sexta-feira, outubro 26, 2018

ALDOUS HUXLEY, MILTON NASCIMENTO, DI CAVALCANTI & PINTANDO NA PRAÇA


O FUTURO É AGORA - Imagem O Beijo (1923), do pintor e caricaturista brasileiro Di Cavalcanti (1897-1976). - Dei por conta de mim: olhei pra trás e tudo era infinitamente distante, como se um filme de desagradáveis e tortuosas cenas tivessem que repassar constantemente como um caleidoscópio, na minha travessia entre meus vivos indiferentes e os mortos que sequer esqueci, de tão vivos se parecerem nos meus horrores e risadas. Lá na frente tudo o que não sei, vou sempre adiante, mesmo que não saiba se é mesmo adiante ou se estou andando em círculos ou me perdendo entre esquinas, curvas e acenos. Ao meu lado não há ninguém, isso eu sei há tempos, é que nunca segui procissões nem fui pra plateia dos palcos da prestidigitação, das promoções do mercado, do glamour da moda e da perda de tempo que é seguir porque outros seguem por puro prazer. É que me dei conta da fração de segundos entre o que é a vida e o que é a morte, e do meu tamanho ínfimo perante o universo. Há tempos deixei de esperar e mesmo que malogre porque nada é pra já, faço acontecer ao meu modo, já quantas aflições pelos segundos que duraram uma eternidade quando precisava e era de imediato, sobrevivendo sob o truque da imaturidade: o medo de tudo, a ameaça constante. Tantas vivências de expectativa pelo amanhã: tudo podia acontecer da espera à agonia pra ansiedade: o que será, nunca se sabia. O tempo parecia parar naquela hora, como sempre tudo passava e o que se desejava nem aparecia na esquina nem lá longe, nem adiantava apurar a vista ou ficar pra lá e pra cá, tonto de requerência. Inquietações assomavam e a balança aparentemente equilibrada não deixava visualizar se ia ou não, quem merece. A lentidão levava ao afobamento corroendo vísceras e unhas e por que não, se estava prestes a ser feliz e o que era a felicidade dava as costas escorrendo pelas minhas mãos e sumindo no triz da primeira piscada de olhos. Uma escolha e quantas consequências: o peso da resolução. Ao decidir eu construía o meu caminho. O que sou hoje é resultado de tudo que fiz e fui ontem. E eu havia me esquecido disso. Cada passo, cada sim, nãos, acenos, dobradas de esquina, relutâncias, teimosias, atalhos e subterfúgios, cansaço, aperreios, suspenses e arrepios. Hoje sou porque sinto: já deplorei minguando na solidão noites intermináveis e sofri pelo que não tinha, e morri pelo que até nem mesmo merecia. Tive que cuidar dos meus sentimentos, torná-los melhores para não quedar desamparado. Hoje sou porque penso: já sucumbi pelo mergulho de mirabolantes ideias, elegendo algozes e enfrentando os meus próprios moinhos de vento. Eu sequer me compreendia, só sentia e pensava. Tive que cuidar dos meus pensamentos e meus sonhos se tornaram factíveis sem que precisassem ser naquele instante porque são reais demais para serem ansiados ou preteridos conforme o capricho do querer. Hoje sou porque percebo: quão sutis são as coisas verdadeiras e nem precisei dos olhos bem abertos para tanto, bastou cerrar as pálpebras e hoje sinto, penso e percebo porque sei que não há destino, porque o passado construiu o meu presente e o futuro é agora. Tomei tento. Há uma razão para tudo, o acaso não existe. Faço agora porque sei amanhã: o futuro às minhas mãos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] A porta do helicóptero abriu-se, saindo um rapaz louro de rosto vermelho; depois com um calção de belbutina verde, uma blusa branca e, na cabeça, um boné de jóquei, apareceu uma moça. À vista da jovem, o Selvagem estremeceu, recuou, empalideceu. A moça ficou de pé, sorrindo para ele - um sorriso hesitante, púplice, quase abjeto. Passaram-se alguns segundos. Seus lábios moveram-se - ela dizia qualquer coisa; mas sua voz foi abafada pelo estribilho forte e repetido dos curiosos; "Nós-queremos-o-chicote! Nós-queremos-o-chicote!" A jovem apoiou as duas mãos no coração, e no seu rosto corado como um pêssego, lindo como o de uma boneca, apareceu uma expressão estranhamente incôngrua de aflição anelante. Seus olhos azuis pareceram dilatar-se, tornar-se mais brilhantes; e, subitamente, duas lágrimas rolaram-lhe pelas faces. Em voz inaudível, falou outra vez; depois, com um gesto vivo e apaixonado, estendeu os braços para o Selvagem e deu um passo à frente. "Nós-queremos-o-chicote! Nós-queremos..." E, de repente, eles tiveram o que pediam. - Cortesã! - O Selvagem avançou para ela como um louco. - Fuinha! – Como um louco, pôs-se a vergastá-la com seu chicotede cordas finas. Aterrorizada, ela virou-se para fugir, tropeçou e caiu no meio das urzes. - Henry! Henry! - gritou. Mas seu rubicundo companheiro correra a abrigar-se do perigo atrás do helicóptero. Com um bramido de excitacão deliciada, a linha rompeu-se. Houve uma corrida convergente para aquele centro de atração magnética. A dor era um horror que fascinava. - Ferve, luxúria, ferve! - Com frenesi, o Selvagem vergastou-a outra vez. Avidamente os curiosos os rodearam, empurrando-se e atropelando-se como porcos em redor do cocho. - Oh! A carne!, - O Selvagem rangeu os dentes. Dessa vez foi sobre seus próprios ombros que se abateu o chicote. - Mata! Mata! Atraídos pela fascinação do horror do sofrimento e, interiormente, impelidos pelo hábito da ação em comum, pelo desejo de unanimidade e comunhão, que o condicionamento neles implantara de forma tão indelével, os curiosos puseram-se a imitar o frenesi dos gestos do Selvagem, batendo uns nos outros, enquanto ele fustigava sua própria carne rebelde, ou aquela encarnação roliça da torpeza que se contorcia nas urzes a seus pés. - Mata, mata, mata... - continuava gritando o Selvagem. Depois, subitamente, alguém começou a cantar: "Orgião-espadão!" Num instante, todos repetiram o estribilho, e, cantando, puseram-se a dançar. Orgião-espadão, girando, girando, girando em círculo, batendo uns nos outros, em compasso de seis-oito. Orgião-espadão... Passava da meia-noite quando o último helicóptero levantou vôo. Entorpecido pelo soma e esgotado por um prolongado frenesi de sensualidade, o Selvagem jazia adormecido sobre as urzes. O sol já ia alto no céu quando ele acordou. Ficou imóvel um momento, os olhos piscando à luz, numa incompreensão de mocho; depois, repentinamente, lembrou-se de tudo. -Oh! Meu Deus, meu Deus! - cobriu os olhos com as mãos. Naquela tarde, o enxame de helicópteros que vinham zumbindo por sobre a crista de Hog's Back era uma nuvem escura de dez quilômetros de comprimento. A descrição da orgia de comunhão da noite anterior fora publicada em todos os jornais. - Selvagem! - gritaram os primeiros a chegar, enquanto desciam dos aparelhos. - Sr. Selvagem! Não tiveram resposta. A porta do farol estava entreaberta. Empurraram-na e entraram numa penumbra de janelas fechadas. Por um arco na outra extremidade da peça viam-se os primeiros degraus da escada que levava aos andares superiores. Exatamente sob o fecho do arco pendiam dois pés. - Sr. Selvagem! Lentamente, muito lentamente, como duas agulhas de bússola sem pressa, os pés voltaram-se para a direita: norte, nordeste, leste, sudeste, sul, sul-sudoeste; depois detiveram-se e, passados alguns segundos, recomeçaram a girar, com a mesma lentidão, para a esquerda. Sul-sudoeste, sul, sudeste, leste...
Trecho extraído do capítulo final da obra Admirável mundo novo (Globo, 1979), do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE DI CAVALCANTI
A arte do pintor e caricaturista brasileiro Di Cavalcanti (1897-1976). Veja mais aqui e aqui.

AGENDA
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RÁDIO TATARITARITATÁ:
Eu sou atlantica dor plantada no lado do sul
de um planeta que vê e que é visto azul
Mas essa primeira impressão, esse planeta blue
não é a visão mais real além de cor, 'blue' é também muito triste
pode ser o lado nu, o lado pra lá de cru, o lado escuro do azul
Eu sou um homem comum, eu sou um homem do sol
eu sou um 'african man' um 'south american man'
A fome continental miséria que o norte traz
a fome que a morte vem, a fome não vem da paz
O ódio que o ódio tem se espalha bem mais veloz
que a água que a chuva traz que o grito da nossa voz
Eu sou um homem qualquer estou querendo saber
se dá pra gente viver, se dá pra sobreviver
Quero saber de coração se nossa humanidade
e este planeta vão poder prosseguir
Quem sabe a terra segue o seu destino
bola de menino pra sempre azul
Quem sabe o homem mata o lobo homem
e olha o olhar do homem que é seu igual
Quem sabe a festa chega à floresta
e o homem aceita a mata e o animal
Quem sabe a riqueza? E toda a beleza estará nas mesas da terra do sul
Eu sou atlantica dor plantada no lado do sul
(Planeta blue, música de Milton Nascimento & Fernando Brant)
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do cantor e compositor Milton Nascimento: Uma travessia 50 anos ao vivo, Pietá ao vivo, Crooner ao vivo & Milagre dos Peixes ao vivo & muito mais nos mais de 2 milhões & 700 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aquiaqui.