segunda-feira, novembro 19, 2018

VILLA-LOBOS, MAGDA SZABÓ, SAMUEL CASAL & ESTAÇÃO DO BEM CATENDE


MANDANDO VER NA ENROLAÇÃO – Imagem: Violeiro, do quadrinista e ilustrador Samuel Casal. - No meio das Leônidas, quase aprendi as lições de Leandro Gomes de Barros: glosar os motes da vida. É que na chuva de canivetes e meteoros, eu colhia versos e rimas pra nunca passar de água doce no cordel: a légua é tirana e a gente não se cansa à toa. Pensando bem, tem de se saber se o buraco do coração é mais pra baixo ou mais pra cima, depende de quem sobrevive ao intervalo entre as gargalhadas e o desapontamento. O que nunca se soube de mesmo é ter tudo na conta da moderação. Não sei como ter a coragem de se negar ao prazer: cadê o gato na hora que as coisas vão de mal a pior. Não dá pra chutar o vento, coisa mais besta; e doi demais os dedos dos pés ou das mãos na parede, num é não? O pior é tomar ciência de que um laboratório encontrou rios de insatisfações na dose da bebida, sem contar mágoas e outras tantas frustrações contaminando o tira-gosto e até o guisado, não sei como. Dá pra sentir cada lapada amarga demais, e o cachorro engarrafado joga a culpa no mictório (alguém ainda usa penico, hem? Não cabe, né?). De uma coisa estava certo: o meu problema não estava pendurado atrás da porta; estava ali, inexorável, naquilo que parentes e amigos dizem pelas nossas costas – queando não cospem pra cima, cospem na cara ou na cova da gente. Até então, tinha pra mim: os abstêmios são sempre muito chatos, quando não papa-fortunas, papa-defuntos e por aí vai, até quem tem um bife ou um cachorro-quente por animal de estimação. É que entre a infância e a idade adúltera muitas adolescências pra sacar o que há de errado nisso ou naquilo. De uma coisa eu me valia: se Shakespeare fosse vivo escreveria os capítulos das novelas do plim-plim. E mais: tem que saber o que fazer com os cadáveres todos. Nunca chamei ninguém de animal, só que todos são tratados como tal em todo canto daqui. Afinal, fazem do Brasil um país ideal para tolote de bosta – que o digam os Fabos -, pois terão muitos com quem conversar e laralilará. A corrupção não tem jeito, todos cometem seus crimes em legítima defesa. Em quem botar a culpa, nunca aprendi direito, só sei que roubaram a rolha da marmita e nem enchi a pança direito, meu. Dá pra ver o quanto a sociedade é suicida: muitos correm para aproveitar o máximo de tudo, outros tantos nem estão aí pra quem pintou a zebra, mas quem está com pressa mesmo, hem? O certo é que se deve amar o próximo e os inimigos porque são as mesmas pessoas. E já dizia Voltaire: “É perigoso ter razão em assuntos sobre os quais as autoridades estabelecidas estão erradas”. Fica valendo: quem faz gargarejo três vezes ao dia com aguardente não pega resfriado. Tome nota, isso o Ministério da Saúde nunca advertirá. E não vá cometer a besteira de distinguir uma autobiografia de um obituário, não haverá mentira que chegue. E se é por falta de assunto ou de adeus, até mais ver. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Os retratos sabem tudo, sobretudo o que prefiro esquecer, o que já não é sonho. Pois só uma vez, na minha vida, uma única vez, na realidade, e não no estado de fraqueza cerebral devida ao sono, uma porta se abriu diante de mim, que não deveria ter aberto quem se resguardava na sua solidão e na sua miséria impotente, mesmo se o tecto ardente crepitava já sobre a sua cabeça. Só eu tinha poder para fazer funcionar essa fechadura: quem rodava a chave confiava mais em mim do que em Deus, e eu, nesse instante fatal, julgava ser Deus, sábia, ponderada, boa e racional. Estávamos ambas erradas, ela, porque acreditava em mim, e eu, porque tinha fé excessiva em mim. Agora, também já não importava, porque não se podia reparar o que acontecera. Pois que venham, de tempos a tempos, essas Eríneas de alto coturno em sapatos confortáveis, máscara trágica sob a touca de enfermeiras, e rodeiem a minha cama, brandindo as espadas de duplo fio que são os meus sonhos. Eu espero-as, todas as noites, ao apagar a luz, e preparo-me para, no meu sono, ouvir retinir a campainha que faz avançar horror inominável para a porta que não abrirá jamais. [...] Penso, vezes sem conta, que, no fundo, tudo se desenrolou de uma forma muito simples. Emerence já não fazia pesar os seus problemas insolúveis sobre os raros parentes e o círculo mais ou menos definido das suas relações, tudo ela resolvera pessoalmente, num gesto autoritário, à maneira de um grande chefe guerreiro. Quando não se tem mais nada a fazer por si mesmo, porque já não se pode, convém, então, pôr um ponto final na coisa, pois, quando a humanidade caminhar há muito à escala das estrelas, os que estiverem vivos estarão longe de imaginar que, por uma chávena de cacau, nos entregámos a tristes combates, sós ou contra outros, mas, mesmo nessa altura, nunca se poderá corrigir o destino de quem não tem lugar na vida de ninguém [...].
Trechos da obra A porta (Cavalo de Ferro, 2017), da escritora húngara Magda Szabó (1917-2007). Veja mais aqui.

A ARTE DE SAMUEL CASAL
A arte do quadrinista e ilustrador Samuel Casal.

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