segunda-feira, janeiro 28, 2019

NISE DA SILVEIRA, VITOR ARAÚJO, OUROPEL DE ALAGOINHANDUBA, GOMES & THAMY PACHECO


CORRIDA DO OUROPEL RADIOATIVO – Bastou Dalcidita aparecer com um anel brilhante e luminoso para começar uma verdadeira escavação por todos os quintais e terrenos de Alagoinhanduba. Foi assim: Cledinaldo havia sonhado com um anjo que lhe dizia haver uma botija enterrada no oitão da casa dele, com muitos tesouros. Acordou disposto, armou-se de enxada e danou-se a cavoucar por todo terreiro, esburacando tudo, até se deparar com um objeto cilíndrico luminoso: Que droga é nove? Ficou meio lá e meio cá. Chamou Gerdinildo que ficou intrigado: Sei lá que peste é isso! Logo apareceu Nardivânio curioso e metendo o bico na conversa: É algo de outro mundo, pode crer! Clemidilton mais abelhudo logo retrucou: Nada, isso é coisa do Coiso-ruim, sai-te, cruz-credo. Aí apareceu gente como a praga. No meio deles, Jandolito mais prudente, achou que fosse um balão de oxigênio banhado a ouro. E veio pitaco de toda ordem: Isso explode? Quem sabe! Ah, certo ou errado, danaram a marreta que a coisa ia se esfarelando de formar um punhado de pedrinhas cintilantes: Ah, meu, isso são pedras preciosas, estás rico, cara! Foi, rapaz, o anjo me disse no sonho que eu enricaria mesmo! Então, taí, estás podre de rico. E foi pro joalheiro que teve um choque ao ver coisa tão maravilhosa e, pronto para aplicar um golpe nos bugres que avolumaram o recinto, por via das dúvidas, achou de submeter ao seu científico conhecimento profundo gabaritado por décadas no trato com espécies valiosas: Isso é ouropel. Que porra é isso? Ouro que não vale nada. É mesmo? Pode deixar aqui que vou jogar no lixo. Ah, vou fazer um anel de casamento pra Dacildita e o resto pode jogar fora. Como Gerdinaldo desconfiava das dissimulações do esperto diamantista, embolsou logo um bocado e saiu de fininho. A turma caiu em cima e cada um pegou o punhado que podia. No meio do disse me disse, a descoberta encheu o boato no mesmo dia, a notícia se espalhou e já de tarde começava uma corrida do ouro, o povo todo perfurava terrenos e ruas, cursos d’água, pés de morro, chão que fosse, matagal ou barro batido, atrás de riquezas enterradas. A garimpagem virou a localidade de pernas para o ar. Que foi que deu nesse povo? Ah, um cara lá achou uma botija e estão dizendo que tem um monte delas enterradas por aqui. Oxe, é mesmo? Ah, se é! Então, vamos lá que ninguém é besta! E tome picaretadas e enxadadas pra cima e pra baixo. O sonho de prosperidade era a tônica, de chega todos atravessarem a noite pela madrugada. Nem deram conta de manhã que Dalcidita não acordou com o dedo todo roxo. Gerdinaldo também, com a coxa destruída carne e ossos expostos e a perna solta do lado. Cledinaldo apareceu com uma língua de fora toda preta e mãos e olhos como se torrados de carvão. Logo souberam daquele que corria doido feito lâmpada fluorescente piscando, outro que jurou ir pro céu na maior combustão. Teve até um que desenvultou de virar uma barra de ouro maciço. Será? Esses eventos estranhos foram espoucando aqui e acolá, transformando o povinho bom de Alagoinhanduba nas mais inusitadas situações. Bastante invocado o Cledimilton insistia: Num disse que era coisa do traste-ruim! Vá ver. E nem ele próprio foi poupado pela avareza: no charco atrás da casa dele apareceu aquilo que seria, para ele, a salvação da sua miséria e danou o martelo pra cima. Como toda população foi envolvida na corrida ao ouro, não deu outra. Contam que de longe ouviram uma explosão que mais parecia um cogumelo atômico incendiando o céu e, dessa vez, de verdade, Alagoinhanduba foi varrida não só do mapa como do mundo, tornando-se lenda de cidade desaparecida. Do local, hoje, vê-se uma imensa cratera que não dá nem mosquito voando. Era uma vez um lugar. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS
Certamente há muitas maneiras de ver as coisas. Existem aqueles que têm olhos para o mundo exterior e esperam do desenho ou da pintura cópias mais ou menos aproximadas de seres e de coisas da natureza externa. Outros, como Kandinsky, aceitam a existência de uma realidade interna, mesmo mais ampla que a natureza externa, realidade que unicamente pode ser apreendida e comunicada por meio da linguagem visual [...] Se muitos permanecem ainda aferrolhados na ordem racional, outros abrem largas janelas para a ordem do imaginário, sem por isso desprezarem a razão. Aceitam a complexidade da pa psique e seus múltiplos poderes [...]
Trechos extraídos da obra O mundo das imagens (Ática, 1992), médica psiquiatra e psicoterapeuta alagoana Nise da Silveira (1905-1999). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

A MÚSICA DE VITOR ARAUJO
Hoje e toda semana na Rádio Tataritaritatá a música do pianista e compositor Vitor Araújo. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.

A ARTE DE GOMES – THAMY PACHECO
Eis que por um acaso, nem mesmo um aceno da palavra. Muito menos das cores. Nunca fui avisada que um dia reinaria o silêncio. O meu. E o das coisas. Os objetos ficaram mudos. Vejo meus olhos beirar os trinta. E o fulgor que existia em mim abrandar de modo confinado. Desesperado. E a jovem que poderia ter tudo. Tornou-se apenas ela mesma. Uma ilusão a menos. Somos todos apenas mais um. Um dia já encarei os pés enquanto andava. Vivendo a incrível história, que era a minha vida. E isso me bastava. Achava meu pensamento importante. Assim como minhas memórias. Mesmo nos dias de pouco. Ou quase nada. Eu me tinha. E isso me bastava. Tornei-me aquilo que não tinha. Destruir para pertencer. Caber nos dias de trabalhar para poder ter. E quanto mais somam os anos, menos te dão o tempo. Vivemos em um mundo que é preciso pagar pela dignidade. Alguns chamam de maturidade. Outros nem sequer chegaram a pensar nisso. Tenho para mim que se tivesse um nome, chamaria miserabilidade. Sei bem que encerrarei essas palavras. Aquelas que não tinha. Por sorte talvez me venha um sopro e eu me permita viver por alguns dias. Mas sei, como antes, que arrancarei minha alma com as mãos para conseguir viver nesse mundo. E tudo será cinza de novo. Eu. E as coisas.
Poema & arte de Gomes, pseudônimo da escritora e artista plástica graduada em Engenharia Mecânica e mestranda em Tecnologias Energéticas e Nucleares, Thamy Pacheco.
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