jazz, / contemplando os deuses que dormem dissolvidos / na serradura dos bares, / enquanto decifro seus nomes a cada passo / e sigo meu caminho. Mais que um dia, outra não seria a data diferente talvez com os ademanes de asnos que insistem emporcalhar tudo com seu reino de morte. O meu lucro é não ter nada para gastar no mundo. Até mais ver.

 


O ser humano é aquilo que a educação faz dele. É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade.

Pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804). Veja mais Educação & Livroterapia aqui e aqui.