O QUE FAZ O AMOR - Imagem: arte do artista Maurício Silva. - Auguste chegou menino em Alagoinhanduba como se
estivesse em Montpellier. O que mudou de mesmo, à primeira vista, foi o frio da
vida encolhida pro calor de esquentar a alma num quenturão brabo. Afora isso, a
chatura de sempre dos pais e da irmã, a fuga com o irmão pro meio do mundo. Depois,
nada de mais. Quanto mais crescia, mais se afastava de tudo: arengas, intrigas.
Vivia para lá de chateado. A saída: olhos pregados nos livros, não fazia outra
coisa senão ler o que lhe caísse às mãos. Era o primeiro da turma até adolescer
como um chato de galocha na sala de aula do colégio. Aprontou de tudo:
enfrentou mestres, desacatou autoridades, pintou e bordou. Pra ele o mundo todo
estava de pernas pro ar, de cabeça pra baixo. Havia de organizar tudo. E tome
providência. Ao dar conta da beleza de Caroline, logo se enrabichou pras bandas
dela. Mais teimava, reclamando da avareza dos familiares: não aceitava jamais a
sua miséria. Aproveitou-se da ocasião, casou-se com a bela amada e rompeu todas
as relações tempestuosas com os miseráveis de casa. O irmão dera no pé. Pra onde?
Quem sabe, perdeu-se nas veredas da vida. E ele vivia agora das aulas
particulares de Matemática e dos cuidados da esposa. Seu temperamento forte não
evitou outras inimizades, angariou desafetos pra onde ia, até sucumbir numa
crise mental, depressão melancólida. Isso não poupou a convivência com
Caroline, findando, então, no fundo do poço: separou-se desempregado. Os brutos,
os bichos, todos amavam, tudo é amor, ele não. Aliás, não mais. Não visse ele Clotilde
dobrar a esquina, jamais se salvaria da profunda prostração. Rendeu-se ao amor,
o que nunca soubera. Arregaçou as mangas, estufou o peito, ajustou a fivela na
cintura, agora vai. Ah, Clotilde. Cadê-la? Agora sim, aprumou. Vasculhou céus e
mundos por ela. Achou. E ela: Não. Não era possível que isso acontecesse com
ele, não podia, penava demais. Obstáculos não lhe aplacavam, esforços hercúleos
dispendidos, Clotilde não era livre, o marido condenado na prisão, ela fiel e
Auguste desabando de tão gamado. Impôs suas ideias, a sua positiva filosofia
por ela apreciada, nada foi suficiente para demovê-la da fidelidade. Era pouco
e mais fez: criou um novo calendário, classificou todas as ciências e fundou a
sua própria religião para que ela pudesse ceder aos seus rogos sentimentais. Deu-lhe
o catecismo criado por sua própria fé religiosa, ali estava todo seu pensamento
sobre a vida e o mundo, pronto, entregue. Ela não cedeu. E o pior, sem mais nem
menos, morreu. Assim. Sozinho, sem parentes, aderentes nem ninguém, fez-se
desconhecido diante do seu Deus, a carregar anos de solidão, indefeso de amor pela
amada que o abandonou fatidicamente. E dele, destroços de si, tudo desaparecia
nele para nunca mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Em uma sociedade de comunicação, a criação artística
é a atividade mais requisitada, mais demandada, e talvez a única que convem
perfeitamente à circulação de informações sem conteúdos específicos – capaz de,
por isso mesmo, assegurar o funcionamento das redes em seu aspecto exclusivo de
redes. Assim, a visualização do próprio sistema está assegurada, um benefício
ético: a igualdade de todos os intervenientes designados como criadores. Por meio
dessa prática universalista, a comunicabilidade da arte, que Kant considerava
um dever, torna-se regra. Outro beneficio, desta vez político: ao se
internacionalizar, a arte torna-se o signo de uma vontade de reunião, de concórdia,
da qual os regimes políticos não podem escapar. A imagem simbólica de uma nação
se encontra tomada por esse imperativo – por isso posicionamentos de um “Estado
cultural”. [...] o contraponto dessa
política, contudo, é uma impressão confusa, uma incompreensão no que diz respeito
ao público – onde está o artista, onde está a arte? – e ao mesmo tempo – o que
parece contrário ao principio de comunicabilidade universal – seu distanciamento.
Trecho
extraído da obra A arte contemporânea:
uma introdução (Martins Fontes, 2005), da filósofa, romancista, ensaísta e
artista francesa Anne Cauquelin.
A ARTE DE MAURÍCIO SILVA
A arte do artista Maurício
Silva. Veja mais aqui.
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