quinta-feira, dezembro 20, 2018

VINTILA HORIA, SIVUCA, ADRIANA CARMINATI, RICARDO CORDEL & SONHAÇÃO DE SONHEIRO


SONHAÇÃO DE SONHEIRO - Imagem: arte da artista Adriana Carminati. - Sonho muito, até demais; de olhos abertos ou quase, sempre. Entre os mais aprazíveis e inusitados como sempre, o que eu caminhava à beira de um lago num papo firme com a sensualmente vestida e risonha Juliette Binoche, ou o com flerte mútuo da lindíssima Maria de Medeiros solíticta, de quase namorá-la na hora de tão adiantado e ela encantadora com aqueles olhos ternos; ou os do assedio de umas tantas mulheres dançantes e vistosas, nunca antes vistas e sempre com seus colares no decote a me levar por corredores infindáveis de seus suntuosos aposentos aos gineceus de lençóis e cortinas róseas esvoaçantes nos castelos distantes das gárgulas e górgonas pela sacada e onirismos luxuriosos, tal e qual o da levitante papisa que surgia lúbrica com sua tiara e seda transparente, trazendo na mão direita o Zohar entreaberto para me instruir das sefiras e sibilas, enquanto expunha provocantemente com a esquerda duas chaves e escolhesse qual delas levava ao seu íntimo aposento labiríntico; afora muitos e tantos sonhos amanheceram radiantes na minha efêmera felicidade, enquanto outros mais invulgares me davam de ombros a soltar lorotas com Einstein, ou levando um papo sério com personalidades da minha predileção e, no meio disso tudo, me certificava que eu estava nu da cintura pra baixo, no maior vexame de tão atônito, ou mesmo fugindo de fantasmas entre pântanos insuplantáveis e por umbrais charcosos, acorrentado qual Prometeu e depois despencando num abismo, voando pelo céu em um aerólito para o caos, enquanto as estrelas caíam do céu e a coruja rasgava mortalha para acordar a salamandra que me viagava com suas serpentes e eu temia morrer afogado com um dilúvio ao derredor e a cama fosse um barco sem âncora e à deriva e eu tivesse que me perder por insondáveis noites escuras intermináveis e, ao despertar dentro do pesadelo, dar de cara com anciões a me oferecerem o caduceu, guardiões do segredo do Graal e do cetro pro apocalipse ao som de cítaras, e me levarem a descer aos infernos com os demônios ctônicos e por arquiteturas assombrosas com símbolos axiais, cabiros, bestas escondidas urrando, caveiras entre bobos e bodes, atravessando desertos, regiões hiperbóreas e geografias visionárias, por dolmens, menires, enigmas, florestas ínvias, intermundo, labirintos e bater no centro da Terra e saber que era ali que tudo acontecia e fazer o caminho de volta de quase nunca chegar, findando no topo da montanha depois de cruzar com suicidas que surgiam a vau externando seus talismãs e amuletos no caminho e lá me deparar com uma bigorna para o meu sacrifício diante da coluna de fogo, candelabros em cavernas que emergiam com réguas e compassos, esfinges, chaves sem portas, portas sem chaves, ferrolhos irremovíveis, espelhos, naipes, obeliscos, ouroboros, escadas em espirais, ideogramas, mandalas, uma chama perene e a Flor de Lótus, o fogo fátuo, a fonte, quantas alegorias e eu sem saber o que fazer, era tudo desconexo e eu perdido de tudo, quem me dera sair dali sabendo tudo, até sonhar que sonhava e morria. Era sonho, um sonho dentro de um sonho, e eu estava morto. Eu me vi no velório, ali estirado no caixão, era eu e não era. Quer dizer, aquele defunto não se parecia comigo, mas eu sentia que era eu em uma das minhas muitas mortes. Como pode? Era como se fosse eu assistindo ao meu próprio enterro e vendo que um a um dos presentes me fitavam e queria dizer pra eles que aquele não era eu de verdade, era outro, e não me ouviam, sequer me davam atenção, e morto morrido, lá pras tantas, me carregavam entre choros e mãos, levado para uma cova em que me sacudiram areia e barro como se cuspissem o asco e eu não via mais nada, estava trancado, sepultado num cemitério que nunca vira de tão irrespirável. Será mesmo que eu morri e não me dei conta, se é sonho, ainda não acordei, parece. Ih, que coisa! Não sei se estou feliz ou não, se cumpri minha missão, satisfeito. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS
[...] Há dois mistérios capazes de atrair a morte e de a aniquilar: escrever e amar, experiências originárias e últimas, a morte da morte… [...] Um intelectual maneja conceitos que não lhe pertencem, vive das idéias dos criadores; é o que é o técnico no mundo da ciência. E ele é que domina num mundo em que deviam ser os criadores a dominar. [...] O estético, o ético e o religioso formarão, unidos, uma nova religião, a pressentida por Kierkegaard, Dostoiévski, Nietzsche, Kafka e Husserl… [...] Esse instante será provavelmente decisivo, constituirá uma mutação absoluta dos tempos e só três categorias de seres humanos terão os olhos abertos e compreenderão aquilo: os santos nas suas celas, os chefes comunistas dignos deste nome, também nas suas celas, e os romancistas em qualquer lugar. Os primeiros pertencerão a Deus, os segundos ao Diabo e os terceiros serão de propriedade contestada… [...] Os verdadeiros ativistas só poderão ser os romancistas independentes. Acredito no extraordinário futuro do romance, principalmente do romance metafísico. Só o romance metafísico, justamente porque transcende a psicologia e a política, poderá dominar e explicar tipos humanos tão disfarçados como, por exemplo, Churchill, Hitler ou De Gaulle, e obrigá-los a confessar tudo… [...] Husserl não só está na base de algumas das mais célebres conversões do século XX (era protestante, de origem judaica), como está ainda em concordância com o zen e com a obra literária de James Joyce. [...] A fenomenologia não é uma filosofia ou escola, uma teoria ou uma opinião, mas sim uma visão do mundo, cujo fim é a transformação total do ser, transformação pessoal, entenda-se. [...] Esta maneira profunda de ver as coisas implica aquilo a que os antigos chamavam metanóia, quer dizer, uma mudança essencial, uma revolução interior, que tanto pode ser levada a efeito por um gênio como pela consciência mais modesta, visto não haver vida interior pobre, segundo a chave que a fenomenologia nos apresenta da alma. Há somente um situar-se intencional dentro do mundo, que eleva cada ser humano àquilo que o seu próprio thymós ou plano vital lhe permitirá ser em plenitude. [...] o ser humano não pode viver fora do sobrenatural. [...] A novela e o romance vêm substituir, enquanto dimensão popular, acessível, a poesia, e atingirá as suas culminâncias com Kafka, Joyce, Musil, Proust, Jünger, Camus, etc., no momento em que consegue pôr o problema da realidade com a mesma intensidade e amplitude que a filosofia ou a física contemporâneas. [...] Ser uma ilha, um segredo, revelado pouco a pouco através duma obra literária. [...].
Trechos extraídos da obra Viagem aos centros da Terra (Verbo, 1971), do escritor romeno Vintila Horia (1915-1992).

A ARTE DE ADRIANA CARMINATI
A arte da artista Adriana Carminati. Veja mais aqui.

AGENDA:
Gigi – escultura e desehos de Adriana Carminati & muito mais na Agenda aqui.
&
A enchente de 2010, do poeta popular Ricardo Cordel. Veja mais aqui e aqui.
&
Há dois anos florescia o amor, François Villon, Alain Badiou, Ribeiro Couto, Arte & história de Sandra Jatahy Pesavento, A violência de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Base para unhas fracas de Alexandre Vogler & Marcela Maria, Olga Krimon, Ruth Bernard, João Bosco, Paula & Jaques Morelenbaum Trio aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do saudoso multi-instrumentista, maestro, arranjadir, compositor e orquestrador Sivuca (Severino Dias de Oliveira – 1930-2006): Live at The Village Gate, O poeta do som, Ao vivo & Guitar and Acordeon & muito mais nos mais de 2 milhões & 990 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.