APONTAMENTOS DE
VIAGEM – Imagem: arte da artista visual
franco-americana Sarah Meyohas. - Uma
vez, duas, mil vezes às ruas da cidade e o meu país é estampa corroída, como um
dia e outro nunca na ironia do calendário. Olho e não me perco, apesar da
travessia. O mundo cresce e todos morrem um dia, como se o canto vivo fosse reunião
dos mortos que renascem e nem se sabe como outro dia o susto ressurreto, como
se não tivessem existido e nada acontecesse. Agora ali na porta está o luto das
imundícies, uma herança vil do ouro puro e sem sangue que tantos amofinam e não
aguentam mais a vida soterrada nos cadernos das contas com seus medos de balas
e bigodes, esparros e estultices. Porque no céu deles não existe nada e
intranquilos temem, só sabem temer e temem, aliás, por eles mesmos, por serem
eles mesmos fabricantes do terror e temem carrascos que também se tornam vítimas
um dia e se quebram como um bisqui, vísceras e intestícios, e não restará nenhuma
ameaça no pó, a poeira de cinza perecível, erosões, tremores: o vento arrasta
tudo, a água lava tudo, o fogo queima tudo, a terra enterra tudo. E o poema
errante e perdido entre tesouros desmoronados, desposses do inútil na estirpe de
órfãos e matricidas com olhos que doem escancarados. Tudo pereceu ao meio dia e
perderam os que queriam das asas da serpente ao topázio do rancor, as moedas do
sol, o lugar incalculável com telhados estéreis, tudo desabado ao redor na pena
instransferivel da sorte calcinada de minha pátria desfeita e a horrenda
desgraça de quem desconhece a gratidão de quem agradece, o perdão de quem perdoa,
o amor de quem ama. Só o meu canto vive ardente e fragrante com as pequenas e
supremas celebrações do véu da luz ao caminhante cego que acha meu poema infiel,
nunca foi, nem pode ser. Só o canto da viagem leva o peso dos golpes. Não há
ninguém nem mel nas mãos, a lembrança é um relâmpago e chega para que eu cante
na torre da tristeza e sorrio, passo a passo, voando com o vento para quem só
tem para guardar os ossos. Tudo se move e eu conheço o movimento eterno do mar porque
sou a chuva e não sei de muro, cercas, arames, fronteiras, a minha duradoura
solidão como pungente violão alimentando amores e adeuses de desterrado: o destino
não existe, o acaso inexiste. Na ausência da minha rua, passou o passado e o
cofre vazio na paz profunda do elefante. O coração lateja de outro jeito, aos
farrapos, ensanguentado, troando forte para retumbar no canto construído de uma
estrela que brilha no céu de ásperos dias e duros tempos, na dor do
esquecimento para quem não esqueceu entre cicatrizes e castigos: um homem entre
a semente e o pó, a carta da mulher amada e o grande beijo nos lábios dela. Saúdo
a solidão e beijo o abismo dos antigos sonhos, uma rosa na tempestade colhida ali
onde nasci, uma pedra na primavera. Vou embora e me despeço de tudo e de todos,
vou com meu violão e o canto a fundar todo dia a esperança e a flor do sorriso
paratodos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colombia, conseguiu subir aos
céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida
humana. E disse que somos um mar de figueirinhas. — O mundo é isso — revelou —
Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria
entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras
grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de
fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de
chispas. Alguns fogos são bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam
a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e
quem chegar perto pega fogo.
O mundo, extraído da obra O
livro dos abraços (L&PM, 1991), do jornalista e escritor uruguaio Eduardo
Galeano (1940-2015). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
A ARTE
DE SARAH MEYOHAS
A arte da artista visual franco-americana Sarah Meyohas.
AGENDA:
&
Eu xexéu & Quintana passarinho, Carlos Drummond de Andrade, Hermilo Borba Filho & Virginia
Gisele Carvalho, Victor Hugo, Djanira Silva. A multidão e o comum de Antonio Negri, Luiz Felipe Pondé, São Caetano, Rosana Paulino & Lori Shorin Clay, Sônia Mello & Ricardo
Machado aqui.
&
É sim e como é que não pode, Josué de Castro, Thomas Mann, Autran
Dourado, Jessier Quirino, Teatro de Pernambuco, Carlos Alberto Fernandes,
Venturosa, Barbara Heinisch, Maria Callas
& Toninho Horta aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio
Tataritaritatá a
música do violonista francês de
jazz, Stéphane
Grappelli (1908-1997): Live in San
Francisco, Umbia Jazz Festival, In Tokyo & com Baden Powell – La grande
reunión &
muito mais nos mais de 2 milhões & 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
aqui.