quarta-feira, janeiro 16, 2019

GUATTARI, MAYARA MAGRI, GILBERTO MENDONÇA TELES & CAMÕES CAMONGE


AS PRESEPADAS DE CAMÕES CAMONGE – Muitas me contaram desde menino das presepadas de Camões e Camonge que, no frigir, era um só. Lembro-me bem de algumas delas, outras nem tanto. Só sei que ria demais, quantas lorotas versejadas ou amiudadas jocosamente sobre mulheres perdidas e taradas, viúvas reboculosas e prinspas afogueadas; muitas pinoias sobre princesos destronados, cavalo-mago, pederastia, fodelança, vivacidade, acerto de contas, quiprocós e lá vai teibei, tudo levado no tom do risível para entretenimento das patotas mais libertinas. Aquela mesmo dele entrar num desafio com um sábio que expôs uma maçã e ele, em resposta, um pão. Depois um dedo, ele dois; três dedos e ele a mão fechada como enfiando, remexendo e, por fim, dando uma banana. O sábio reconheceu ser ele a maior sabedoria já encontrada. E não era, né? Quem sabe dessa vai achar arretada a anedota. Também a que ele aprontou com o padre: precisando de dinheiro, achou ele de cagar na frente da catedral da matriz. Excretando aquele tolotaço, colocou o chapéu por cima, escondendo o crime. Lá vinha o padre: Meu filho, aquele chapéu num é seu? É sim, senhor. Oxe, por que não o põe nesse sol quente? É que peguei um passarinho e quero achar uma gaiola. Um passarinho? Sim, uma sabiá que além de cantora é compositora, das boas. Ah, quer vender? Vendo. Pago 100. Se me der 200 tá fechado. Então vá pegar a gaiola na casa do sacristão. Só se o senhor me pagar logo e emprestar o cavalo para eu ir buscar lá. Então, tá. E lá foi ele atrás do sacristão. E demorou, nem voltou mais. O padre perdeu a paciência e quanto foi pegar o passarinho, melou as mãos na maior fedentina. Amaldiçoado! Fidapeste! Uma senhora ia passando: Padre, chamando nome feio? Ora, ora. Ah e as apostas dele com o rei, venceu todas. Findou numa trama de ser aprisionado num saco e levado por caboetas para ser jogado num poço fundo. No meio do caminho, pararam para descansar. Aproveitando-se disso, ele começou a gritar que não queria casar com a filha do rei. Um boiadeiro ia passando e ouviu aquilo: Como é que é, hem? Tô nesse saco porque não quero casar com a prinspa! Oxe, eu quero. E libertou Camões Camonge e ficou no lugar dele: Eu quero casar com a filha do rei! Eu quero! A trupe dos capangas quando viu aquilo, sacudiu-lo no poço e era uma vez. Por sua vez, Camões Camonge saiu com uma boiada bonita e foi mostrar ao rei: Como pode você estar aqui? Ah, Deus ajuda a quem só faz o bem. Como assim? Fui jogado num poço dentro de um saco e cada vez que eu dava uma timbungada pegava um boi e sou dono, agora, dessa boiada. Ah, eu quero, vá me bote num saco e me jogue nesse poço. Ora, o senhor já é rico, tem tudo! Quero mais, vá! Olhe lá, seu rei. Vá, tô mandando. Tudo bem. O rei mandou a cabroeira carregá-lo até o poço que jogaram o suposto Camões e, como líquido e certo, era uma vez um rei. E Camonge casou com a rainha. Aí veio a festa no céu. Seguinte: São Pedro estava recebendo muitas reclamações dos animais. Ele foi ter com o Todo-Poderoso que disse que ele resolvesse com os animais, que não mudaria nada da sua criação. São Pedro então resolveu convidar todos os animais, excetuando os macacos que são trelosos demais e os cachorros que na horagá do metiê fica enganchado na cadela. Aí Deus, justo como sempre, disse: Ou faz uma festa para todos ou para nenhum. Atrapalhou os planos de São Pedro. Aí lá vinha Camões Camonge recebendo reclamação dos cachorros e macacos, então sabendo da armação do santo: Ah, isso não pode. Vamos lá. E foi interceder em favor deles. Subiu pro céu e lá foi logo dizendo: Queéqueéisso, SumPedo? Ah, não se preocupe, eles já podem entrar, Deus liberou. Os cachorros mais que afoitos logo tentaram entrar, mas foram barrados! São Pedro advertiu: Só se deixarem o fiofó pendurado na entrada para não atrapalhar a festa. Aí cada cachorro foi, pendeurou o oiti-goroba lá no cabide certo e danou-se lá pra dentro, deixando Camões Camonge do lado de fora: Bando duns fi duma chola perdida. Aí, armando das suas, reuniu os macacos e cochichou: Quando vocês entrarem, troquem os frosquetes dos cachorros, uns dos outros; eles vão ver. Assim fizeram: trocaram os furicos dos cachorros e saíram aprontando das suas no meio da festa. Três dias depois, os cachorros saíram com o toba trocado, um cheirando o cu do outro para conferir até hoje. Camões Camonge só na risada! Ah, depois conto mais, tá? Vamos aprumar a conversa, fui! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS
[...] Estamos diante de uma escolha ética crucial: ou se objetiva, se reifica, se “cientifica” à subjetividade ou, ao contrário, tenta-se apreendê-la em sua dimensão de criatividade processual. [...] A análise não é mais interpretação transferencial de sintomas em função de um conteúdo latente preexistente, mas invenção de novos focos catalíticos suscetíveis de fazer bifurcar a existência. Uma singularidade, uma ruptura de sentido, um corte, uma fragmentação, a separação de um conteúdo semiótico – por exemplo, à moda dadaista ou surrealista – podem originar focos imitantes de subjetivação. [...] Cabe à função poética recompor universos de subjetivação artificialmente rarefeitos e re-singularizados. [...] O capital esmaga sob sua bota todos os outros modos de valorização. O significante faz calar as virtualidades infinitas das línguas menores e das expressões parciais. O ser é como um aprisionamento que nos torna cegos e insensíveis à riqueza e à multivalência dos universos de valor que, entretanto, proliferam sob nossos olhos. [...] a máquina fala com a máquina antes de falar com o homem e os domínios ontológicos que ela revela e secreta são, em caso, singulares e precários. [...].
Trechos extraídos da obra Caosmose: um novo paradigma estético (34, 1992), do filósofo, psicanalista e militante revolucionário francês Félix Guattari (1930-1992). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

A ARTE DA BAILARINA MAYARA MAGRI
A premiadíssima jovem bailarina brasileira Mayara Magri é a primeira solista do The Royal Ballet. Nascida na comunidade carente de Maracaí, num morro do Rio de Janeiro, conseguiu iniciar seus estudos artísticos por meio do projeto social “Dançar a Vida”, que beneficia crianças e adolescentes moradores das comunidades carentes da Tijuca, no Rio de Janeiro, com dança e arte. Daí ela ganhou uma bolsa de estudos aos oito anos de idade, seguindo para a P'tetite Danse School, no seu estado. Depois ganhou o Senior Age Division do Youth America Grand Prix e o Prix de Lausanne Scholarship and Audience Prize em 2011. Em seguida foi para a The Royal Ballet School e se formou na Companhia em 2012. Ela foi promovida a First Artist em 2015, a Soloist em 2016 e a First Soloist em 2018. Hoje ela conta com 25 anos de idade e segue conquistando o mundo com a sua arte. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

O MITO CAMONIANO DE GILBERTO MENDONÇA TELES
[...] A existência no folclore brasileiro de entidades de natureza pícara, como a de Pedro Malasarte, do "Menino Sabido", da raposa, do coelho, do jabuti (que vence pela astúcia), misturada com as personagens de natureza mítica, como o Saci, o Caipora, o Romãozinho e tantas outras, concorrem para a criação de uma figura móvel e generalizada que age como anti-herói, juntando astúcia e malandragem, inteligência e sensualidade e dando esse notável sincretismo mítico-lingüístico do Nordeste - o Camonge, mistura dos significantes e dos significados concernentes a Camões e a Bocage. Daí, se não um "ciclo", pelo menos uma "corrente" camoniana na literatura oral e de cordel do Nordeste brasileiro, onde se criam, talvez por compensações biográficas, alguns parentes (irmão, filho) de Camões. Vejamos então como através desses aspectos o nome e a obra de Camões se foram "da lei da morte libertando" e se tornando cada vez mais popular, embora, como o confessava Mário de Andrade, a obra mesmo nem sempre tenha sido convenientemente lida e estudada. [...] E se há realmente um episódio a que ele está preso, só pode ser o do Camões cuja vida foi cheia de contrastes: de gentil-homem e trinca-forte, de herói e mendigo, de soldado e náufrago. Esses elementos biográficos juntaram-se aos elementos antitéticos da epopéia (sobretudo os da luta de mouros e cristãos) e ganharam repercussão na alma coletiva [...] De qualquer forma, o termo é o mesmo - um Camonge cujo significante e significado provém da mistura mitológica de Camões e Bocage, os escritores portugueses que mais atuaram na cultura popular do Brasil. [...]
Trechos de O mito camoniano: a influência de Camões na cultura brasileira (Revista de Letras, 1980/81), do poeta, advogado e professor universitário de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, Gilberto Mendonça Telles. Veja mais Lendas aqui e aqui. E mais do autor aquiaqui, aqui, aqui e aqui.
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