quarta-feira, outubro 31, 2018

ANA CRISTINA CÉSAR, NATALIE MERCHANT, HELMUT NEWTON, RURAL E URBANO


É ASSIM QUE É OU NÃO – Imagem: Phiplip Treacy, do fotógrafo alemão Helmut Newton (1920-2004). - A dona de casa se esmera para arrumar cantarolando a casa emburrecida de tantos pisos espelhados de cera e tetos arranjados de luzes com todas as ordens nas paredes e cantos da organização mais intacta e desumana, a conferir nenhuma imundície nem poeira a difamar sua elegância atapetada de vaidade. Ela vai de sala em vãos aos quartos, copas e cozinhas, delicadas ornamentações de varandas, escadas e corredores, tudo na mais perfeita arquitetura, dela não dispensar o menor dos detalhes de dobras, cortinas e adereços. É que ali só ela mora consigo e mais ninguém para desmanchar seu penteado ou tirar o brilho dos olhos ou o sorriso dos lábios, só o capricho da dona para ufaná-la além das amigas e comadres, quando nem ela sabe o sepulcro das poupanças abarrotadas de numerários para orgulho de quem esbanja o inabitável na imobilidade dos desejos. Ah, quanta habitação do fausto, é ali que se mata um saci presepeiro por acordar as crianças e ali não podem brincar em nome de todas as etiquetas da ostentação, tudo nos conformes da abundância de nunca brincar de pobre de marré no jogo daqui que veio dacolá: Je suis pauvre dans ce jeu d’ici. É de lá que o reino dos homens se faz ortodoxia imperativa do moralismo falso e inclemente dos dentes nas orelhas, com tudo previsível no aluguel de vinco das casas dos botões dos palitós com broches na gola, lenço no bolso e abotoadura nos punhos, e que faz tudo muito opaco para amanhã, porque a verdade possível foi varrida pra debaixo dos tapetes pra que tudo soe limpo e intocável. A sala está um brinco e pronta para receber os achegados com suas risadas de dólares embotidos no coldre e armas empunhads pela burrice gozam da impunidade para que cada vez mais sangue lave a honra imaculada dos estúpidos e fique por isso mesmo porque aos amigos tudo e aos inimigos as barras da lei de conveniência e camaradagens da leniência para dar de ombros e mãos apertadas no código de sátiros energúmenos de colarinho a se baquetear nas assembleias da miséria alheia e pelos púlpitos dos templos das mentiras deslavadas, com suas ladainhas de prosélitos do poder a furar o céu com breguices idiotas pros que perderam a memória na digital diplomada, na ganância dos que querem mais que os outros e nada mais. Ainda ousam sorrir da dor na alma do meu povo. Ainda anteontem havia alguma esperança, agora não mais porque a morte ronda anunciando a tragédia do apocalipse anunciado, não há como se salvar. Nada demais por isso, a salvação não existe e poderia sorrir mais que sou: as nuvens são mordaças ao Sol e os rios apodrecidos e o ar contaminado e a terra deserta, saídas bloqueadas por dentes que rangem seu ódio e infelicidade. É preciso estar adiante e inventar destinos pra seguir. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
Tu queres sono: despe-te dos ruídos,
e dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, e os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
Poema extraído da obra A Teus Pés (Ática, 1998), da escritora e tradutora Ana Cristina César – Ana C. (1952-1983). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE HELMUT NEWTON
A arte do fotógrafo alemão Helmut Newton (1920-2004). Veja mais aqui.

AGENDA:
III Ciclo de Debates o Rural e o Urbano – 12/14 novembro, na UFRPE & muiro mais na Agenda aqui.
&
Contando história, John Keats, Canhotinho & Costa Porto, Eliane Potiguara, Pintando na Praça & Resistência dos versos, Elisa Fukuda, Duo Fênix – dos pianistas Cláudio Dauelsberg & Délia Fischer. Leo Brouwer & Jane Monheit aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da cantora e pianista estadunidense Natalie Merchant: Live Concert KBCO Rock Fest, Leave Your Sleep & com 10000 Maniacs Live & Unplegged MTV Live & muito mais nos mais de 2 milhões & 800 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.
 

terça-feira, outubro 30, 2018

ADALGISA NERY, HARRY SACKSIONI, ROY LICHTENSTEIN & JOANA GAJURU


COISOU NO FECAMEPA - Imagem: arte do artista estadunidense Roy Lichtenstein (1923-1997) - Quando Arescoiso deu o ar de sua feiura pelas bandas de Alagoinhanduba, mostrou logo ao que veio e bufou: Comigo é olho por olho, dente por dente. E não brincou não, já foi botando pra feder com a Lei de Talião: deu nó cego em passantes, esfregou o dedo na venta de fulaninhos, deu rasteira em sicraninhos, largou desaforo na lata de beltraninhos e saiu por aí na pisada do salto dos calcanhares, sapecando ofensas e ameaças. E por onde passava dizia ter sido arrebatado no domingo em êxtase com todas as trombetas dos golpes das sete igrejas na visão inicial da ilha de Patmos. Cuma? Quem é esse traste? Esse sujeitinho parece que é meio doido, né não? Rapaz, num sei de que manicômio ele saiu não, mas deve ter enfermeiro como a praga atrás dele. Como é mesmo o nome dele? Sei lá! Parece num-se-que-lá Coiso! Vixe! E é o Coiso, é? É. Vamos ver o que esse maluco tá aprontando? Vambora. Pois é, esse doido apareceu sob o boato de que era o primogênito soberano investido de ser o dominador, vindo das nuvens dos olhos do verão com as revelações de Jesus e as profecias de Nostradamus, os sete espíritos do trono, os sete candelabros de ouro, o maná escondido, a pedra branca, só ele mais ninguém saberia do paradeiro dessas coisas ditas sagradas. E a mundiça: Rapaz, onde é que está a camisa de força desse aloprado, hem? Ah, esse é gabaritado! Pinel pior que esse nunca vi! Danou-se! E tome cochicho pra cima e pra baixo, enquanto o lunático berra ser da realeza alfa e ômega do estopô calango, com as chaves da morte no seu cinturão de ouro, olhos de fogo, pés de bronze e saído das fornalhas dos quintos dos infernos: Quem não me seguir haverá de lamentar! Ih! Fodeu, Maria-preá. A corja só dando corda: Donde é mesmo que ele disse que era? E eu sei, é? Eu mesmo num tô vendo nada do que ele tá dizendo, tô só me rindo aqui. Num brinque não, presepa! Oxe, depois disso Alagoinhanduba teve seca, inundações, pragas da muita, cada pé de vento de levar uns trinta duma vez só, abria o chão da terra comer uma tuia duma golada só, foi água pelo gogó de levar todo tipo de gentinha boiando, isso é o estrupício das profundas infernais! E o mentecapto lá de cima do morro convocando todo mundo ao arrependimento contra as obras do Zé Nicolaita, seu principal desafeto de murros, tabefes e pernadas; e do rábula Balaão que andava com petições judiciais nos seus cornos, doido pra enquadrá-lo em diversos artigos do código penal vigente e antecedente. E o povo: Quem são esses? Nunca vi mais gordo! Num é daqui não. Deve ser lá dos túmulos dele. E mais berrava: Ao vencedor não haverá de sofrer danos! E falava de coisas de antes, de agora e do futuro, chamando atenção pro lugar onde estava. A malta só no escárnio: Que lugar é esse? Hem? Nunca se sabe. No apurado: 50% de dorminhocos sonâmbulos, zunzum; 30% de Fabos encoisados como os coadjuvantes do voyeurismo legal de brechar a vida dos outros e fuxicar até umas horas, morrendo de inveja; e 20% de arengueiros porraloucas na pisada dos índios em pé de guerra! Quer mais? A cidade estava contaminada. Em qualquer lugar o mundo gira pra frente, a vida segue adiante, nunca pra trás. Mas ali, a coisa comeu no centro, zás trás: da patetada golpista da temerança pro encoisamento, só dois tempos, vapt-vupt. E Alagoinhanduba sucumbiu, ah, meu, encoisou de ficar coisada, de tão trágica virou comédia. Foi lá que até o Fecamepa virou Camepafe, Mepafeca, Pafecame e por aí vai. Tudo endoidou do povo sair dizendo: Coisou. E com um vozeirão fantamasgórico com sua risada tétrica ecoando no tempo: Dias piores virão! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Mas eu não posso fugir de investigar-me e de refletir.  Sou por demais verídica para merecer a paz dos simples e a alegria dos puros. [...] Vi muito egoísmo, muita intriga, muita inveja e, sobretudo muita injustiça com algumas órfãs que, a troco de casa e alimento, faziam o trabalho pesado do internato [...] Um dia me insurgi contra uma certa ordem que considerei injusta [...] daí por diante, tudo que aparecia mal feito, tudo que contrariava o regime do colégio, prescindia logo de diligências apuradas: “Deve ter sido Berenice quem fez” [...] E assim tomei o título de rebelde, insubordinada, desobediente, pecadora contra a humildade e menina sem recuperação [..] Para quem sempre se debateu contra o meio medíocre, permanecer anos a fio nessa violência merece, com justiça, admiração e respeito [...].
Trechos extraídos da obra A imaginária (José Olympio, 1959), da poeta e jornalista do Modernismo brasileiro, Adalgisa Nery (1905-1980). Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE ROY LICHTENSTEIN
A arte do artista estadunidense Roy Lichtenstein (1923-1997). Veja mais aqui.

AGENDA:
Joana Gajuru: De Guerreira a Rainha, no Cineclube Curtos Circuitos - auditório do Museu Théo Brandão – Maceió – AL & muiro mais na Agenda aqui.
&
O que é um peido pra quem está cagado?, Ezra Pound, Paul Valéry, Conceição Evaristo, Erik Lima, Romero de Figueiredo, Zé Ripe, Agrestina, Laurindo Almeida, Maria Teresa Madeira, Yamandu Costa & Cristina Ortiz aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do compositor e violonista neerlandês Harry Sacksioni: Vensters, Strikt Persoonlijk, With or without you & Blos & muito mais nos mais de 2 milhões & 800 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.
 

segunda-feira, outubro 29, 2018

WALMIR AYALA, ZÉLIA DUNCAN, SANDRA REIS & PINTANDO NA PRAÇA


PINTANDO NA PRAÇA – Numa manhã ensolarada de sábado de outubro, aconteceu a quinta edição do Projeto Pintando na Praça que foi uma verdadeira festa artística. O projeto desenvolvido pelo poetamigo & artista plástico Paulo Profeta, por meio do Instituo de Belas Artes Vale do Una, de Palmares – PE, tem alcançado seus objetivos e engrandecendo o cenário cultural palmarense e da região Mata Sul de Pernambuco. Tive a oportunidade de participar da edição anterior e constatar o processo evolutivo e a adesão cada vez maior de artistas da região e de outros estados, como também da população palmarense. Dessa vez não ficou por menos, pois, além de possibilitar o reencontro com o amigo artista plástico José Durán y Duran & a escritoramiga Socorro Durán, também teve a presença efusiva da arte do inquieto e criativo imaginauta Gugha Távora, do professor Clovis Eraldo Parízio, as canções do cantor e compositor parceiramigo Zé Ripe, do projeto Lendo na Praça Pública da amiga Rute Costa, do artesanato dos jovens Epifanio Bezerra (Palmares) & Celso Madeira (Igarapeba), a arte do jovem Wil de Igarapeba, pinturas & desenhos, conversas com Marquinhos & todo pessoal da Fundação de Hermilo, com João Paulo & Mary Filha da Biblioteca Fenelon Barreto, com o acadêmico escritor Reginaldo Oliveira, os radialistas Toínho DuRego & Alberto Passos, afora trocar ideias e mandar ver na participação geral. Marcaram presença os artistas plásticos da capital pernambucana, Fernando Lúcio, Sebastião Rosa, Vandrade, Zé de Moura, Ricardo Carvalheira, Robertson Rodrigues, Fábio Santos, Leo Luna, Marcelo Marroquin, Nadilson Junior, Alexandre Freitas, Maycon e Eduarda Tenório, alguns entre os quais participantes das edições anteriores e já destacados aqui no blog. Para tanto, foram montados dois estandes na Praça Paulo Paranhos, um em frente do anfiteatro e, o outro, no centro da praça. Nestes espaços pintores, desenhistas, artistas visuais, escritores, artesãos, músicos e público em geral, puderam interagir corpo a corpo, numa comunhão entre a arte e a vida. Sem dúvida trata-se de um dos mais importantes eventos da região que a cada ano vai ganhando prestígio e se tornando marca carimbada dos acontecimentos que ocorrem anualmente. Nada mais representativo que ver em plena praça pública artistas e público interagindo num evento ímpar como este. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Pensei na felicidade que a arte pode trazer, no bem que pode fornecer ao mundo. Porque esta educação visual não está divorciada de nenhum outro plano, mas implica, numa harmonização total e ampla. A arte pode trazer um bem no mundo na medida em que consiga impor seu caráter construtivista, muitas vezes a partir de uma urgente iconoclastia. [...]
Trecho extraído da obra A criação plástica em questão (Vozes. 1970), do poeta, teatrólogo, romancista e critico de arte Walmir Ayala (1933-1991). Veja mais aqui.

A ARTE PINTANDO NA PRAÇA
Veja mais do Pintando na Praça aqui e aqui.

O Professor Cloves Parízio

O artista visual & imaginauta Ghugha Távora. Veja mais aqui.

O artesanato de Epifanio Bezerra (Palmares) & Celso Madeira – Acervo do Barro Igarapeba.

O desenho de Wilmison da Silva Calado (Wil de Igarapeba) aluno do Instituto promotor & demais participantes do evento.

AGENDA: 
LENDO EM PRAÇA PÚBLICA
O Projeto Lendo em Praça Pública é desenvolvido pela professora especialista em Linguistica e Coordenadora de Lingua Portuguesa do Ensino Fundamental da Semed-Palmares, Rute Costa, e realizado nos finais de semana na Praça da Luz e em outras praças locais. O evento conta com exposição de livros disponíveis para leituras de pais e estudantes participantes. 
&
POEMAS DE INDOLORES
AMAR – Amar seria simples, se fosse fácil amar... / mas, amar é renúncia e ninguém quer / a si mesmo renunciar.
DESEJO – Te desejo que / todos os dias e noites / penses, sonhes, / planejes, desejes / estar comigo. / Assim, como eu / não consigo ficar sem.
SEXO – Hoje é sexo por sexo, / ficar por ficar. / É desejo nada além, / é apenas carne, pele e suor. / Oh, carne pecaminosa / que me deixa desejar / mesmo ciente que não devo / essa matéria alimentar.
AMOR X LUXÚRIA – Viver é verbo que não conjugo. / Ver é verbo que pratico, / por não ser louca o suficiente / para dela me desfazer. / Ninguém jamais deu importância / aos sentimentos de um pobre / como o de Romeu à Julieta / acham ser luxo exclusivo dos ricos. / Seus bens por idolatria, valorizam, / morrem de medo de perdê-los. / Jamais morrem por amor / nunca por conhecê-lo.
AUSÊNCIA – Abraça-me com ternura / toca-me com o coração / permita-me ver a beleza / do afeto em sua doação. / Saudades do beijo na face / de quando trocávamos carinhos / quanta compreensão trocada / estando hoje, toda esquecida. / Por onde anda o afeto? / Sinto que a emoção desertou / foi furtada por um beijo, / ou pelo simples desejo de ser / compreendido e correspondido?
INDOLORES: POÉTICAS & MEMÓRIAS – Poemas extraídos do livro Indolores: poéticas & memórias (Rascunhos, 2019), da escritora e professora Rute Costa, que desenvolve o projeto Leitura na Praça e é integrante da Amigos da Biblioteca. Veja sua entrevista aqui.

 &
Duzentos & cinquenta & um golpes, Frida Kahlo, Nélida Piñon, Lya Luft, Karl Backman, Barreiros, Bartyra Soares, Zé Ripe, George Harrison, Rita Lee, Camargo Guarnieri & Rachel Dolly d’Alba aqui.
&
O dia é hoje, agora! Carlos Fuentes, Noémia Sousa, Gayatri Chakravorty Spiva, Giácomo Sinapsi, Ivo Korytowski, Lagoa dos Gatos, Humor jurídico de Carlos Cavalcante, Djavan, Bidú Sayão, Daniela Spielmann & Zé Ripe aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da cantora, compositora e atriz Zélia Duncan: Pelo sabor do gesto em cena ao vivo, Tudo Esclarecido, Tô tatiando & Raridades, novidades e colaborações  & muito mais nos mais de 2 milhões & 800 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aquiaqui.


sexta-feira, outubro 26, 2018

ALDOUS HUXLEY, MILTON NASCIMENTO, DI CAVALCANTI & PINTANDO NA PRAÇA


O FUTURO É AGORA - Imagem O Beijo (1923), do pintor e caricaturista brasileiro Di Cavalcanti (1897-1976). - Dei por conta de mim: olhei pra trás e tudo era infinitamente distante, como se um filme de desagradáveis e tortuosas cenas tivessem que repassar constantemente como um caleidoscópio, na minha travessia entre meus vivos indiferentes e os mortos que sequer esqueci, de tão vivos se parecerem nos meus horrores e risadas. Lá na frente tudo o que não sei, vou sempre adiante, mesmo que não saiba se é mesmo adiante ou se estou andando em círculos ou me perdendo entre esquinas, curvas e acenos. Ao meu lado não há ninguém, isso eu sei há tempos, é que nunca segui procissões nem fui pra plateia dos palcos da prestidigitação, das promoções do mercado, do glamour da moda e da perda de tempo que é seguir porque outros seguem por puro prazer. É que me dei conta da fração de segundos entre o que é a vida e o que é a morte, e do meu tamanho ínfimo perante o universo. Há tempos deixei de esperar e mesmo que malogre porque nada é pra já, faço acontecer ao meu modo, já quantas aflições pelos segundos que duraram uma eternidade quando precisava e era de imediato, sobrevivendo sob o truque da imaturidade: o medo de tudo, a ameaça constante. Tantas vivências de expectativa pelo amanhã: tudo podia acontecer da espera à agonia pra ansiedade: o que será, nunca se sabia. O tempo parecia parar naquela hora, como sempre tudo passava e o que se desejava nem aparecia na esquina nem lá longe, nem adiantava apurar a vista ou ficar pra lá e pra cá, tonto de requerência. Inquietações assomavam e a balança aparentemente equilibrada não deixava visualizar se ia ou não, quem merece. A lentidão levava ao afobamento corroendo vísceras e unhas e por que não, se estava prestes a ser feliz e o que era a felicidade dava as costas escorrendo pelas minhas mãos e sumindo no triz da primeira piscada de olhos. Uma escolha e quantas consequências: o peso da resolução. Ao decidir eu construía o meu caminho. O que sou hoje é resultado de tudo que fiz e fui ontem. E eu havia me esquecido disso. Cada passo, cada sim, nãos, acenos, dobradas de esquina, relutâncias, teimosias, atalhos e subterfúgios, cansaço, aperreios, suspenses e arrepios. Hoje sou porque sinto: já deplorei minguando na solidão noites intermináveis e sofri pelo que não tinha, e morri pelo que até nem mesmo merecia. Tive que cuidar dos meus sentimentos, torná-los melhores para não quedar desamparado. Hoje sou porque penso: já sucumbi pelo mergulho de mirabolantes ideias, elegendo algozes e enfrentando os meus próprios moinhos de vento. Eu sequer me compreendia, só sentia e pensava. Tive que cuidar dos meus pensamentos e meus sonhos se tornaram factíveis sem que precisassem ser naquele instante porque são reais demais para serem ansiados ou preteridos conforme o capricho do querer. Hoje sou porque percebo: quão sutis são as coisas verdadeiras e nem precisei dos olhos bem abertos para tanto, bastou cerrar as pálpebras e hoje sinto, penso e percebo porque sei que não há destino, porque o passado construiu o meu presente e o futuro é agora. Tomei tento. Há uma razão para tudo, o acaso não existe. Faço agora porque sei amanhã: o futuro às minhas mãos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] A porta do helicóptero abriu-se, saindo um rapaz louro de rosto vermelho; depois com um calção de belbutina verde, uma blusa branca e, na cabeça, um boné de jóquei, apareceu uma moça. À vista da jovem, o Selvagem estremeceu, recuou, empalideceu. A moça ficou de pé, sorrindo para ele - um sorriso hesitante, púplice, quase abjeto. Passaram-se alguns segundos. Seus lábios moveram-se - ela dizia qualquer coisa; mas sua voz foi abafada pelo estribilho forte e repetido dos curiosos; "Nós-queremos-o-chicote! Nós-queremos-o-chicote!" A jovem apoiou as duas mãos no coração, e no seu rosto corado como um pêssego, lindo como o de uma boneca, apareceu uma expressão estranhamente incôngrua de aflição anelante. Seus olhos azuis pareceram dilatar-se, tornar-se mais brilhantes; e, subitamente, duas lágrimas rolaram-lhe pelas faces. Em voz inaudível, falou outra vez; depois, com um gesto vivo e apaixonado, estendeu os braços para o Selvagem e deu um passo à frente. "Nós-queremos-o-chicote! Nós-queremos..." E, de repente, eles tiveram o que pediam. - Cortesã! - O Selvagem avançou para ela como um louco. - Fuinha! – Como um louco, pôs-se a vergastá-la com seu chicotede cordas finas. Aterrorizada, ela virou-se para fugir, tropeçou e caiu no meio das urzes. - Henry! Henry! - gritou. Mas seu rubicundo companheiro correra a abrigar-se do perigo atrás do helicóptero. Com um bramido de excitacão deliciada, a linha rompeu-se. Houve uma corrida convergente para aquele centro de atração magnética. A dor era um horror que fascinava. - Ferve, luxúria, ferve! - Com frenesi, o Selvagem vergastou-a outra vez. Avidamente os curiosos os rodearam, empurrando-se e atropelando-se como porcos em redor do cocho. - Oh! A carne!, - O Selvagem rangeu os dentes. Dessa vez foi sobre seus próprios ombros que se abateu o chicote. - Mata! Mata! Atraídos pela fascinação do horror do sofrimento e, interiormente, impelidos pelo hábito da ação em comum, pelo desejo de unanimidade e comunhão, que o condicionamento neles implantara de forma tão indelével, os curiosos puseram-se a imitar o frenesi dos gestos do Selvagem, batendo uns nos outros, enquanto ele fustigava sua própria carne rebelde, ou aquela encarnação roliça da torpeza que se contorcia nas urzes a seus pés. - Mata, mata, mata... - continuava gritando o Selvagem. Depois, subitamente, alguém começou a cantar: "Orgião-espadão!" Num instante, todos repetiram o estribilho, e, cantando, puseram-se a dançar. Orgião-espadão, girando, girando, girando em círculo, batendo uns nos outros, em compasso de seis-oito. Orgião-espadão... Passava da meia-noite quando o último helicóptero levantou vôo. Entorpecido pelo soma e esgotado por um prolongado frenesi de sensualidade, o Selvagem jazia adormecido sobre as urzes. O sol já ia alto no céu quando ele acordou. Ficou imóvel um momento, os olhos piscando à luz, numa incompreensão de mocho; depois, repentinamente, lembrou-se de tudo. -Oh! Meu Deus, meu Deus! - cobriu os olhos com as mãos. Naquela tarde, o enxame de helicópteros que vinham zumbindo por sobre a crista de Hog's Back era uma nuvem escura de dez quilômetros de comprimento. A descrição da orgia de comunhão da noite anterior fora publicada em todos os jornais. - Selvagem! - gritaram os primeiros a chegar, enquanto desciam dos aparelhos. - Sr. Selvagem! Não tiveram resposta. A porta do farol estava entreaberta. Empurraram-na e entraram numa penumbra de janelas fechadas. Por um arco na outra extremidade da peça viam-se os primeiros degraus da escada que levava aos andares superiores. Exatamente sob o fecho do arco pendiam dois pés. - Sr. Selvagem! Lentamente, muito lentamente, como duas agulhas de bússola sem pressa, os pés voltaram-se para a direita: norte, nordeste, leste, sudeste, sul, sul-sudoeste; depois detiveram-se e, passados alguns segundos, recomeçaram a girar, com a mesma lentidão, para a esquerda. Sul-sudoeste, sul, sudeste, leste...
Trecho extraído do capítulo final da obra Admirável mundo novo (Globo, 1979), do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE DI CAVALCANTI
A arte do pintor e caricaturista brasileiro Di Cavalcanti (1897-1976). Veja mais aqui e aqui.

AGENDA
Projeto Pintando na Praça & muito mais na Agenda aqui.
&
Pintando na Praça & Insituto de Belas Artes Vale do Una aqui, aqui e aqui.
&
Mandando ver no canto, Geoffrey Chaucer & Pier Paolo Pasolini, Maryse Condé, Altinho & Nelson Barbalho, Exaltação de Albertina Bertha, Fernando Lúcio, Mostra de Cinema & Direitos Humano do IFPE-Palmares, Chick Corea, Joyce Moreno, Edson Cordeiro & Teodora Dimitrova aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Eu sou atlantica dor plantada no lado do sul
de um planeta que vê e que é visto azul
Mas essa primeira impressão, esse planeta blue
não é a visão mais real além de cor, 'blue' é também muito triste
pode ser o lado nu, o lado pra lá de cru, o lado escuro do azul
Eu sou um homem comum, eu sou um homem do sol
eu sou um 'african man' um 'south american man'
A fome continental miséria que o norte traz
a fome que a morte vem, a fome não vem da paz
O ódio que o ódio tem se espalha bem mais veloz
que a água que a chuva traz que o grito da nossa voz
Eu sou um homem qualquer estou querendo saber
se dá pra gente viver, se dá pra sobreviver
Quero saber de coração se nossa humanidade
e este planeta vão poder prosseguir
Quem sabe a terra segue o seu destino
bola de menino pra sempre azul
Quem sabe o homem mata o lobo homem
e olha o olhar do homem que é seu igual
Quem sabe a festa chega à floresta
e o homem aceita a mata e o animal
Quem sabe a riqueza? E toda a beleza estará nas mesas da terra do sul
Eu sou atlantica dor plantada no lado do sul
(Planeta blue, música de Milton Nascimento & Fernando Brant)
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do cantor e compositor Milton Nascimento: Uma travessia 50 anos ao vivo, Pietá ao vivo, Crooner ao vivo & Milagre dos Peixes ao vivo & muito mais nos mais de 2 milhões & 700 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aquiaqui.
 

quarta-feira, outubro 24, 2018

ALFONSINA STORNI, SÍLVIO HANSEN, SOLEDAD PASTORUTTI, ACORDA MATA SUL & HEROI NORDESTINO


ACORDA MATA SUL – Mesmo tendo nascido em Palmares de HermilAscenso & Darel+Tunga&Lagreca & poetartistas & doidos gerais – já dizia Juareiz Correya: Palmares tem mais poeta que poste para cachorro mijar -, sempre pintei e bordejei por Água Preta de Nelson Chaves, São Bento de Alceu&Gilvan Lemos, Catende de Pelópidas, Capoeiras, São Benedito do Sul, Gameleira, Quipapá, Maraial, Belém de Maria, Xexéu, Jaqueira, Bonito, Camocin de São Félix, Barreiros, Rio Formoso, São José da Coroa Grande, Sirinhaém, Ipojuca, Tamandaré, Joaquim Nabuco, Ribeirão, Escada, Cortês, Primavera, Amaraji & até Vitória de Osman Lins & Pombos, Glória do Goitá, Chã Grande e Chã de Alegria, pra lá de mais Nordeste afora Brasilzão todo aberto de porteira escancarada. Ah, foi no Teatro Cinema Apolo que HéricAraújo & sua equipe trouxe pra gente o seu projeto cultural Acorda Mata Sul, um projeto do tamanho dessa tuia de município e que, segundo ela, é voltado para a sensibilização dos agentes e gestores culturais da zona da Mata Sul de Pernambuco – incluindo aí a Mata Meriodonal & a microrregião de Vitória de Santo Antão -, visando reforçar o fortalecimento das atividades artístico-culturais de cada localidade. Ela já passou por Maraial & Igarapeba, e em Palmares, o evento começou com poesia, apresentação de um filme com depoimentos locais e, depois, muita gente foi lá pra frente do palco pra lá de iluminado, depor sobre a situação de invisibilidade das atividades artísticas e culturais da região. Não foi só uma mobilização, mas, como ela expressa no prospecto do projeto, um encontro que se destina a promover a troca de experiência entre agentes locais, estimulando o fortalecimento dos projetos já existentes, explanando sobre os incentivos do Funcultura com suas linhas de ação, acesso e informações, sugerindo formas que ajudem a organizar as produções artísticas e culturais e, por consequência, fomento na obtenção de renda a partir de outras ferramentas. Aplausos, aplausos, aplausos. Eu estava lá curtindo tudo e aplaudindo, e não fiquei sozinho: comigo os poetamigos Vilmar&Profeta&Ripe, Marquinh&Linaldo, Gilvan Mota & Bonny&Cruel, Sil&Rute&Socorro, João Paulo&ZéRodrigues&Onorato, e mais a estudantada do IFPE & de artistas de Igarapeba & Barreiros. Foi pouca gente, foi; mas que importa, o que valeu é que a HéricAraujo & sua trupe reacenderam na gente uma chama que sempre se manteve acesa em cada um de nós participantes, mas que se encontra há décadas adormecida pelo descaso das gestões públicas e pela nefasta condução do mercado capitalista mundializante de sufocar as iniciativas identitárias locais. A gente já sabia que fazer art&cultura no Brasil é coisa ou pra doido ou pra quem não tem o que fazer de tanto levar cotovelada no pau da venta, principalmente no Nordeste onde tudo é mais escasso que chega nem dá pra minguar, avalie. Como a gente sempre foi de resistir publicando livros, encenando peças teatrais, pintando quadros & o sete, cantando & violando, dando murro em ponta de faca & nó em pingo d’água, teimando que só de venta empinada & verso na língua & prosa nos dedos & pés, não poderia ser diferente. E ela além de soprar o reacendimento desse fogo inextinguível da gente de cometer artes & disparates, também mostrou que é possível fazer algo mais de mãos dadas – um golpe no umbigocentrismo embandeirado de bloco do eu sozinho -, fazendo valer aquela lição do Paulo Freire: ninguém se liberta sozinho; ninguém liberta ninguém; pra libertação tem de haver comunhão. Aplausos, tô dentro & vamos juntos, sempre. E vamos aprumar a conversa tomém. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
Sou suave e triste se idolatro, posso
abaixar o céu até minha mão quando
a alma do outro à alma minha enredo.
Pena alguma não acharás mais branda.
Nenhuma como eu as mãos beija,
nem se acomoda tanto em um sonho,
nem convém outro corpo, assim pequeno,
uma alma humana de maior ternura.
Morro sobre os olhos, se os sinto
como pássaros vivos, um momento
voar baixo meus dedos brancos.
Sei a frase que encanta e que compreende,
sei calar quando a lua ascende
enorme e vermelha sobre os barrancos.
Sou, poema da escritora, jornalista, atriz, professora e feminista argentina Alfonsina Storni (1892-1938).

A ARTE DE SÍLVIO HANSEN
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